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Ciência

A era de ouro das pesquisas sobre o Sol

por André Jorge Oliveira e Alexandre Versignassi | Design: Carlos Eduardo Hara | Ilustrações: Kenji Lambert    Atualizado em 6 ago 2020, 13h03 - Publicado em 14 jul 2020 14h55

Marte é para os fracos. Parada dura mesmo é estudar de perto a estrela que nos mantém vivos. E a ciência nunca fez isso de forma tão aguda. Entenda como essa anã amarela funciona – e os enigmas que ela ainda guarda.

O

Sol é uma usina nuclear a céu aberto. Não uma usina comum. Uma Angra 2 da vida produz energia quebrando núcleos de átomos grandes. O Sol faz isso fundindo átomos pequenos. Ele é um reator de fusão. Seu trabalho é amassar átomos de hidrogênio. Devidamente apertados no interior da estrela, a uma temperatura de 15 milhões de graus celsius e uma pressão de 250 bilhões de atmosferas, cada quatro átomos de hidrogênio (que têm um próton cada) se transformam em um átomo de hélio (com dois prótons e dois nêutrons).

E o que não falta é “combustível”. A cada segundo, a estrela funde 620 milhões de toneladas de hidrogênio, convertendo tudo isso em 606 milhões de toneladas de hélio. Esses 2% de diferença na massa escapam na forma de energia. Muita energia – o equivalente a 2 bilhões de bombas termonucleares. Por segundo. É debaixo disso que você fica quando sai para tomar sol (ainda que em Cuiabá ou Belém pareça mais, hehe). 

Já para a Via Láctea, o Sol é só mais um na multidão de 200 bilhões de sóis que ela carrega – estima-se haver outras 20 bilhões de anãs amarelas iguaizinhas a ele só na nossa galáxia, aliás.

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A nossa anã amarela já é uma senhora de meia-idade. Gastou quase 30% de seu hidrogênio, e só vai ter “força” para queimar outros 30%, antes de apagar – o que deve acontecer daqui a uns 7 bilhões de anos. Caso haja alguma forma de vida por aqui nessa época, ela nem vai presenciar esse apagar das luzes. Antes de morrer, o Sol vai engordar, ficar vermelho e, provavelmente, engolir esse cisco de matéria que chamamos de Terra. 

Mas ele pode causar outros problemas antes disso, ainda que menos apocalípticos. É que o Sol perde as estribeiras de vez em quando. Temperamental, ele jorra tiros de energia eletromagnética que, se atingirem a Terra no lugar errado, podem destruir sistemas de transmissão de energia. Por essas, vale pesquisar o Sol mais a fundo. Entender melhor como ele funciona. É o que a ciência está fazendo neste momento, e de forma mais intensa do que nunca, como você vai ver ao longo desta reportagem.

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Mistérios solares

V

ira e mexe, o Sol fica cheio de bolinhas. São as manchas solares, pontinhos escuros na superfície, cada um com um diâmetro comparável ao da Terra.

Com base em séculos de registros sobre o vaivém das manchas, o astrônomo alemão Thomas Schwabe notou no século 19 que o aparecimento delas não era aleatório. Havia um padrão ali. Schwabe descobriu que o fenômeno era cíclico, e se repetia em média a cada 11 anos. Primeiro um punhado delas surgia nas proximidades dos polos. Com o tempo, iam migrando para a região do equador e se tornavam mais numerosas, então retraíam. A esse processo foi dado o nome de ciclo solar – agora, em 2020, estamos no final de um desses ciclos, num momento pouco manchado.

Mais tarde, em 1908, o astrônomo americano George Hale daria o salto seguinte na compreensão das manchas. Ele percebeu que existiam campos magnéticos em cada uma delas.

Para saber exatamente como o Sol funciona, é preciso entender as idas e vindas magnéticas que observamos na forma de manchas. São essas flutuações de magnetismo que regulam o tal ciclo solar. Cada ciclo começa e termina com um período de atividade branda, o chamado “mínimo solar”, em que quase não se veem manchas na superfície. Já no “máximo solar”, elas surgem aos borbotões, sinal de que o Sol está passando por uma turbulência magnética. As manchas solares são regiões em que o campo magnético está tão forte que barra parte do calor que vem de baixo.

São, portanto, um pouco menos quentes que as regiões ao redor – por isso escurecem. Esse campo magnético não surge do nada. A pressão dentro do Sol é tamanha que descola prótons de elétrons. Isso forma o “plasma” – o quarto estado da matéria. Um átomo de hidrogênio consiste num próton com um elétron solitário em sua órbita. No estado de plasma, o que temos é uma maçaroca de prótons e elétrons livres. A gravidade descomunal do Sol mexe e remexe esse plasma. Essas sacudidas criam campos magnéticos.

Mas tem um pulo do gato aí. O campo magnético que surge é tão poderoso que passa a interferir na dinâmica do plasma também. Nossas teorias, porém, ainda patinam na hora de decifrar esse looping de causa e efeito. A ciência ainda não sabe como o magnetismo solar produz o indo e vindo infinito dos ciclos de manchas.

Outra grande questão em aberto é a da coroa solar. O Sol tem 1 milhão de quilômetros de diâmetro. A coroa é uma aura fantasmagórica de partículas em volta dele, que se estende 8 milhões de quilômetros espaço adentro. A treta: ela é mais quente que a superfície. Lá embaixo, a temperatura gira em torno de 5,5 mil graus (e é de lá que sai a luz que vemos daqui). No interior da coroa, o calor passa fácil de 1 milhão de graus.

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Trata-se de uma temperatura tão violenta que acaba acelerando os prótons e elétrons e núcleos atômicos a uma velocidade de 1,5 milhão de km/h. Isso faz com que a coroa emane um fluxo relativamente constante de partículas – o chamado vento solar.   

Faz sentido que a coroa seja mais quente que a superfície? Não. Não faz. Os físicos, então, tentam entender qual é a mágica. E há uma explicação que desponta como a mais provável.

Para entendê-la, vamos dar uma geral na dinâmica solar. O vaivém magnético do Sol acaba criando erupções solares (em inglês, flares): elas ocorrem quando descargas de eletromagnetismo arremessam para longe um monte de plasma da superfície e da coroa. Nota: não dá para ver os flares a olho nu, já que a energia se dissipa na forma de raios ultravioleta.

Quando essas nuvens de plasma atingem a Terra, causam as  chamadas “tempestades solares”: jatos de prótons, elétrons e núcleos atômicos que acabam interagindo com a Terra, como veremos mais adiante. 

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Além dos flares, existem os nanoflares, rajadas bem pequenas quando comparadas com as colossais dimensões solares, e que contêm um bilhão de vezes menos energia do que a liberada por erupções solares de grande porte. Mesmo assim, cada nanoflare libera 240 megatons, o equivalente a 16 mil bombas de Hiroshima – agora imagine milhões delas pipocando a cada segundo.

Eles estão por toda a superfície solar, e também não emitem luz visível. Se emitissem, veríamos o Sol como uma grande bola de tênis, com os nanoflares no lugar dos pelinhos da bola. A teoria, então, é que a energia produzida pelos nanoflares acabe subindo para a coroa, tornando-a (bem) mais quente que a superfície.

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Neste momento, estamos num período de calmaria do ciclo solar, sem grandes ejeções de massa coronal. O último pico de atividade foi em 2014 – e o próximo deve acontecer por volta de 2025. Mesmo assim, os nanoflares se mantêm firmes e fortes.

Quem constatou isso foi a sonda solar Parker, a protagonista dessa nova era de estudos solares em que estamos agora. Lançada pela Nasa em agosto de 2018, ela audaciosamente irá onde espaçonave nenhuma jamais esteve: a 6,1 milhões de quilômetros da superfície solar, dentro da coroa (ainda que numa região menos tórrida).

Os objetivos da Parker são investigar o aquecimento coronal, a dinâmica dos campos magnéticos e descobrir como esses processos influenciam na criação do vento solar. Até o fim de sua missão, em 2025, ela terá realizado 24 voos rasantes (ou periélios), chegando mais perto a cada ano.   

E ela não deve ficar sozinha por muito tempo. Uma nova sonda da Agência Espacial Europeia (ESA), a Solar Orbiter, está com lançamento programado para o fim deste ano. Ela vai estudar os polos do Sol de perto. “Esperamos resolver o problema da origem do campo magnético olhando para os polos, porque é ali que tudo começa”, explica Clementina Sasso, pesquisadora do Observatório de Capodimonte, em Nápoles, e membro da missão da ESA.

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Há mais ferramentas para desvendar enigmas do Sol. O DKIST, maior telescópio solar do mundo, divulgou no início do ano as melhores imagens já feitas da superfície da estrela – veja na página 41. E a Nasa tem engatilhada outra missão: deixará quatro satélites na órbita da Terra dedicados a observar o comportamento da coroa.  “É um momento lindo para a heliofísica, nunca houve tanto investimento”, diz Alessandra Pacini, física da Universidade do Vale do Paraíba e especialista no estudo do Sol.

Até o Brasil tem planos de embarcar nessa onda de exploração – pesquisadores do Inpe estão desenvolvendo um projeto de telescópio espacial solar, o Galileo Solar Space Telescope (GSST).

Tantas iniciativas mostram que teremos novamente um grande salto no entendimento sobre o Sol. E isso deve ser um passo fundamental para que a gente possa se proteger de sua ira estelar.

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Futuro brilhante

E

ntre 1645 e 1715, as manchas solares praticamente pararam de aparecer. Essa seca de manchas foi batizada de “Mínimo de Maunder”.

Coincidentemente, o intervalo do Mínimo de Maunder marcou o ápice de um fenômeno que ficou conhecido como Pequena Era do Gelo. Foi um resfriamento global. Na Inglaterra, por exemplo, o Rio Tâmisa congelou durante o inverno (o que nunca acontece).

Ainda não há como concluir que a Pequena Era do Gelo tenha tido relação com o Mínimo de Maunder, mas é uma hipótese. Nossa estrela pode ter emitido menos energia naquele período de calmaria magnética – falta entender a causa dessas oscilações e mensurar o real impacto no clima da Terra.

Em 1859, tivemos algo diferente: a maior tempestade solar dos últimos séculos. Causada por uma poderosa ejeção de massa coronal, ela provocou auroras boreais tão intensas que dava para ver no céu do Caribe. A energia que forma as auroras, afinal, vem das partículas carregadas do vento solar. E uma tempestade é basicamente o tal vento em grande quantidade. Tão grande que a energia de uma boa tempestade solar pode destrambelhar os elétrons dos fios de energia, causando sobrecargas.   

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É o que aconteceu em 1859. A tempestade, que ganhou o nome do astrônomo amador que primeiro a observou, o britânico Richard Carrington, causou danos nas redes de telégrafo, interrompendo a comunicação entre a Europa e os EUA. E chegou a eletrocutar operadores. Se uma descarga elétrica dessas penetra as redes de eletricidade de hoje, elas não aguentam o tranco. “Os transformadores derreteriam”, diz o astrofísico Colin Stuart, autor de Rebel Star, livro recente sobre a exploração do Sol.

Tivemos um gostinho desses efeitos em 1989, quando uma tempestade solar violenta deixou toda a província canadense de Quebec no escuro por 12 horas. E, em outra ocasião, fomos poupados por pouco. Bem no emblemático ano de 2012, uma supertempestade ainda mais forte, da classe da de Carrington, passou raspando em nosso planeta. Estima-se que, se tivesse nos atingido, haveria um prejuízo bilionário em danos na rede elétrica e nos satélites de comunicação.

A energia que produz as auroras boreais e austrais vem das partículas eletricamente carregadas do vento solar. Cada aurora acontece ao mesmo tempo nos dois polos, e elas são mais intensas durante tempestades solares.
A energia que produz as auroras boreais e austrais vem das partículas eletricamente carregadas do vento solar. Cada aurora acontece ao mesmo tempo nos dois polos, e elas são mais intensas durante tempestades solares. (Kenji Lambert/Superinteressante)

“Ficamos sabendo se uma tempestade é perigosa ou não uma hora antes de ela nos acertar. Não dá tempo de fazer nada”, diz Stuart. Pode parecer estranho, mas a violência da tempestade não é o grande fator que determina sua periculosidade. Podemos sair incólumes mesmo de uma tempestade mais forte que a de Carrington se o campo magnético da nuvem de plasma apontar para a direção certa: para o Norte, como as nossas bússolas. Se a orientação for igual à do nosso escudo magnético, as partículas simplesmente escorregam ao redor da Terra e seguem viagem. Mas, se a orientação magnética apontar para o Sul, estamos encrencados, pois aí o confronto gera uma brecha em nosso escudo.

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Em 1989, uma tempestade solar violenta atravessou o escudo protetor da Terra e causou um apagão no Canadá.

Essa uma hora de antecedência não tem a ver com a distância da Terra ao Sol e nem com o tempo que a luz demora a percorrê-la: cerca de oito minutos. É que as nuvens de plasma que se desprendem dos flares viajam pelo vento solar bem mais devagar que os fótons. Algumas levam dias para chegar até aqui. Uma hora é o tempo com que nossos satélites conseguem detectar a chegada da tormenta – e sua orientação magnética.

Prever a chegada de uma tempestade solar com precisão ainda é um sonho distante. Será preciso refinar bem nosso entendimento sobre a estrela. Mas uma coisa é certa: os resultados da Parker, da Solar Orbiter, do DKIST e cia. nos farão avançar. E essa jornada trará implicações mais amplas. Os processos que regem o funcionamento do Sol também valem para os outros 200 bilhões de sóis da Via Láctea, afinal. É por isso que explorá-lo, além de prevenir danos à civilização, também serve como um dos melhores meios de entender o Universo.

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