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O doutor que odiava heróis

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 31 Maio 2004, 22h00

Álvaro Oppermann

Era 1954, e os Estados Unidos viviam sob o signo do medo. A guerra fria estava no auge. Por causa da paranóia anticomunista, Charles Chaplin não podia entrar no país e Albert Einstein era investigado pelo FBI. O clima de temor e suspeita era propício. Naquele ano, o renomado psiquiatra Frederic Wertham publicou A Sedução dos Inocentes, que descrevia em detalhes os “efeitos nefastos” dos gibis sobre as crianças. A saber: fomentavam a delinqüência juvenil, a discórdia entre irmãos, o mau hábito da garotada de não comer legumes e verduras e, se isso não bastasse, de estimular o homossexualismo. O livro incentivou o Congresso a vasculhar a indústria das HQs e a colocar Batman e Super-Homem no banco de réus.

Credenciais não faltavam ao doutor para convencer a opinião pública da época. Era o psiquiatra-chefe do maior hospital psiquiátrico de Nova York, o Bellevue. Na década de 20, recém-formado, correspondera-se com ninguém menos que Sigmund Freud, pai da psicanálise.

A reputação de Wertham era ilibada, mas algo não ia bem com a psique do doutor. Assim como em muitas tramas de gibi, o genial cientista foi ficando aos poucos obcecado por um objeto de repulsa e desejo. Suas pesquisas passaram a associar leitura de quadrinhos com violência. O psiquiatra lançou-se numa violenta diatribe, em dezenas de artigos, condenando os pobres gibis.

Foi Wertham o pai do boato da homossexualidade de Batman e Robin. Tudo porque, numa história, Bruce Wayne e Dick Grayson trocavam as roupas civis pelos uniformes de herói, separados apenas por um biombo. Por sua causa, a DC Comics teria criado a figura paternal do mordomo Alfred, a fim de frear a fama de gay do homem-morcego.

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Com a publicação de A Sedução dos Inocentes, revistinhas foram queimadas em público no estado de Nova York. Um comissário de polícia de Detroit, Harry S. Toy, declarou que os gibis estavam infestados de ensinamentos comunistas. Os distribuidores começaram a devolver os exemplares. O rebu serviu de estopim para que o Congresso instituísse uma subcomissão de investigação dos quadrinhos.

As editoras, temendo uma regulamentação do governo, criaram o Comics Code, código de autocensura. Entre 1954 e o início da década de 70, o código exerceu seu poder de forma implacável na indústria dos quadrinhos. Só em 1971 as editoras passaram a questioná-lo: a Marvel, numa história do Homem-Aranha, mostrou Harry Osborn, amigo de Peter Parker, chapado de LSD. Em 1973, o psiquiatra surpreendeu a todos mudando de opinião, garantindo que os quadrinhos eram “válidos e construtivos”. Não adiantou. Frederic Wertham morreu desacreditado, em 1981.

O ex-menino prodígio da psiquiatria seria para sempre lembrado como o doutor que odiava os quadrinhos. É bem possível que nem o amigão Freud entendesse essa trajetória. E qualquer gibizeiro sabe que a sina de Wertham seguiu de perto as tramas de HQ: a do genial cientista que se transforma em vilão. No final, os super-heróis conseguiram derrotar o infame doutor W.

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