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Um breve história de “Space Jam”

O clássico dos anos 1990 nasceu de um comercial de tênis, marcou a volta definitiva dos Looney Tunes e, de certa forma, o retorno de Michael Jordan ao basquete. Aqui, os bastidores de sua criação.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 18 jul 2021, 11h35 - Publicado em 17 jul 2021, 21h25

No comecinho dos anos 2000, só havia dois jeitos de assistir à Space Jam, lançado quatro anos antes nos cinemas: ir à locadora e pegar uma fita VHS (ou um DVD, no caso dos mais moderninhos) ou esperar até que algum canal de TV exibisse o filme. Cringe, eu sei.

Talvez o modo como entrei em contato com o filme seja ainda mais cringe – mas vou contar mesmo assim. Foi graças a uma sessão da Tela de Sucessos, do SBT. Gravada em uma fita cassete, claro: ficar acordado até 11 da noite era um sonho inalcançável no alto dos meus quatro anos de idade.

Assisti tanto àquela fita que decorei até os comerciais (a maioria deles fazia alusão ao Dia dos Pais, como o das Casas Bahia, que anunciava ofertas de furadeiras e kits de ferramentas – eram os anos 2000). Para mim, Michael Jordan e Pernalonga (além do Patolino) eram simplesmente as maiores estrelas da Terra.

Na última semana, chegou aos cinemas Space Jam: Um Novo Legado, a sequência do clássico dos anos 1990 prometida há anos . Mas com uma substituição: sai Michael Jordan, entra LeBron James, astro do Los Angeles Lakers e vencedor de quatro campeonatos da NBA, a liga de basquete dos EUA.

O novo filme, claro, só foi possível graças ao sucesso do primeiro, que fez US$ 380 milhões de bilheteria (em valores atuais, e sem contar a grana arrecadada com merchandising dos Looney Tunes). Mas não foi todo mundo que acreditou que colocar um atleta para interagir com desenhos animados poderia dar em alguma coisa.

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Quando Space Jam começou a ser desenvolvido, filmes que mesclavam live action com animação eram extremamente complexos de se fazer. Além disso, o Pernalonga era considerado um personagem datado – e Jordan sequer estava jogando basquete. A verdade é que o filme só aconteceu graças a uma propaganda bem-sucedida da Nike. Hora de entender essa história.

A semente

A série de desenhos Looney Tunes foi criada pela Warner Bros em 1930, como uma forma de competir com as Silly Simphonies, lançadas em 1929 pela Disney. Os nomes deixam clara a inspiração: silly simphonies, em inglês, quer dizer “sinfonias bobas”; looney tunes, algo como “músicas lunáticas”. Isso porque, na época, as trilhas sonoras, compostas por orquestras, eram a principal atração – e os curtas animados as acompanhavam.

Em 1931, a Warner criou uma série paralela, Merrie Melodies (“melodias alegres”). E foram nesses desenhos, exibidos em sessões de cinema (lembre-se: ainda não havia televisão), que, pouco a pouco, Pernalonga, Patolino, Gaguinho e cia. nasceram.

Os Looney Tunes fizeram grande sucesso nas décadas seguintes, mas perderam fôlego nos anos 1960. A TV estava se popularizando, mas a Warner não soube se adaptar tão bem à nova mídia quanto a Hanna-Barbera, que, com Os Flinstones, colocou os seus desenhos animados no horário nobre.

Sem conseguir lucrar tanto quanto antes, a Warner encerrou Looney TunesMerrie Melodies em 1969. Os personagens seguiram aparecendo em reprises e em alguns especiais para TV, cuja produção não era constante. No final dos anos 1980, Pernalonga estava longe de possuir o mesmo apelo que conquistara no passado.

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Nos anos 1990, Steven Spielberg atualizou os Looney Tunes com Tiny Toons, um desenho estrelado por versões jovens dos personagens clássicos (Perninha, Lilica, Presuntinho, entre outros), mas com o mesmo espírito das animações originais. Deu certo, e o sucesso deu origem à uma nova leva se séries, como AnimaniacsPinky e o Cérebro.

A inspiração de Spielberg para o projeto veio do filme Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988), feito por sua produtora, a Amblin Entertainment, e dirigido por Robert Zemeckis (De Volta Para o Futuro). Misturando animação com atores em carne e osso, o longa promoveu o histórico encontro de vários personagens, como Mickey e Pernalonga. Conquistou o público (e três Oscars) – e mostrou à Warner que os desenhos clássicos ainda tinham apelo.

Foto de Michael Jordan filmando Space Jam ao lado de pessoas usando roupas verdes.
Jordan durante as gravações em tela verde. A pós-produção contou com 150 artistas para desenhar os outros personagens. (Reprodução/Divulgação)

Ainda assim, o estúdio custava a atualizar o personagem. Isso só aconteceu em 1992, após a insistência de executivos da Nike, que queriam usá-lo em uma propaganda ao lado de Michael Jordan.

Hoje, é praticamente consenso que Jordan foi o maior jogador de basquete de todos os tempos. Atuando no Chicago Bulls, ele conquistou seis títulos da NBA em um intervalo de sete anos. Era uma máquina: até hoje, possui a maior média de pontos por jogo.

Mas não foi “só” isso. Quem assistiu a The Last Dance, série documental da Netflix sobre a era Jordan nos Bulls, sabe que, nos anos 1990, o GOAT era onipresente. Com a expansão da TV a cabo, os canais esportivos 24h aumentaram drasticamente a exposição dos jogadores. E ninguém aparecia mais do que ele: nos jogos, nos jornais, nos comerciais… Michael foi o primeiro atleta a se transformar em uma marca, com alcance mundial e cifras bilionárias.

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O primeiro grande contrato de Michael foi, justamente, com a Nike, assinado logo quando ele começou no basquete profissional, em 1984 – e que continua até hoje. Só para você ter uma ideia, os modelos de tênis da linha do craque, a Air Jordan, renderam US$ 3,1 bilhões para a empresa em 2019.

De volta a 1992, o publicitário Jim Riswold contatou Joe Pytka, diretor com uma sólida carreira em videoclipes e comerciais, para comandar a propaganda de Jordan e Pernalonga. A história era simples: em uma quadra de basquete, o coelho topa com um grupo de valentões e decide pedir ajuda. Michael aparece e a dupla os derrota:

O comercial foi exibido durante o horário mais nobre da TV: o intervalo do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano. O sucesso foi tão grande que, em 1993, a Nike repetiu a dose em uma nova campanha com Jordan, Pernalonga e outros Looney Tunes. O agente do craque, David Falk, viu potencial ali, e levou a ideia para a Warner Bros. transformar em filme.

O projeto, no entanto, não engatou imediatamente. Em meados de 1993, Michael e sua família sofreram um duro baque: o desaparecimento e a morte do seu pai, James, após uma tentativa de assalto. Foi o estopim para que Jordan tomasse uma decisão que já matutava há algum tempo: aposentar-se do basquete.

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As gravações

Durante o tempo que passou afastado da NBA, Michael se dedicou a outra paixão – o beisebol. Ele entrou para o Birmingham Barons, um time da terceira divisão americana. Com Jordan, os jogos se encheram de torcedores curiosos, ainda que o desempenho do craque fosse bem aquém em comparação ao que ele fazia com a bola laranja.

Pois é. O enredo de Space Jam é, basicamente, um documentário do que estava acontecendo na vida de Jordan naquele período. Tirando a parte dos Looney Tunes, claro.

Em março de 1995, Jordan decidiu voltar para a NBA. Àquela altura, a Warner já estava dando forma ao filme. O projeto foi liderado pelo produtor-executivo Ivan Reitman, o diretor dos dois Os Caça-Fantasmas. A poucos meses do início das filmagens, ele chamou Pytka para dirigir.

“Eu achava a ideia de Space Jam boba. Não sabia como aquilo poderia virar um filme”, confessou Pytka à revista Entertainment Weekly em 2016no aniversário de 20 anos do longa. Mesmo assim, ele topou – e quase levou o amigo Spike Lee junto.

Lee é um fã de basquete fervoroso – quem assistir a um jogo do seu time do coração, o New York Knicks, provavelmente o encontrará nas cadeiras à beira da quadra. De acordo com Pytka, o cineasta o procurou para dar uma olhada (e polida) no roteiro. Mas a ajudinha nunca se concretizou: a Warner barrou a parceria, já que o estúdio havia se desentendido com Lee alguns anos antes, durante a produção de Malcolm X.

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As filmagens começaram em julho, antes da temporada da NBA daquele ano começar. Como Jordan se preparava para voltar ao basquete, a Warner construiu um complexo esportivo para que ele continuasse treinando. O “Jordan Dome”, como o espaço ficou conhecido, tinha quadra, academia, vestiário, uma sala de estar e ar-condicionado.

Foto de Michael Jordan treinando no Jordan Dome.
Jordan treinando no complexo esportivo construído ao lado do set de filmagem. (Reprodução/Divulgação)

O horário das gravações era das 7h às 19h, com duas horas de intervalo – tempo que Jordan usava para treinar. À noite, ele organizava partidas com membros da produção e outros atletas que participaram do filme. Com o tempo, os amistosos se transformaram numa espécie de pré-temporada informal, e várias estrelas da NBA, como Magic Johnson e Dennis Rodman, apareceram no estúdio para jogar.

Mais da metade dos 60 dias de filmagens foram feitos em um imenso cenário de tela verde. Jordan interagia com marcações gráficas nas paredes e com atores cômicos vestidos em trajes verdes. Tudo isso, depois, foi substituído pelos cartoons. Ao todo, 150 animadores trabalharam no filme.

O cenário 100% chroma key era uma tecnologia relativamente recente em Hollywood – e isso chamou a atenção de Bill Murray, que, inicialmente, faria apenas uma participação especial na cena do campo de golfe. “Quando ele descobriu como estávamos gravando as partes animadas, escrevemos algumas cenas extras para que ele aparecesse também no final do filme”, lembrou Pytka.

Foto de Michael Jordan ao lado de outros atletas da NBA.
Michael e outros atletas da NBA no último dia de jogo no “Jordan Dome”. (IMDb/Divulgação)

Tentativas de sequência

Space Jam estreou em primeiro lugar nas bilheterias americanas, arrecadou uma bolada e apresentou os Looney Tunes clássicos a uma nova geração. Não seria nenhuma surpresa se uma continuação saísse depois.

Não faltaram tentativas. A Warner tentou planejar um Space Jam 2, mas Jordan não se interessou em fazer uma sequência. Depois, o estúdio considerou atores como Jackie Chan e até atletas de outros esportes, como o golfista Tiger Woods e o piloto Jeff Gordon – mas nada foi para frente.

O projeto mais concreto foi o Skate Jam, elaborado em 2003 e que seria protagonizado por Tony Hawk. Na época, o skatista (famoso não só pelo esporte, mas também pelos jogos de videogame que levam o seu nome) recebeu ligações da Warner, analisou artes conceituais e até uma proposta de cachê (US$ 1 milhão).

Hawk se mostrou bastante animado com o projeto, que tinha tudo para acontecer. Mas não aconteceu. Naquele mesmo ano, a Warner lançou Looney Tunes – De Volta à Ação, estrelado por Brendan Fraser e Steve Martin, além de Pernalonga a cia.. Só que o filme foi um fracasso de crítica e público, dando ao estúdio um preju de US$ 12 milhões. Diante da má recepção, Skate Jam (e qualquer outro projeto de longa com os personagens animados) foi engavetado.

Um Novo Legado

Os rumores de uma sequência estrelada por LeBron James são antigos. O primeiro contato da Warner com o atleta aconteceu ainda em 2005, quando ele jogava pelo Cleveland Cavaliers. Em entrevistas, James disse que não se sentia pronto para o papel.

Nos anos seguintes, LeBron fez pontas aqui e ali no cinema na TV – e não deixou de atiçar os fãs com declarações sobre um possível Space Jam. O anúncio oficial aconteceu em 2016 e, dois anos depois, outro nome de peso se juntou ao projeto: Ryan Coogler, diretor de CreedPantera Negra, se tornou um dos produtores do novo filme.

Àquela altura, quem comandaria Space Jam 2 seria Justin Lin, diretor de vários Velozes e Furiosos. Mas quem começou as filmagens foi outro cineasta, Terrence Nance – que, por sua vez, foi substituído por Malcolm D. Lee. Malcolm, veja só, é primo de Spike, que fora deixado de fora no primeiro filme.

Um Novo Legado recebeu uma série de atualizações para o século 21. Na história, o filho de James, Dom (Cedric Joe), é raptado por uma inteligência artificial (Don Cheadle) e vai parar em um universo cibernético. E á ali, em meio a centenas de personagens da Warner (e easter eggs), que o jogador tentará salvá-lo – em uma partida de basquete, claro.

Além disso, a coelha Lola Bunny (que, inclusive, estreou no universo dos Tunes no primeiro Space Jam) foi redesenhada para um visual menos sexualizado. Já o gambá Pepe Le Pew foi cortado. Motivo: segundo a Warner, o antigo comportamento desse personagem naturalizava a cultura do assédio (ele vivia perseguindo a gata Penélope). Um Novo Legado chegou a ter uma cena gravada com Pepe e a atriz brasileira Greice Santo, mas o trecho acabou cortado. Você pode entender melhor o caso neste texto.

Mas certas coisas continuaram iguais. Parte do orçamento de US$ 160 milhões do novo filme foi usado na construção de uma quadra nos estúdios da Warner para LeBron, nos moldes do Jordan Dome. Pernalonga continua brilhando – e Patolino pagando o pato.

Haverá um terceiro Space Jam? Se sim, quem assumiria o lugar de Jordan e James? E que tal voltar atrás com a versão do Tony Hawk? Bom, só o tempo dirá. Enquanto nada disso acontece, sigo no aguardo de, um dia, entrevistar a maior estrela do Tune Squad. Me aguarde, Patolino.

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