Quem foi Yukio Mishima, escritor que tentou dar um golpe de Estado no Japão
O autor mais famoso do Japão borrava a linha entre ficção e realidade, escrevendo romances autobiográficos e executando um suicídio ritualístico planejado.
No dia 25 de novembro de 1970, cinco membros da milícia de extrema direita Tatenokai (a Sociedade do Escudo, em português) fizeram o comandante do quartel-general das Forças de Autodefesa do Japão de refém.
Esse grupo de nacionalistas queria devolver o imperador a sua condição pré-Segunda Guerra, sem a nova constituição e apoio dos Estados Unidos, e com contornos divinos e religiosos. Mesmo assim, os Tatenokai e seu líder não eram respeitados por outros nacionalistas. O grupo chegou a afirmar que o imperador do Japão, Hirohito, deveria ter abdicado por causa das mortes japonesas na guerra.
A invasão e o refém eram um pretexto para uma tentativa de golpe de Estado, planejado há meses. O líder da milícia privada realizou um discurso sobre a queda do Japão e a necessidade de renovar o país.
Ao perceber que os dois mil soldados presentes não prestavam atenção nas suas palavras – e não se empolgavam com a ideia de retornar a uma suposta era de ouro do Japão –, o líder dos Tatenokai cometeu um suicídio ritual, o seppuku. Ele atingiu a própria barriga com uma espada curta e depois foi decapitado por um homem de confiança.
O homem que se matou após ser vaiado por dois mil soldados era o escritor mais famoso do Japão, Yukio Mishima. Ele tinha 45 anos. Sua obra – e seu suicídio – continuam a instigar leitores do mundo todo. Conheça mais sobre o autor, que é considerado um dos maiores escritores do século 20.
Quem foi Yukio Mishima
Yukio Mishima nasceu Kimitake Hiraoka, em 1925. Ele passou a maior parte da infância com a avó paterna, isolado do convívio de outras crianças pela superproteção da avó. Já na adolescência, ele começou a escrever e adotou seu pseudônimo para esconder os trabalhos literários do pai, que não gostava da ideia de ter um filho escritor.
Ele não foi para a Segunda Guerra Mundial por causa de problemas de saúde. Isso virou um motivo de remorso no futuro, e foi uma das motivações para Mishima virar fisiculturista e ficar tão fissurado pela cultura militar. Ele também tinha uma fixação em ideias de beleza e juventude, chegando a dizer que “os belos deveriam morrer cedo, e todos os outros deveriam viver o máximo possível”.
Em 1946, aos 21 anos, ele publicou seu primeiro romance. A obra literária de Mishima pega detalhes e histórias emprestadas de sua própria vida. Vários livros têm traços autobiográficos, borrando a linha entre fato e ficção.
Isso pode ser visto em Confissões de Uma Máscara, um de seus romances mais famosos, publicado quando ele tinha 24 anos. O livro conta a história de um adolescente homossexual que esconde sua natureza atrás de uma máscara para não ter que lidar com os preconceitos tradicionais da sociedade.
Se Mishima era mesmo homossexual, ninguém sabe. Mas o tema é recorrente na sua obra: em Cores Proibidas, ele conta a história de um homem gay que se casa com uma jovem mulher. Apesar de seu conservadorismo, a homossexualidade é sempre tratada de forma complexa, sem cair em estereótipos fáceis.
O conservadorismo de Mishima se baseava mais na perda da identidade nacional japonesa, à medida que o país se aproximava e assimilava a cultura ocidental. Ele era um crítico do materialismo e do racionalismo, que representariam um abandono da tradição espiritual do Japão. Ele rejeitava a modernização do país, que levava as pessoas a só se preocupar com dinheiro.
Mishima alcançou sucesso crítico e popular nas duas décadas em que atuou intensamente na literatura. Ele foi cotado para o prêmio Nobel cinco vezes, atuou como ator e modelo e escreveu poemas e peças.
No fim de sua vida, ele escreveu a tetralogia O Mar da Fertilidade. Os livros acompanham o personagem Shigekuni Honda desde 1912, quando era um estudante de direito (a mesma faculdade que Mishima cursou), até 1975, quando se torna um juiz aposentado. O último volume foi finalizado e enviado para seu editor na manhã de seu suicídio, com tudo planejado.
Para conhecer Mishima
As obras de Mishima são publicadas no Brasil pelas editoras Estação Liberdade e Companhia das Letras. Um de seus livros de contos mais famosos, Morte em Pleno Verão, acabou de ser lançado numa tradução inédita do japonês direto para o português.
Literatura e vida se confundem no caso de Mishima, das obras autobiográficas ao suicídio planejado nos mínimos detalhes – meio protesto político e meio performance artística. Quem entendeu isso muito bem foi o diretor americano Paul Schrader, que lançou o filme Mishima: Uma Vida em Quatro Capítulos, em 1985.
Schrader foi o roteirista de filmes como Taxi Driver e Touro Indomável. Com a ajudinha dos amigos ricaços e famosos Francis Ford Coppola e George Lucas, que atuaram como produtores executivos, ele conseguiu dirigir um filme ambicioso, uma produção dos EUA inteiramente em japonês, apesar do sentimento antiamericano de Mishima.
O filme mistura a biografia do autor com encenações de três de suas obras – O Pavilhão Dourado, Cavalo Selvagem e A Casa de Kyoko –, mostrando a complexa relação de Mishima, andando na linha tênue entre vida e performance.
Mishima: Uma Vida em Quatro Capítulos arrecadou cerca de US$ 500 mil na bilheteria, 10% do que custou. Hoje, é considerado um clássico cult e um dos melhores filmes da sua década, uma obra à altura do escritor que a inspirou.