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Pierre Lévy – A internet como instrumento para a inteligência coletiva

Precursor de estudos sobre o forte impacto da transmissão digital do conhecimento, Pierre Lévy ainda trabalha com urgência.

Por Thales de Menezes
Atualizado em 1 nov 2019, 18h00 - Publicado em 1 nov 2019, 18h00

ierre Lévy largou na frente. No começo da década de 1990, quando a imensa maioria das pessoas ainda estava tentando entender o que seria possível fazer com os computadores, esse filósofo francês nascido na Tunísia começou a escrever sobre o impacto da internet na sociedade. Praticamente, analisava em tempo real um fenômeno que ainda era rascunhado.

Lévy é autor de vários trabalhos que buscam repensar a configuração do conhecimento na época contemporânea e ao mesmo tempo está entre aqueles que começaram a lançar as bases para a realização dessa tarefa. O que diferencia o trabalho de Lévy é seu envolvimento especificamente filosófico com a rede de conhecimento global constantemente em construção.

A entrada de Lévy nessa discussão do mundo digital é precoce. Em 1987, escreveu A Máquina Universo: Criação, Cognição e Cultura Informática, cujo foco era um novo diálogo cognitivo proporcionado pelo computador. Apresentado como a máquina universo, o computador estaria prestes a imprimir numa sociedade informatizada o novo modelo do mundo e da própria existência, como se tudo passasse a ser calculável.

Na obra, Lévy é praticamente o redator de um tratado de antropologia sobre uma mudança tão radical quanto a descoberta do fogo, a invenção da roda ou o aparecimento da escrita. Antecipava naquelas páginas a integração dos seres humanos com o que viria a ser a internet.

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Cinco anos depois, lançou em parceria com o matemático e filósofo Michel Authier o livro As Árvores do Conhecimento, propondo como as transmissões de conhecimento poderiam ser interligadas por sistemas hipermidiáticos, novamente num caráter de premonição. Lévy antecipava ali, de certa forma, os conceitos de inteligência coletiva que sustentaram a criação de sistemas como aquele celebrado hoje pela Wikipedia.

Lévy, mestre em história da ciência pela Universidade de Sorbonne, é professor de ciências educacionais na Universidade de Paris-Nanterre, no Departamento de Hipermídia da Universidade de Paris-8, em St-Denis, e é titular da cadeira de pesquisa em inteligência coletiva, na Universidade de Ottawa, no Canadá.

Com formação que contempla filosofia e sociologia, tornou-se um pesquisador pioneiro em cibernética, internet e inteligência artificial. Dele vieram as concepções mais determinantes de inteligência coletiva e ciberespaço. Enxergou a internet como um instrumento imbatível para o desenvolvimento pessoal e a mobilidade social, numa discussão que entrelaçou tecnologia e filosofia numa textura única.

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Chega a ser divertido procurar nos livros mais antigos publicados por Lévy as previsões acertadas sobre o futuro que já chegou. É como investigar em antigos romances de ficção científica as invenções então delirantes que são hoje instrumentos corriqueiros na vida urbana.

O livro que o tornou mais conhecido no mundo inteiro, com muito sucesso também no Brasil, é As Tecnologias da Inteligência. Lévy defende na obra a jornada da inteligência humana passando por “coletivos cosmopolitas, formados por indivíduos, instituições e técnicas”. Em um tom surpreendentemente didático, o livro trata de hipertexto, linguagens de conhecimento e a maneira de se criar uma coletividade em rede de dados.

Muitos seguidores de Lévy recomendam a leitura sequencial de As Tecnologias da Inteligência (1990), O Que É Virtual? (1995) e Cibercultura (1997), livros que o autor não lançou como uma trilogia arquitetada, mas que servem como base de sustentação de todo o desenvolvimento de sua obra. Essas leituras podem preparar terreno para uma discussão do que pode ser chamado de grande núcleo do trabalho de Lévy, a inteligência coletiva.

Para o filósofo, “inteligência coletiva é um projeto científico, técnico e político que visa tornar as pessoas mais inteligentes com os computadores, em vez de tentar torná-los mais inteligentes do que as pessoas. Portanto, a inteligência coletiva não é o oposto da estupidez coletiva, nem o oposto da inteligência individual. É o oposto da inteligência artificial. É uma maneira de desenvolver um sistema cognitivo humano e cultural renovado, explorando nosso crescente poder computacional e nossa memória onipresente.”

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Lévy enxerga a inteligência coletiva como uma propriedade das sociedades animais. A inteligência coletiva humana estaria enraizada na inteligência coletiva das sociedades de macacos. Ele acredita que a primeira inteligência coletiva especificamente humana provavelmente foi organizada em torno do uso do fogo, há 1 ou 2 milhões de anos.

A propagação da inteligência coletiva humana provavelmente veio com a linguagem, as ferramentas e as instituições. Segundo Lévy, após o desenvolvimento da linguagem, cada novo meio gastou ainda mais o poder cognitivo da espécie, com sistemas de escrita cada vez mais elaborados, meios de comunicação mecânicos e eletrônicos e, finalmente, a computação.

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“A distribuição e o aumento do poder computacional levarão à democratização da criação de algoritmos e análise de dados. A transparência total é provavelmente impossível e nem desejável. Mas estaremos mais conscientes do conhecimento disponível, de suas fontes humanas, das redes de relações entre pessoas e pessoas, pessoas e ideias, ideias e ideias. Seremos capazes de observar nossos processos cognitivos coletivos e entender mais precisamente como pensamos e agimos juntos.

Prevejo nos próximos séculos uma revolução epistêmica nas ciências humanas que ofuscará a revolução das ciências naturais que ocorreu entre os séculos 17 e 20. As consequências espirituais, estéticas, políticas e econômicas desse crescimento da inteligência coletiva reflexiva nem sequer podem ser imaginadas hoje.”

Entre seus livros mais recentes, o maior impacto foi causado por O Futuro da Internet: Em Direção a uma Ciberdemocracia Planetária, de 2010. Fala sobre o velho sonho de um mundo de comunicação livre, sem entraves, democrático, global. Esse imaginário sempre retorna com o surgimento de novas redes de informação, comunicação ou de transportes. Num livro que propõe um exercício de utopia, Lévy decreve um homem “na vertigem do futuro e na urgência do presente, criando utopias e distopias que pode-se apreender pelos discursos publicitários, acadêmicos, jornalísticos ou artísticos”.

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Atualmente, Lévy se dedica ao desenvolvimento de uma MetaLíngua da Economia da Informação (IEML). Teria como objetivo melhorar a gestão do conhecimento como parte de seus trabalhos sobre o design de um sistema universal para endereçamento semântico de documentos digitais. Para leigos, uma versão muito turbinada dos ancestrais hipertextos (textos com links).

Lévy divide seu tempo entre estudo tecnológico e o contato com o público em eventos nos quais ele é bombardeado com perguntas sobre o comportamento humano na internet, notadamente em redes sociais.

Ele responde que a internet deu um grande impulso à liberdade de expressão, porque as pessoas podem postar o que querem em seus blogs ou nas mídias sociais, de graça e sem serem obrigadas a obter a aprovação de superiores hierárquicos. São capazes de assistir e ler tudo o que é publicado on-line, independentemente dos países e das culturas dos autores. Para isso, basta conhecer os idiomas de quem está postando o material. Ele vê nisso a consequência imediata de um aumento da diversidade disponível de informações e ideias.

“Agora, o problema é promover uma educação que ajude as pessoas a fazer um uso competente e responsável de toda essa diversidade. O risco de ficar preso em uma bolha de informação por causa de algoritmos que lhe dão mais do mesmo e confirmam seus preconceitos é real. A solução deve passar por um comportamento on-line aberto e exploratório e um exercício efetivo de pensamento pessoal. Chame isso de ‘resistência’, se quiser.”

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