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Os pardais das letras

Escritores que voam alto antecipam as conquistas tecnológicas e propõem aos cientistas o desafio de alcançar as profecias geniais da imaginação.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 out 1997, 22h00

Sérgio Buarque de Gusmão

Você já imaginou o Pensador de Rodin matutando as traquinagens tecnológicas do Professor Pardal, de Disney? É com tal grau de elegância, refinamento e inventidade incessante que trabalham os grandes mestres da ficção científica. Entre o símbolo da inteligência meditativa do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917) e do visionário e proficiente personagem de Walt Disney (1901-1966), os ficcionistas da Ciência nos fazem ler hoje o que vamos ter amanhã.

Eles todos viajam no mundo da fantasia manejando o leme da razão. Não se espere deles maluquices do tipo A Incrível História da Abóbora Transgênica que Roubou os Anéis de Saturno. São avessos aos devaneios impraticáveis. Como pardais das letras, inventam engenhocas e cenários que só existem no futuro. Como artistas, usam a imaginação talentosa e abusam das metáforas, mas, diplomados em ciências exatas, apreciam a coerência. Eles contribuem para o progresso ao combinar raciocínio e fantasia.

Os artistas que iluminam a rota da Ciência

Para a Astronomia, Herbert George Wells é uma cratera da Lua. Para milhões de leitores, o homem que assina um acidente geográfico fora da Terra – distinção dada a gigantes da Ciência como Galileu, Charles Darwin e Louis Pasteur – é H.G.Wells (1866-1946), autor de A Máquina do Tempo. A cortesia é o reconhecimento aos autores de ficção científica que combinaram imaginação com intelecto e fizeram a vida imitar a arte.

Bomba atômica? A idéia e o nome da arma apareceram pela primeira vez na novela O Mundo Libertado, do pacifista Wells, em 1914. Satélites de comunicação? Tecnologia publicada em 1945 pelo inglês Arthur C. Clarke. Aliás, a órbita geoestacionária a 42 000 quilômetros é chamada de Órbita de Clarke pela União Astronômica Internacional.

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Qual o melhor meio de transporte para se viajar no espaço? O poeta, espadachim e escritor Cyrano de Bergerac deu a resposta em 1650: um foguete – idéia retomada por Julio Verne em seu genial Da Terra à Lua, de 1865. Os cientistas suspeitam, nos anos 70, que Titã, a grande lua de Saturno, tem atmosfera? Ora, isso podia ser lido já em 1959 no romance The Sirens of Titan, do escritor americano Kurt Vonnegut, Jr., de 75 anos.

Computador reproduz poderes do HAL 9000

No filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, os dois astronautas se trancam dentro de um pequeno módulo – o único lugar onde se podia conversar sem ser ouvido pelo HAL 9000, o computador que se rebela e vai eliminando os tripulantes, um a um. Só que, pela janelinha, HAL consegue ler os movimentos dos lábios dos astronautas. O filme é de 1968. Quase trinta anos depois, um computador que está sendo desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA, identifica e reproduz, na tela, os movimentos humanos.

A cabeça nas nuvens e o pé no chão

Os grandes autores são levados a sério porque antenam sua ficção com o realismo científico. Como a grande literatura, a boa ficção científica ancora-se na realidade para superá-la, melhorá-la ou antecipá-la.

Os mestres não fazem concessões ao delírio inverossímil. Grandes escritores acrescentaram a palavra científica à sua ficção porque sabiam explicar a Teoria da Relatividade para o filho de 12 anos. Wells, Isaac Asimov (o guru da robótica), Arthur C. Clarke e Aldous Huxley, entre outros, criaram com uma antena na imaginação e outra no conhecimento.

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O astrônomo mais famoso de nossos tempos, o americano Carl Sagan, tomou o caminho do telescópio aos 10 anos de idade, lendo as novelas ambientadas em Marte por Edgar Rice Burroughs – ele mesmo, o criador do Tarzan. A linha narrativa-molecular de Harry Hasse em O Incrível Homem que Encolheu foi lida por Sagan como uma teoria, atualmente repensada, do Universo em infinita regressão.

É claro que a arte dispensa a escola. Philip D. Dick (1928-1988), autor do livro em que se baseou o filme O Caçador de Andróides (Blade Runner), só fez o curso secundário. Nem isso chegou a estudar o jovem desenhista francês Jean-Claude Forest, autor da série de histórias em quadrinhos Barbarella, filmada por Roger Vadim em 1968, com Jane Fonda nos trajes futuristas de uma astronauta sensual. Mas a grande figura do leigo que projeta a ciência foi o francês Júlio Verne (1826-1905). Advogado e corretor da bolsa, ele é celebrado como o criador da ficção científica. Mas há um detalhe: Verne ia aos livros técnicos e consultava cientistas antes de sentar-se à sua escrivaninha para inventar o futuro.

Verne antecipa a missão Apollo

Em nenhum de seus livros, Júlio Verne acertou tantas profecias quanto em Da Terra à Lua, escrito em 1865. Chega a ser desconcertante a semelhança entre a viagem descrita por Verne e a proeza da Apollo XI, que levou o homem pela primeira vez à Lua, em 1969. A duração da jornada (97 horas, na ficção, e 103 na realidade), o número de tripulantes (três), os locais de lançamento (a Flórida) e de pouso (o Mar da Tranqüilidade, na Lua), tudo parece ter sido previsto um século antes. A cápsula de Verne, em forma de bala, media 4,8m de altura e 2,7m de diâmetro. A Apollo media 3,7m de altura e 3,9m de diâmetro. Até mesmo o regresso à Terra, com o pouso no Pacífico e o resgate por um navio, é igual.

Os gurus da futurologia literária

Conheça os escritores que colocaram a Ciência para correr atrás da arte.

Júlio Verne (1828-1905)

Periscópio profético

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Advogado de formação, o francês genial ostenta o título de pai da ficção científica. Em histórias cheias de suspense, ele antecipou invenções que só apareceriam no século XX, como o helicóptero, o aqualung, a televisão e as naves espaciais. Escreveu 20 000 Léguas Submarinas com base num submarino rudimentar que o americano David Bushnell construiu em 1776, como arma na Guerra da Independência.

O surpreendente, no livro, são os detalhes: o Nautilus tem periscópio, afunda e emerge graças a um sistema de compartimentos estanques e seus motores são impulsionados por uma espécie de energia nuclear.

Aldous Huxley (1894-1963)

Visão de pesadelo

Um dos maiores escritores ingleses deste século, Huxley via com pessimismo o futuro da humanidade, tanto no terreno político quanto no tecnológico. Sua obra mais conhecida, Admirável Mundo Novo, de 1932, descreve um cenário de pesadelo no qual a casta dirigente recorre à lavagem cerebral e à manipulação genética para manter a população em permanente idiotia. O livro prevê a liberação sexual dos anos 60, as drogas químicas (o soma), a clonagem e até a realidade virtual, que ali aparece com o nome de cinema-sensível.

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Arthur C. Clarke (1917 – )

De olho no espaço

Ele mesmo confessa que teria ficado rico se tivesse patenteado a idéia dos satélites em órbita fixa ao redor da Terra. A sugestão foi apresentada em 1945, como um meio de melhorar as telecomunicações. Um de seus livros inspirou 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, o maior clássico do cinema de ficção científica. O filme, de 1968, prevê os computadores capazes de derrotar o homem no xadrez e mostra uma cidade orbital quase igual à Estação Espacial Internacional, atualmente em construção. Arthur C. Clarke mora no Sri Lanka, para fugir aos impostos na Inglaterra, onde nasceu.

Isaac Asimov (1920-1992)

O amigão dos robôs

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Americano nascido na Rússia, escreveu 470 livros, dos quais mais de 200 de ficção científica. Inventou a palavra robótica e virou de cabeça para baixo o mito dos robôs como monstros perigosos, que fatalmente se voltariam contra seus criadores. Suas criaturas artificiais são, quase sempre, dóceis, inteligentes e dignas. Asimov pintou um cenário otimista do mundo futuro: uma sociedade na qual os robôs assumirão todas as tarefas desagradáveis e os seres humanos aproveitarão o tempo para desenvolver seus talentos, livres da escravidão do trabalho.

De Gulliver às revistas populares

O marco zero da ficção científica tem muitas datas e pais. Há quem atribua o pioneirismo ao irlandês Jonathan Swift, por ter imaginado máquinas e previsto duas luas em Marte em seu livro As Viagens de Gulliver, de 1726. As duas luas marcianas existem mesmo – foram identificadas 151 anos depois, pelo astrônomo americano Asaph Hall. Outros conferem o título de fundador da ficção científica ao francês Júlio Verne. Entre os dois está uma jovem inglesa, Mary Shelley, que começou a escrever em 1816, aos 19 anos, o que até hoje é o mais popular e ambíguo produto da ficção científica, Frankenstein.

Publicado em 1818, o livro refinou a literatura de horror. Os anti-heróis já não eram produto do sobrenatural, mas brotavam da mão criadora do homem. Foi sucesso imediato. Desdobrou-se em outros romances, inspirou peças de teatro, cerca de quarenta filmes e ganhou vida multimídia em CD-ROM. Frankenstein retrata o produto indesejado, o efeito colateral, o bastardo banido. Ainda resiste como parábola dos perigos da Ciência.

Mary Shelley é a pioneira da ficção científica nos termos definidos pelo dicionário de Oxford: “Ficção imaginativa baseada em descobertas científicas postuladas ou em ambiente espetacular”. Consta que a expressão surgiu em 1821, mas só em 1916 foi consagrada como rubrica de trabalhos literários baseados nos avanços e visões da Ciência. O homem que bateu o carimbo era um jovem editor de revistas que hoje chamamos de populares: Hugo Gernsback (1884-1967). Nascido em Luxemburgo, fez carreira nos Estados Unidos.

Mais que lançar um rótulo, Gernsback delimitou um gênero literário. O Oscar da ficção científica presta-lhe uma homenagem: o prêmio chama-se Hugo. Ele achava que a ficção científica deveria ser um instrumento de divulgação da Ciência. Mas isso não impediu que Gernsback previsse o advento do microfone, do uso da energia solar, do plástico, do microfilme e do radar. De quebra, cunhou um nome para uma engenhoca a ser inventada, que outros chamavam de radiovisão ou telefone com olho, e ele preferiu batizar de televisão.

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