Livros SuperImportantes
Resenha do livro História da vida privada, do Império Romano ao ano mil, de Georges Duby, Phillippe Aries e outros, Companhia das Letras, São Paulo, 1990
Quando a res publica era sinônimo de cosa nostra
História da vida privada, do Império Romano ao ano mil, Georges Duby, Phillipe Ariès e outros, Companhia das Letras, São Paulo, 1990
Vida particular, vida pública: não há quem julgue desconhecer o que isso significa numa sociedade. No entanto, a questão é mais complicada do que parece, como provam os cinco volumes, que começam a ser editados no Brasil, do trabalho dos historiadores franceses Georges Duby e Phillippe Ariès. Em Roma e na Idade Média, vida privada e pública não se separavam com nitidez. Duby e seus colegas relatam que na antiga Roma não existia idéia de poder como algo impessoal. O chefe de governo realmente administrava as coisas públicas como se fossem negócios seus. Os cargos públicos eram criados e negociados no clube dos notáveis os aristocratas. Estes os exploravam para seu enriquecimento e prestígio. As famílias ricas que dominavam os negócios públicos tampouco tinham vida particular. Esta se confundia com a vida pública. Tudo que os ricos faziam importava à cidade e vice-versa. Quando um notável morria, por exemplo, a família era obrigada a dar um banquete à plebe. Se não o fizesse, o enterro não se realizaria.
Os nobres arrancavam o couro dos contribuintes e devolviam uma parte das festas, edifícios públicos, segurança para o corpo e para a alma. Pode-se dizer que, em Roma, res publica (coisa pública, em latim) era sinônimo de cosa nostra (nome italiano de um dos ramos da Máfia atual). Prova disso é um trecho da obra de Duby que se referem à vida cotidiana dos romanos: Um dos poderosos não hesitava em se apoderar da terra de seus vizinho (…) O que fazer contra esse homem que enriqueceu à custa dos outros? As probabilidades de obter justiça dependiam da boa vontade de um governador de província muito ocupado, obrigado a poupar os poderosos por razoes de Estado e aliado a eles por uma rede de amizades e interesses.
Os autores fazem comparações entre a Roma antiga e os países do Terceiro Mundo de hoje. O nobre romano, escrevem, tem o colorido de um notável sul-americano, mas como ele, nessa sociedade que opõe brutalmente ricos e pobres, tem porte nobre e não se parece com suas vias de enriquecimento. O nobre romano, com efeito, não era reconhecido pelas roupas, mas pelas maneiras: belas, altivas e viris. O corpo bem treinado era seu cartão de visitas. A partir do século III, porém, quando a Igreja começa a exercer legalmente seu domínio sobre a sociedade , o corpo humano recebe, por assim dizer, um véu, passando a refletir o nível social de seu proprietário sob a forma de pesadas vestes. O cristianismo, em suma, transforma o corpo num suporte sem graça. A vida pública,cuja expressão social mais importante é o clero, caracteriza-se pela abstinência sexual, pela disciplina das ordens religiosas e pelo celibato.
Devassavam-se as riquezas das pessoas, o modo pelo qual exerciam o poder político e a própria sexualidade. A ruptura entre o paganismo e o cristianismo, sob esse ponto de vista, consiste na passagem do belo ao feio. Já não se tratava de estar e bem com a vida, mas de aguardar a vida verdadeira aquela após a morte. Com esse relato inaugural, História da vida privada desmancha velhas noções que herdamos sobre nós mesmos, como a idéia da perenidade da autonomia individual, o direito que cada qual tem de decidir a própria vida. Os autores mostram que isso não existiu nem na Antiguidade pagã, nem no cristianismo. O indivíduo livre, prestando contas ao público só em momentos determinados e dentro de regras válidas para todos, é criação recente mesmo assim, na maioria das sociedades, ainda é uma quimera.
Roberto Romano é professor de Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Anônimos atores
A outra História, organizado por Frederick Krantz, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990
Catorze ensaios escritos por historiadores de truz, como o francês Albert Soboul e o inglês Eric Hobsbawm, sobre os anônimos cidadãos que ajudaram a fazer a História da França e da Inglaterra do século Xvii ao XIX. Os pesquisadores prestam uma homenagem ao inglês George Rudé, um dos primeiros a escrever sobre a História que o povo fez. Os textos falam não apenas da participação popular na Revolução Francesa, mas também de questões menos batias, como as origens sociais dos piratas que dominaram o Caribe nos séculos XVII e XVIII.
Harmonia ilimitada
O poder dos limites, Gyorgi Doczi, Editora Mercuryo, São Paulo, 1990
A mesma simetria que existe na postura de uma bailarina está nas formas de uma borboleta, na estatueta de uma sacerdotisa cretense e na disposição das pedras de Stonehenge, na Inglaterra. Estas são apenas algumas das muitas ilustrações de que se vale o autor, arquiteto húngaro radicado nos Estados Unidos, para mostrar que o desenvolvimento de padrões harmônicos e proporcionais na natureza, nas artes, na arquitetura, dentro de limites restritos, acaba criando formas ilimitadas.
Ciênca nova
História da Ecologia, Pascal Acot, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1990
Nestes tempos em que a questão ecológica se tornou uma preocupação mundial, nada mais oportuno que conhecer a história das ciências do ambiente. Essa é a tarefa a que se propôs o autor, filósofo e ativista ecológico na França. Ciência nova, da metade do século XIX, que estuda as relações entre os seres vivos e o ambiente, a Ecologia resulta do encontro entre a Botânica, a Zoologia, a Geologia e a Geografia, entre outras. A idéia de Acot é mostrar que a história recente da Ecologia não pode ser separada de uma reflexão sobre a natureza do homem.
Quieta linguagem
Vedo vozes, uma jornada pelo mundo dos surdos, Oliver Sacks, Imago, Rio de Janeiro, 1990
Ao ler sobre o Sinal, como é chamada a linguagem gestual dos surdos, o doutor Sacks, neurologista inglês radicado nos Estados Unidos, decidiu conhecer de perto um mundo que até então desconhecia. A partir daí, estudou a vida dos deficientes auditivos americanos e suas famílias. Autor de O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, sobre pessoas com disfunções neurológicas, Sacks novamente aproxima o relato médico da ficção.
Dentro do átomo
Quarks, a matéria-prima deste mundo, Harald Fritzsch, Editorial Preseça, Lisboa, 1990
Com base em pesquisas realizadas na Suíça, na Alemanha e nos Estados Unidos, o autor, pesquisador do Instituto Max Planck, em Munique, descreve as novas descobertas do sobre o universo subatômico, sobre tudo dos quarks, as partículas elementares que constituem a matéria.