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Planet Hemp: Parada forte

A maconha passou de mão em mão entre os roqueirosno meio dos anos 90, da tia Rita Lee a uma família inteira de doidões. Nem a prisão do Planet Hemp segurou a malandragem que fez a cabeça dos fãs e deu um tapa na caretice

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 out 2004, 22h00

Texto Emerson Gasperin

Sete anos antes de conquistar público e crítica, outra batida perfeita colocou Marcelo D2 em evidência.

Entre a última descoberta da medicina, o espetáculo da natureza e a gostosa da hora, o programa Fantástico de 9 de novembro de 1997 trazia imagens do vocalista e dos demais integrantes do Planet Hemp na Coordenação de Polícia Especializada (CPE), em Brasília. Eles haviam sido presos em flagrante na madrugada daquele domingo, depois de tocar para 7 mil pessoas na cidade. Vinte policiais os apanharam ainda no camarim com base nos artigos 12 (apologia) e 18 (associação de pessoas para uso de drogas) da Lei de Entorpecentes (no 6.368/76). Se condenados, os músicos poderiam amargar de três a 15 anos na cadeia e deveriam permanecer atrás das grades até o julgamento.

Era o ápice de uma conturbada relação iniciada em 1995, quando as rádios de todo o Brasil começaram a bradar que “uma erva natural não pode te prejudicar”. O refrão era de “Legalize Já”, faixa de trabalho de um disco chamado Usuário, de uma banda carioca cujo nome significava “planeta maconha”, em inglês. Os selos Superdemo e Chaos bancavam o álbum, garantido pela Sony, a mesma que lucrava com o rap bandeiroso do trio americano Cypress Hill. Onde havia fumaça, havia uma popularidade que crescia a cada tragada. Mais de 100 mil pessoas compraram o bagulho de estréia do Planet Hemp, estimulando a oferta de nova remessa. Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára chegou em julho de 1997 e rapidamente ultrapassou as expectativas. No final de setembro, o grupo comemorava 200 mil cópias vendidas com um show no Palace (atual DirecTV Music Hall), em São Paulo.

A situação impunha medidas enérgicas e imediatas. As apresentações do Planet Hemp passaram a ser “protegidas” por um policiamento ostensivo e restritas a maiores de 18 anos. Ou, simplesmente, vetadas, como em Salvador, Vitória e Curitiba. No dia anterior à detenção, mais um show fora cancelado. Em vez de fazer a cabeça dos mineiros, a banda prestou depoimento de 5 horas na 2a Delegacia de Tóxicos de Belo Horizonte. “Ficamos pelados, os caras viram cada bainha, cada linha do tênis. Tinha cachorro cheirando o nosso rabo, muito constrangedor”, lembrou D2 em entrevista a Playboy. A busca na bagagem do grupo revelou um chaveiro em forma da folha famosa, uma ponta de cigarro e uma caixa metálica contendo, segundo D2, artemísia (planta medicinal). Liberado, o bonde da excursão prosseguiu para seu derradeiro destino.

O Distrito Federal aguardava o Planet Hemp com ansiedade. Durante um ano, a polícia civil local analisou letras do grupo e concluiu que afrontavam a Justiça. As provas viriam com o show no Minas Brasília Tênis Clube. Os homens do titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes, Eric Castro, conseguiram autorização judicial para gravar a apresentação em áudio e vídeo, obtendo os supostos indícios de que a banda incentivava, sim, o consumo de maconha. Terminado o show, os policiais tinham pretextos suficientes para enquadrar os vulgos D2 (Marcelo Maldonado Peixoto), Black Alien (Gustavo de Almeida Ribeiro), Jackson (Eduardo da Silva Vitória), Formigão (Joel Oliveira Júnior), Bacalhau (Wagner José Duarte Ferreira) e Zé Gonzales (José Henrique Castanho de Godoy Pinheiro), todos com idades entre 20 e 34 anos.

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Com capacidade para 140 presos, a carceragem da CPE mantinha 250, a maioria assaltantes, homicidas e estupradores. Os seis novos hóspedes foram alojados em uma cela separada – “por serem artistas”, disse a delegada de Vigilância e Captura, Ildete Sobral – enquanto aguardariam vagas no Complexo Penitenciário da Papuda, de segurança máxima. Na segunda-feira, o deputado Fernando Gabeira os visitou e transformou o caso em um debate sobre a liberdade de expressão. Na via jurídica, o advogado contratado pela Sony, Nabor Bulhões (o mesmo que defendera PC Farias), entrou com um pedido de relaxamento da prisão alegando que os autos não detalharam quais músicas foram cantadas nem quais expressões caracterizavam apologia ao uso de drogas. O juiz da 1a Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais de Brasília, Vilmar José Barreto de Pinheiro, negou a petição, mantendo o Planet Hemp atrás das grades.

A presença da banda alterou a rotina do lugar. A menos de 100 metros da direção-geral da polícia civil, fãs cantavam as músicas que botaram seus ídolos em cana. Também mandavam a eles bilhetes que eram retribuídos com autógrafos. O carinho ajudava a amenizar o calor e o futum. Apesar dos 30 graus, D2 e gangue não se lavavam porque não tinham toalhas – a CPE não fornecia esse luxo e ninguém cogitou telefonar pedindo uma. O senador Eduardo Suplicy levou sua solidariedade (mas esqueceu as toalhas!) e Gabeira alardeava nos jornais que Caetano Veloso, Gilberto Gil, Marisa Monte, Fernanda Abreu, Paula Toller e Rita Lee iriam visitá-los.

Na quarta-feira, atendendo solicitação do deputado, o governo distrital transferiu o grupo para a 3a Delegacia de Polícia, na cidade-satélite de Cruzeiro. Em paralelo, Bulhões impetrava mais um habeas-corpus. No dia seguinte, o desembargador Otávio Augusto Barbosa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aceitou a argumentação da existência de erros técnicos no flagrante. Os componentes do Planet Hemp foram liberados na tarde de 14 de novembro, sem que a mobilização da classe artística lhes providenciasse, ao menos, um pedaço de pano para secar a região farejada pelos cães. Um furgão os apanhou no pátio da delegacia e partiu direto para o aeroporto, evitando contato com as cerca de 100 pessoas que esperavam a saída das celebridades aos gritos de “legaliza, legaliza”. D2 pensava apenas em tomar um bom banho.

Puxando pela memória

O Planet Hemp estava longe de ter sido o primeiro a oferecer uns tapinhas para a música brasileira. Em 1933, “Quando o Samba Acabou”, de Noel Rosa, já versava sobre um malandro que “perdendo a doce amada foi fumar na encruzilhada passando horas em meditação” – talvez sob os efeitos das mesmas “folhas de sonho” plantadas pelos Mutantes em 1968 (“Panis et Circensis”). Outros que abordaram o tema foram Bezerra da Silva (“Malandragem Dá um Tempo”, de Adelzonilton) e os Golden Boys (“Fumacê”). Muita gente também já havia experimentado a cadeia por porte da planta ilícita, como Gil, Tim Maia, Rita Lee e Lobão. O que distingue a banda de D2 é o fato de ter sido perseguida, proibida de tocar e presa por, no entender da lei, incitar o uso de maconha. E olhe que, da época em que o grupo surgiu até a operação da polícia candanga, não faltou mato queimado nos alto-falantes, arenas e lojas do Brasil.

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O pop nacional vivia o seu “verão da lata”. O Planet Hemp era um de seus expoentes, mas não o único. A exemplo do navio panamenho Solano Star, que em setembro de 1987 desovou cerca de 20 mil latas, com 1,5 quilo da poderosa Cannabis indica cada uma, na altura do litoral fluminense e abalou a estação, em meados dos anos 90 inúmeras referências à erva impregnaram o mercado fonográfico. Em 1995, a criançada divertia-se com “Sábado de Sol” (“…Aluguei um caminhão/ Pra levar galera pra comer feijão/ Chegando lá, mas que vergonha/ Só tinha maconha”), dos Mamonas Assassinas, e os Raimundos atordoavam a geração MTV com a auto-explicativa “Pitando no Kombão”. Em 1996, O Rappa vendia ervas que curam, acalmam, aliviam e temperam em “A Feira”.

Em 1997, o fumo rolou solto nas AMs, FMs e elevadores do país. O abastecimento era suprido por veteranos, como Rita Lee em “Obrigado Não” (“Por que uísque sim, por que cannabis não?”); reincidentes, como os Raimundos em “O Toco” (“Fico na minha, puxo a seda, a véia vem com o recheio de qualidade/ Planta do Maranhão, uma majestade/ Fiz um toco grande e frouxo/ Pra ficar com o olho roxo/ Queimar meu dedo no fim”); e neomaconheiros, como Gabriel o Pensador em “Cachimbo da Paz” (“Apaga a fumaça do revólver, da pistola/ Manda a fumaça do cachimbo pra cachola/ Acende, puxa, prende, passa/ Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça”). Completando a roda, um trio da periferia de São Paulo, mais malandro do que todo esse pessoal junto, empacotou a ode mais popular à marijuana do pop nacional.

Como o Planet Hemp, os Virgulóides invadiram as paradas de sucesso falando de maconha. As semelhanças paravam por aí. Com um sorriso em vez de carão, samba turbinado por guitarras pesadas em vez de rap e conversa mole em vez de panfletagem, os três maloqueiros de Cidade Dutra nunca foram considerados perigo para a sociedade. Puxado pelo hit “Bagulho no Bumba” (“Nessa bumba eu não ando mais/ Acharam um bagulho no banco de trás/ (…) É, é, é, eu acho que o bagulho é de quem tá de pé”), seu primeiro disco vendeu 180 mil unidades. Os CDs Só pra Quem Tem Dinheiro? (1998) e As Aventuras dos Virgulóides (2000) não repetiram a proeza, subestimados pelos purismos de sambistas e roqueiros. A erva, porém, continuava firme e forte: somente no último disco, sete (de um total de 11) músicas abordam a maldita.

Numa boa

D2 deixou a prisão satisfeito com a exposição gerada pelo episódio. Nem no lançamento dos discos a banda aparecera tanto na mídia. Até a gringa CNN o entrevistou. As sementes da hemp family (conglomerado de artistas cariocas prensado pela maldita) germinavam rapidamente, regadas pelas grandes gravadoras. O Rappa ampliava a moral e o Funk Fuckers, do parceiro BNegão, esculachava com Bailão Classe A. Em 1998, os cariocas do Squaws acrescentaram elementos eletrônicos à panela em O Jogo Vai Virar. D2 aproveitou a entressafra do Planet Hemp – a banda decidira não fazer mais shows – para investir em sua carreira-solo. Gravou Eu Tiro É Onda, no qual se preocupou menos com a militância do que em estabelecer pontes com a música brasileira de raiz.

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A banda voltou à carga em 2000 com A Invasão do Sagaz Homem Fumaça, recheado de alusões à ocorrência em Brasília (“12 com Dezoito”, “Ex-quadrilha da Fumaça”). “Contexto” exalava ironia, valendo-se de um sample de Marcos Valle para responder que a acusação de apologia às drogas “é mentira, tchu-tchu”. No retorno aos palcos, a intimidação policial de costume não assustava mais – a ponto de o grupo sentir-se à vontade para fazer um MTV ao Vivo no ano seguinte. D2 seguiu sua evolução natural, aprimorando as conexões com o samba em À Procura da Batida Perfeita (2003).

BNegão refez o caminho para a independência com o bem-humorado Enxugando Gelo. Também sem uma grande marca a bancá-lo, em 2004 Black Alien estreou solo com o ragga de Babylon by Gus. Mesmo vivendo uma fase pacífica, D2 não se emendou. Doses a mais coloriram seu Acústico MTV de uma espontaneidade insuspeita. Ele estava podendo. Afinal, até a grã-fina loja Daslu abrira as portas para seu show. Tiração de onda maior do que essa, só indo domingo no Faustão, terça-feira na Hebe.

1997

JANEIRO

• O ator Guilherme de Pádua é condenado a 19 anos de prisão pelo assassinato da atriz Daniela Perez.

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FEVEREIRO

• Chico Science morre em desastre de automóvel.

• Morre o jornalista e escritor Paulo Francis.

• Nasce o primeiro filho de Michael Jackson. A mãe é uma enfermeira.

• Morre o antropólogo Darcy Ribeiro.

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• Na Inglaterra, cientistas divulgam a criação do clone Dolly a partir de células tiradas das mamas de uma ovelha.

ABRIL

• Morre o poeta Allen Ginsberg.

• Em Brasília, cinco jovens ateiam fogo no índio Galdino dos Santos.

MAIO

• Tony Blair é escolhido como novo primeiro-ministro inglês.

• O computador Deep Blue vence o campeão de xadrez Kasparov pela primeira vez na história.

JUNHO

• Gustavo Kuerten, o Guga, é campeão de Roland Garros, fato inédito entre os tenistas brasileiros.

• Mike Tyson morde a orelha de Evander Holyfield durante luta.

JULHO

• Estilista Gianni Versace é assassinado em Miami.

AGOSTO

• O furacão El Niño começa destruição no mundo.

• Morre o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.

• Diana Spencer, a Lady Di, morre em acidente de automóvel em Paris, durante uma perseguição de paparazzi.

SETEMBRO

• Morre Madre Teresa de Calcutá.

NOVEMBRO

• Músicos do Planet Hemp são presos, acusados de fazer apologia à maconha.

• Pesquisadores revelam que 16 mil pessoas são contaminadas pelo vírus da aids diariamente.

DEZEMBRO

• Estréia nos EUA Titanic, o filme de maior bilheteria da história.

• O Skank contabiliza, ao longo do ano, 1 milhão de cópias vendidas de seu disco Calango e mais 1 milhão de O Samba Poconé.

O produtor: Mario Caldato Jr.

Se os Beastie Boys gravaram uma bossinha sem-vergonha em Hello Nasty, a culpa é de Mario Caldato Jr. Ele se tornou chapa dos rappers, assim como do Beck, que, hum, gravou “Tropicalia” em Mutations (1998), e do Cibo Matto, aquele grupo de japonesinhas que se amarram em música brasileira. O produtor brasileiro é um dos nomes por trás do culto de MPB, bossa nova e samba rock praticado por artistas cool mundo afora. Seus vinis fizeram a cabeça de diversos nomes do pop que confiaram em seu trabalho atrás da mesa do estúdio – ele também produziu Tone Loc, John Lee Hooker, Molotov, Avalanches.

Nascido em São Paulo, em fevereiro de 1961, Mario C., como é chamado numa música dos Beastie Boys, mudou-se com a família para Los Angeles aos 2 anos de idade. Contudo, ele não perdeu contato com o Brasil e, principalmente, com sua música. Ele já dividiu o estúdio com brasileiros globais, como Bebel Gilberto e Max Cavalera, dos quais remixou as faixas “Summer Samba” e “Umbabarauma”, respectivamente. Mas foi mesmo o trabalho com o trio de hip hop que o tornou conhecido dos artistas nacionais, que partiram em busca de seus timbres e suas texturas. Chico Science, Mundo Livre S/A, Seu Jorge, Fernanda Abreu, Planet Hemp e Marcelo D2, em sua odisséia-solo, também elegeram Caldato.

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