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O apocalipse segundo a mitologia viking

Do começo ao fim do Universo, de acordo com os mitos nórdicos.

Por Bruno Cobalchini Mattos
Atualizado em 26 out 2020, 08h31 - Publicado em 10 jan 2020, 19h43

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ntes que o mundo dos homens fosse criado, existia ao Norte uma terra de gelo (Nilfheim) e ao Sul uma terra de fogo (Muspelheim). Entre elas havia um grande vácuo, que recebia as águas congeladas despejadas de um lado e a lava incandescente que escorria do outro. O calor derretia o gelo, e desse processo surgiram o gigante Ymir e a vaca Audhumla. Do suor de Ymir nasceram outros gigantes, e em meio ao gelo que vinha do Sul a vaca encontrou Buri, o primeiro dos deuses.

Buri se casou e teve filhos, que por sua vez também tiveram filhos, e seus netos receberam os nomes de Odin, Vili e Ve. Eles viveram em paz por um tempo, mas com o passar dos anos, conforme a casta dos gigantes se tornava mais numerosa, os três passaram a se sentir ameaçados. Como as imensas criaturas se originavam de Ymir, eles chegaram à conclusão de que precisariam matá-lo. Somando suas forças, os irmãos enfrentaram o gigante em uma disputa sanguinolenta. E houve mesmo muito sangue, tanto que a maioria dos gigantes morreu afogada nas poças que se formaram no campo de batalha.

O fim de Ymir foi também o início do mundo em que vivemos, criado por Odin, Vili e Ve a partir de seus restos. A carne se tornou terra, os ossos se tornaram montanhas. Seus cabelos deram origem às plantas e às árvores, e os dentes foram triturados para formarem as rochas. Feito isso, os irmãos jogaram a cabeça do gigante para cima: o crânio virou o céu e os pedaços do cérebro, as nuvens.

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Enquanto Odin e seus irmãos realizavam essas tarefas, perceberam que havia muitos vermes procurando uma refeição em meio à carne morta de Ymir. Como não queriam que o seu trabalho corresse o risco de desmoronar, os três transformaram esses vermes em anões e pediram que quatro deles segurassem o céu. Cada um recebeu o nome de um ponto cardeal e foi enviado para uma das extremidades do firmamento. Assim foi criada Midgard, a Terra Média (qualquer semelhança com O Senhor dos Anéis não é mera coincidência — basta lembrar que a mitologia viking também está cheia de elfos e anões).

Algum tempo mais tarde, Odin saiu para caminhar acompanhado por outros dois deuses. Na beira da praia, eles encontraram dois troncos de árvore sem vida: um era de freixo, o outro de olmeiro. Os três deuses decidiram convertê-los em seres vivos, e assim surgiu o primeiro casal de seres humanos. Eles foram enviados para viver na Terra Média, e desde então aquele se tornou o mundo dos homens.

DEUSES DO FIM – Figuras principais do Ragnarök.

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HEL – Filha de Loki, tinha metade da face normal, metade escura e decomposta. Era responsável pelo inferno infeliz, daqueles que morriam fora de combate. Nem mesmo os deuses eram imunes ao seu domínio: no “apocalipse”, o próprio Baldur, assassinado, foi parar em sua morada. FENRIR – Outro filho monstruoso de Loki, era um lobo gigantesco, mas dotado de razão e fala. Os deuses sabiam desde sempre que ele estava destinado a destruir Odin. Ainda assim, ele foi criado entre eles. Tyr era o único deus que tinha coragem de se aproximar dele. Por isso, acabou tendo sua mão devorada. (Índio San/Superinteressante)
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BALDUR – Extremamente justo e pacífico, era a divindade da justiça e da sabedoria. Com sua simpatia e atitude pacífica, tornou-se um dos deuses mais populares do panteão viking. Isso acabou por despertar a ira de Loki, que matou-o com uma flechada no coração. LOKI – A parte mais bizarra dos mitos sobre o deus da trapaça é a que trata de seus filhos. Além de Hel, Fenrir e a serpente Jormungand, também era pai do cavalo de Odin, Sleipnir, que tinha oito patas. Ou melhor, mãe: ele o concebeu quando se transformou em uma égua e cruzou com o cavalo Svaldifari. (Índio San/Superinteressante)

RELIGIÃO FATALISTA

Todos os mundos da mitologia viking eram abrigados por Yggdrasil, uma árvore gigantesca que servia como eixo do universo. Midgard, a Terra Média, estava situada em seu tronco, enquanto os galhos mais altos eram reservados ao mundo dos deuses; os demais mundos ficavam próximos às raízes. A imensa árvore era regada pelas Nornes, as Senhoras do Destino, que também eram responsáveis por determinar tudo o que já havia acontecido ou viria a acontecer. As três damas não eram subordinadas a ninguém, e tomavam suas decisões a partir de seus caprichos. Em toda a mitologia nórdica, não há nenhuma criatura cujo poder se equipare ao delas.

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As Nornes têm uma importância simbólica muito grande, pois revelam a maneira como os vikings encaravam sua existência. Se não temiam a morte, era porque acreditavam que a sua história já havia sido escrita antes mesmo do nascimento. Em parte, também era essa a razão de deixarem tantas vítimas por onde passavam: a morte de um inimigo não era vista como a aplicação de um castigo, mas como a consolidação de um destino que não poderia ter qualquer outro desfecho.

Assim como os homens, os deuses também tinham suas vidas e mortes determinadas pelas Nornes. A diferença é que, dada a sua condição divina, os moradores de Asgard já conheciam o seu destino final, e saberiam reconhecer os presságios quando eles viessem. Talvez por isso, os vikings contavam a história da morte dos deuses — o Ragnarök — como se ela já tivesse ocorrido, mesmo se tratando de um relato profético. O fim de tudo era, do ponto de vista deles, tão inevitável quanto o passado.

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A MORTE DOS DEUSES

O primeiro sinal de que o fim se aproximava surgiu quando Loki assassinou Baldur. A morte de um deus pela mão de outro era delito grave, e Loki foi condenado a cumprir pena em um dos mundos inferiores. Ciente do que estava por vir, Odin selecionou os melhores guerreiros humanos que encontrou e começou a prepará-los para a batalha final, embora soubesse que não tinha chances de sair vitorioso.

Pouco tempo depois, Midgard mergulhou no caos. Um inverno muito rígido se estendeu por três anos e tornou inviável a vida dos humanos, que enlouqueceram e se viraram uns contra os outros. Sabendo disso, Loki conseguiu se libertar de sua prisão e, ao lado do terrível lobo Fenrir, um de seus filhos, começou a marchar em direção ao enfrentamento final. Na mesma época, Odin foi informado por Heimdall, o guardião da morada dos deuses, de que um exército de gigantes se dirigia até lá a bordo do Naglfar, a barca dos mortos — um navio construído apenas com as unhas de todas as criaturas que já haviam perecido nos nove mundos.

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O dia deixou de raiar, pois as carruagens que levavam os deuses do Sol e da Lua pelo céu em sua rotina diária haviam sido atacadas por lobos, e seus ocupantes foram devorados. Enquanto isso, Loki e o lobo seguiram para Asgard destruindo tudo o que encontravam pelo caminho. Juntou-se à dupla o outro filho de Loki, Jormungand, uma serpente imensa que vivia no fundo do mar. Ao emergir para encontrá-los, ela provocou terremotos e ondas colossais, que destruíram o pouco que ainda restava do mundo dos homens.

Chegado o momento da batalha, os deuses deixaram Asgard e lutaram com bravura mesmo sabendo que a derrota era inevitável. Thor conseguiu vencer a grande serpente, mas morreu em seguida por efeito do seu veneno. Odin foi dilacerado pelo lobo Fenrir, mas foi logo vingado por um de seus descendentes. Loki e Heimdall se enfrentaram até a morte, e ambos pereceram devido aos ferimentos. Por todo o campo de batalha, os guerreiros humanos lutaram contra os gigantes de igual para igual, mas nem isso foi o suficiente. Após os deuses terem sido derrotados, o mundo afundou em um mar escuro e tudo passou a ser apenas escuridão e silêncio, como era o vácuo anterior à criação de Midgard.

Mas o fim do mundo não seria definitivo. Muitas eras mais tarde, Baldur voltaria do reino dos mortos e, ajudado pelos filhos de Odin, construiria um mundo ainda mais bonito e fértil do que aquele em que viviam os vikings. Assim como ocorre nos ciclos da natureza, a morte aparece no Ragnarök como uma possibilidade de renovação: algo constante nesse universo mitológico, onde o fim também é sempre um recomeço.

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