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Yes, nós temos metal

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Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 out 2004, 22h00

Texto Luiz Cesar Pimentel

De todos os movimentos roqueiros do Brasil, o heavy metal sempre foi o que amealhou os fãs mais devotados. Liderada pelo Sepultura, a caravana metálica queria provar que brasileiro também poderia bater cabeça pelo mundo. E não é que conseguiu?

No final dos anos 80, uma banda brasileira de rock subir ao palco do Marquee, em Londres, era um delírio equivalente a imaginar um timeco de várzea jogando em pleno maracanã.

Mesmo que fosse uma partida preliminar – como era o caso do Sepultura, em 1989, em sua primeira turnê internacional, quando aparecia nos cartazes como banda de apoio dos alemães do Sodom.

Todo pimpões pelo feito, os mineiros resolveram dar uma conferida na fila para a compra de ingresso que se formava na porta do local. O queixo dos quatro foi ao chão quando notaram que a presença de camisetas com o logotipo de sua banda era muito maior do que a dos donos da festa. Ali, perceberam que tinham atingido um novo status no universo negro do gênero. A banda, formada fazia seis anos em Belo Horizonte, seria, a partir daquela tarde, um gigante do metal.

“A fila no lado de fora era praticamente toda para ver o Sepultura”, confirma o guitarrista Andreas Kisser. “Ninguém ligava muito para o Sodom.” A turnê divulgava Beneath the Remains (1989) – quarto disco da banda depois do split de estréia Bestial Devastation (1985), gravado com os também mineiros do Overdose, Morbid Visions (1986) e Schizophrenia (1988). O novo LP, entretanto, vinha sendo comparado pela imprensa internacional aos melhores momentos de bandas veneradas como Kill’em All, do Metallica, e Reign in Blood, do Slayer, tidos como divisores de águas no mundo metálico.

“Percebemos que estávamos fazendo algo de importante quando começamos a ser comparados com esses caras”, lembra Kisser. “Essa turnê mostrou a força do Sepultura fora do Brasil. O primeiro show foi na Áustria, com o Sodom. Depois, tocaríamos em mais de dez países.” Era o primeiro tentáculo internacional de um movimento que corroía a estrutura do underground brasileiro desde o começo da década.

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A primeira manifestação concreta de que existia um movimento digno de nota no Brasil foi a publicação do primeiro número do então fanzine Rock Brigade, em fevereiro de 1982, pouco depois de o país ter estreado na rota dos shows internacionais de nomes próximos ao gênero, como a visita do Queen, no ano anterior. A enorne procura pelo fanzine xerocado provou que havia headbangers sedentos por produtos direcionados, forjados em aço. No ano seguinte, o Van Halen desembarcou no país e, em junho, o Kiss lotou o Morumbi, em São Paulo, mostrando que existia uma guerrilha em formação apesar da vista grossa dos meios de comunicação.

Em tempos não agraciados por recursos como a internet, as informações podiam demorar a chegar, mas chegavam. E o som pesado estimulava o bater cabeça ritmado. Em agosto de 1982, em Belém, “distante” capital paraense, o grupo Stress lançava seu primeiro disco, homônimo. Pouco depois, Dorsal Atlântica e Metalmorphose dividiam um LP na estréia de bandas cariocas no gênero. E, em São Paulo, a banda Karisma lançava pela guerreira Baratos Afins o álbum de estréia, Revenge. Sim, formava-se uma cena de heavy metal no país.

Romantismo

Centúrias, Santuário, Azul Limão, Harppia, Abutre, Vírus, Cérbero, Nostradamus e Mammooth chegavam para reforçar o time. Em 1984, as bandas paulistanas ganharam um canal maior de exposição, novamente via Baratos Afins, com a coletânea SP Metal. Nesta, quatro bandas – Salário Mínimo, Centurias, Vírus e Cérbero –, com duas músicas cada uma, tiveram a chance de mostrar serviço. Analisado hoje, o resultado sonoro é tosco. Mas o que interessava era o registro em vinil, o que nos colocava lado a lado com nossos pares estrangeiros.

A base do cenário era a cartilha lançada no começo da década pela chamada “new wave of British heavy metal”, movimento em que despontaram Iron Maiden, Judas Priest, Saxon e Def Leppard. A influência chegava a ser gritante: tínhamos nosso Iron Maiden (Viper), nosso Manowar (Santuário), nosso Judas Priest (Salário Mínimo)… Jack Santiago, o endiabrado vocalista do Harppia, hoje com 40 anos no lombo, recorda a aventura pioneira: “Queríamos imitar o Judas, o Iron. Cinturões com tachinhas, luvas, cintos. Mas aí a luva suava muito e eu tinha de tirar. O jaco de couro, a mesma coisa. Era difícil ser headbanger num país tropical”.

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O percalço do metal brasileiro ia além dos fenômenos climáticos. “Praticamente não havia estúdios em São Paulo”, lembra Felipe Machado, do Viper. “Quer dizer, eram muito caros e só bandas pop usavam”, corrige. “Também não havia gente especializada em gravar aquele som pesado. Os caras ligavam a guitarra direto na mesa de som. Fomos os primeiros a fazer sucesso com um som mais trabalhado e vocal caprichado. Nosso primeiro disco (Soldiers of Sunrise, 1987) já tinha certa preocupação com a qualidade e saiu depois na Europa e no Japão. Mesmo assim, ouvindo hoje, o som é meia-boca.”

Se não havia estúdios nem produção própria decente, locais para shows como o Lira Paulistana e o Espaço Mambembe ofereciam condições razoáveis para as bandas tocarem. E existia a Woodstock, loja que virou o núcleo brasileiro do metal. Os belo-horizontinos do Sepultura faziam excursões mensais à loja, localizada no centro de São Paulo e que opera até hoje, para adquirir as novidades do gênero. E por novidades não entenda apenas os lançamentos em disco. Na época, valia qualquer coisa – existia um comércio operante de fitas piratas na porta da loja – e vendia-se de tudo: recortes de revistas importadas, fotos e vídeos.

A própria Woodstock promovia sessões de vídeos piratas. Assim, a loja se transformava em “cinema” nas tardes de sábado com a apresentação de fitas de bandas como Venom, Slayer, Metallica e Exciter. A qualidade do material (geralmente gravações feitas por alguém da platéia, resultando em imagens tremidas) não importava. Mas o filé da loja era a muamba que o dono, Walcyr Chalas, “importava” de suas peregrinações a Londres, discos, vídeos, patches (retalhos estampados com imagens, que os fãs costuravam nas jaquetas ou nas calças) e os famosos “buttons”.

“Existia um certo romantismo”, ressalta Felipe Machado. “Como não havia esperança de fazer sucesso, as bandas tocavam porque gostavam mesmo. Era mais difícil encontrar discos de bandas underground – tudo era importado ou pirata. E instrumentos como Fender e Gibson eram muito caros, então a gente comprava Giannini e trocava os captadores”, ressalta Machado. O heavy metal brasileiro era uma máquina alimentada por poucas pessoas, mas fiéis até o último fio de cabelo comprido. Isso até Roberto Medina inventar o Rock in Rio e a Rede Globo popularizar o termo “metaleiro”.

Chifrinho

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Chamar um headbanger de “metaleiro” era grave ofensa! Segundo a doutrina from hell, metaleiros eram os novos convertidos, pós-Rock in Rio, que entraram na onda depois de Whitesnake, Scorpions, AC/DC, Ozzy Osbourne e Iron Maiden tocarem na Cidade do Rock. Os verdadeiros discípulos do Deus Metal eram os que empurravam a roda do gênero antes disso, quando qualquer pessoa de bem trocava de calçada ao deparar com um cabeludo, de roupa preta, calça apertada e tênis branco de cano alto andando despreocupado pela rua.

Foram necessários a aprovação mundial a partir de 1989 e o retorno com o passaporte amplamente carimbado para que o metal fosse valorizado no país. “(Essa valorização) só aconteceu quando o Sepultura saiu na frente do Stone Roses na parada do (jornal) Melody Maker. Depois, quando tocamos no Rock in Rio II (em 1991), a imprensa brasileira começou a prestar atenção”, confirma Kisser.

Hoje é fácil ser do metal. Até Caetano Veloso pode fazer o supremo sinal do “chifrinho” (indicador e mindinho em riste) que pega bem. Algo péssimo segundo a concepção dos desbravadores, que não aceitavam o que consideravam “modistas”, o metal passou a virar uma indústria de fato. A Rock Brigade se transformou em revista de circulação mensal (e hoje comporta até uma edição em espanhol), e as bandas começaram a desembarcar por aqui. Os primeiros tinham sido Exciter e Venom, seguidos pelo Quiet Riot, no final de 1986. Quando o Metallica chegou, em 1989, foi para tocar num espaço como o Ginásio do Ibirapuera (SP). Ah, se Ronnie James Dio tivesse patenteado o gesto do chifrinho quando as vacas eram magras…

“Os anos 80 foram bem mais férteis e criativos, e isso não é só papo de nostalgia para headbanger dormir”, defende Felipe Machado. “Acho que tem relação com o deslocamento da cena da Inglaterra para a Alemanha. Os ingleses eram mais talentosos: Iron Maiden, Saxon, Def Leppard, Judas Priest. Depois vieram os alemães, como o Helloween, e todos começaram a fazer um som repetitivo e exagerado, com aqueles vocais agudos. Quanto ao thrash metal, também acho que perdeu em criatividade. Metallica, Exodus, Slayer e Anthrax eram bem mais legais que esse nu-metal, cuja música só é pesada graças a afinações mais baixas e vocais horríveis”, opina. “Nos anos 90 a coisa ficou um pouco plástica demais”, endossa Kisser.

E pega bem ser do metal hoje em dia, Andreas Kisser? “Não. O estilo ainda sofre muito preconceito e sobrevive da paixão dos fãs e das bandas de garagem, que sempre despontam com energia nova. Ainda temos um caminho longo a percorrer para o metal ser realmente aceito e compreendido por todos.” Amém.

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1989

Janeiro

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• Depois do insucesso do Plano Cruzado, Sarney anuncia o Plano Verão, congelando mais uma vez preços e salários.

• Morre o pintor Salvador Dalí.

Fevereiro

• Morre Lael Rodrigues, diretor dos filmes Bete Balanço, Rock Estrela e Rádio Pirata.

• O aiatolá Khomeini condena à morte Salman Rushdie, autor do livro Versos Satânicos.

• Roberto Carlos recebe o Grammy de melhor cantor pop latino.

• Keith Richards anuncia a volta dos Rolling Stones, depois de fortes rumores sobre o fim do grupo.

Março

• O grupo Time Inc. funde-se à Warner Communications, formando a Time-Warner, o maior conglomerado de jornalismo e entretenimento dos Estados Unidos.

• O Stone Roses lança seu primeiro álbum. A banda seria fundamental ao aliar rock de guitarras a batidas eltetrônicas.

• Madonna provoca nova polêmica com o videoclipe de “Like a Prayer”, proibido em vários países e vetado por algumas emissoras de TV brasileira, por pressão da Igreja.

• O petroleiro Exxon Valdez, depois de uma colisão, derrama na Baía do Alasca 40 mil metros cúbicos de petróleo.

Abril

• A revista Veja coloca na capa uma foto de Cazuza com a polêmica e controversa chamada: “Uma vítima da aids agoniza em praça pública”.

Junho

• Morre a cantora Nara Leão, aos 47 anos.

• O Exército Chinês reprime protestos estudantis na Praça da Paz.

• O Who abre sua turnê comemorativa de 25 anos de carreira com uma apresentação da ópera-rock Tommy em Nova York.

Agosto

• Morre Raul Seixas, vítima de parada cardíaca, aos 44 anos.

Novembro

• É autorizada a circulação entre as duas Alemanhas e o muro de Berlim, símbolo do comunismo, é derrubado.

• Fernando Collor vence as eleições para presidente do Brasil.

Tesouros perdidos do heavy metal brasileiro

Vários

SP Metal (Baratos Afins, 1984)

Você não sabe se ao fundo estão guitarras ou um enxame de abelhas. Mas quem se importa com detalhes? Essa coletânea é um verdadeiro marco do metal nacional.

Robertinho de Recife

Metal Mania (RCA, 1984)

Antes dos metaleiros assombrarem o Rock in Rio, foi dado o alerta: o guitarrista trouxe o virtuosismo, a estripulia e o penteado poodle do metal americano para o Brasil. Coisa fina.

Platina

Platina (Baratos Afins, 1985)

Formado pelos irmãos Andria e Ivan Busic (futuros Dr. Sin), o Platina seguia linha metal “trampado”. O visual, de calças colantes e bandanas, também ajudava bastante.

Centurias

Ninja (Baratos Afins, 1988)

Relançado em CD, este disco saciou os metaleiros numa época de shows internacionais escassos e discos importados caros. Inclui “To Hell”, que ironiza os satanistas de plantão.

Sarcófago

I.N.R.I. (Cogumelo, 1986)

Com um líder que atendia pelo blasfemo nome Wagner Antichrist, dá para imaginar o som do grupo: black metal. “Rivais” do Sepultura (antiga banda de Wagner), lançaram pelo mesmo selo esse que é considerado umas das obras maiores do estilo.

Golpe de Estado

Forçando a Barra (Baratos Afins, 1989)

Quando o vocalista Catalau ainda cantava a vida louca, o grupo compôs clássicos do hard rock brasileiro como “Noite de Balada” e “Onde Há Fumaça, Há Fogo”.

O personagem: Carlos Vândalo

Cabeludos se ajoelhavam à sua frente. Pimpolhos foram batizados com seu nome. Tributos foram lançados em sua homenagem. Carlos “Vândalo” Lopes foi um mito dos recônditos do heavy metal brasileiro. Com uma perseverança invejável, tornou seu grupo, o Dorsal Atlântica, um símbolo de resistência e influenciou o surgimento de várias bandas, entre elas o Sepultura.

Ultimatum (1985) e Antes do Fim (1986) saíam do terreno do rock hard/glitter da década de 70 – os discos apresentavam um som híbrido de heavy metal, hard rock e hardcore. O Dorsal foi um primeiros grupos a fazer manobras para reunir punks e headbangers. Mais politizado do que seus pares, Carlos Lopes fugia de clichês como “marchando pelo campo como guerreiros” em suas letras. Sem o apoio das gravadoras, a banda era esquecida pelos grandes festivais de metal que aconteciam na década de 90. Até que a fidelidade canina de seu público organizou um abaixo-assinado com 30 mil nomes para incluí-la numa edição do Philips Monster of Rock.

Contudo, o grupo entrou em colapso no final dos anos 90 motivado por álcool, drogas e o conseqüente cansaço de Carlos. “Como estilo, o metal morreu há muitos anos”, decretou em 2003, quando já tocava com o grupo glitter Usina Le Blond e o hard rock Mustang.

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