Mais da metade das famílias brasileiras consome algum tipo de suplemento alimentar. Mas, na grande maioria dos casos, esses comprimidos não trazem nenhum benefício à saúde. Podem até fazer mal – e aumentar o risco de doenças graves.
Reportagem: Ricardo Lacerda e Bruno Garattoni | Design e Produção de Fotos: Juliana Caro | Animação: Bruna Sanches | Fotos: Studio Oz
Em dezembro de 1912, Douglas Mawson e Xavier Mertz perderam de vista o terceiro membro da expedição que faziam à Antártida. Puxado por um trenó de huskies siberianos, Belgrave Ninnis carregava os mantimentos do grupo quando sumiu ao cair numa fenda no solo. Mawson e Mertz se viram numa situação terrível.
Eles estavam a 160 km da base, praticamente sem alimentos, e tiveram que tomar uma decisão duríssima: sacrificar os cachorros e comer a carne deles para sobreviver. Fizeram isso. Mas, como se afetados por uma maldição, os dois começaram a apresentar sintomas estranhos. Primeiro vieram as dores de estômago, febre, alucinações. Depois os cabelos caíram, a pele rachou, os pés ficaram cheios de bolhas. Mawson sobreviveu e conseguiu, muito debilitado, voltar ao acampamento. Mertz não resistiu, e morreu. Os dois haviam sido envenenados por megadoses de vitamina A – presente nos fígados dos cachorros que haviam comido.
Em agosto de 2015, Becky Jackson deu à luz um casal de gêmeos em Omaha, nos EUA. Um menino, Joe, e uma menina, Elizabeth. Quando os dois tinham seis meses, a mãe percebeu que Liz não estava ganhando peso. Becky tinha pouco leite, e só amamentava Joe no peito. Ela alimentava a menininha com uma mistura de leite materno, leite de coco, leite de cabra e suplementos vitamínicos. Preocupada, Becky levou a filha ao pediatra. O médico constatou que a menina estava à beira da morte. Motivo: excesso de vitamina D. Becky não era a única. Naquele mesmo ano, o governo dos EUA registrou outros 3 mil casos de crianças com a chamada hipervitaminose D, que causa danos ao cérebro e aos rins.
Moral das histórias: até algo tão benigno e importante quanto as vitaminas pode ser perigoso se consumido em excesso.
Crescemos ouvindo de nossos pais que devemos comer frutas e verduras para obter esses nutrientes. É a mais pura verdade. Mas cada vez mais pessoas decidem pegar um atalho – e tomar suplementos alimentares em cápsulas. Segundo uma pesquisa feita em 2016 pela Abiad, associação que reúne os fabricantes de vitaminas, nada menos do que 54% dos lares brasileiros consomem algum produto do tipo (em 48% dos casos, vitaminas). O estudo só considera as sete maiores capitais brasileiras, mas a tendência que aponta é real. Na Inglaterra, quase 50% da população toma vitaminas em cápsulas. No Japão, 60%. Nos EUA, 68%. O que poucos sabem, no entanto, é que consumir esses produtos raramente traz benefícios – e pode causar complicações que vão de um simples mal-estar até risco aumentado de câncer e doenças cardiovasculares.
Algumas pessoas devem, sob orientação médica, tomar vitaminas: grávidas, idosos, atletas e obesos que fazem cirurgia de redução de estômago, por exemplo. “Mas a maioria dos que tomam suplementos não pertence a essas categorias”, diz Eliseo Guallar, médico da Universidade Johns Hopkins e autor de dezenas de estudos sobre vitaminas. São pessoas que se alimentam mal – ou acham que fazem isso –, e buscam nos multivitamínicos uma forma de compensar. Se você estiver na dúvida, pode ir ao médico e pedir um exame de sangue para saber se está desnutrido. Mas, muito provavelmente, não está. Isso porque, se você de fato tiver alguma carência vitamínica, vai perceber. Os sintomas não são nada sutis.