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Ciência

A verdade sobre as vitaminas

Mais da metade das famílias consomem suplementos alimentares. Mas, na grande maioria dos casos, esses comprimidos não trazem nenhum benefício à saúde.

por Ricardo Lacerda e Bruno Garattoni Atualizado em 13 jan 2022, 15h02 - Publicado em 18 jul 2019 16h46

Mais da metade das famílias brasileiras consome algum tipo de suplemento alimentar. Mas, na grande maioria dos casos, esses comprimidos não trazem nenhum benefício à saúde. Podem até fazer mal – e aumentar o risco de doenças graves.

Reportagem: Ricardo Lacerda e Bruno Garattoni | Design e Produção de Fotos: Juliana Caro | Animação: Bruna Sanches | Fotos: Studio Oz


Em dezembro de 1912, Douglas Mawson e Xavier Mertz perderam de vista o terceiro membro da expedição que faziam à Antártida. Puxado por um trenó de huskies siberianos, Belgrave Ninnis carregava os mantimentos do grupo quando sumiu ao cair numa fenda no solo. Mawson e Mertz se viram numa situação terrível.

Eles estavam a 160 km da base, praticamente sem alimentos, e tiveram que tomar uma decisão duríssima: sacrificar os cachorros e comer a carne deles para sobreviver. Fizeram isso. Mas, como se afetados por uma maldição, os dois começaram a apresentar sintomas estranhos. Primeiro vieram as dores de estômago, febre, alucinações. Depois os cabelos caíram, a pele rachou, os pés ficaram cheios de bolhas. Mawson sobreviveu e conseguiu, muito debilitado, voltar ao acampamento. Mertz não resistiu, e morreu. Os dois haviam sido envenenados por megadoses de vitamina A – presente nos fígados dos cachorros que haviam comido.

Em agosto de 2015, Becky Jackson deu à luz um casal de gêmeos em Omaha, nos EUA. Um menino, Joe, e uma menina, Elizabeth. Quando os dois tinham seis meses, a mãe percebeu que Liz não estava ganhando peso. Becky tinha pouco leite, e só amamentava Joe no peito. Ela alimentava a menininha com uma mistura de leite materno, leite de coco, leite de cabra e suplementos vitamínicos. Preocupada, Becky levou a filha ao pediatra. O médico constatou que a menina estava à beira da morte. Motivo: excesso de vitamina D. Becky não era a única. Naquele mesmo ano, o governo dos EUA registrou outros 3 mil casos de crianças com a chamada hipervitaminose D, que causa danos ao cérebro e aos rins.

Moral das histórias: até algo tão benigno e importante quanto as vitaminas pode ser perigoso se consumido em excesso.

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Crescemos ouvindo de nossos pais que devemos comer frutas e verduras para obter esses nutrientes. É a mais pura verdade. Mas cada vez mais pessoas decidem pegar um atalho – e tomar suplementos alimentares em cápsulas. Segundo uma pesquisa feita em 2016 pela Abiad, associação que reúne os fabricantes de vitaminas, nada menos do que 54% dos lares brasileiros consomem algum produto do tipo (em 48% dos casos, vitaminas). O estudo só considera as sete maiores capitais brasileiras, mas a tendência que aponta é real. Na Inglaterra, quase 50% da população toma vitaminas em cápsulas. No Japão, 60%. Nos EUA, 68%. O que poucos sabem, no entanto, é que consumir esses produtos raramente traz benefícios – e pode causar complicações que vão de um simples mal-estar até risco aumentado de câncer e doenças cardiovasculares.

Algumas pessoas devem, sob orientação médica, tomar vitaminas: grávidas, idosos, atletas e obesos que fazem cirurgia de redução de estômago, por exemplo. “Mas a maioria dos que tomam suplementos não pertence a essas categorias”, diz Eliseo Guallar, médico da Universidade Johns Hopkins e autor de dezenas de estudos sobre vitaminas. São pessoas que se alimentam mal – ou acham que fazem isso –, e buscam nos multivitamínicos uma forma de compensar. Se você estiver na dúvida, pode ir ao médico e pedir um exame de sangue para saber se está desnutrido. Mas, muito provavelmente, não está. Isso porque, se você de fato tiver alguma carência vitamínica, vai perceber. Os sintomas não são nada sutis.

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(Studio Oz/Superinteressante)
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Morte em vida

Quem haverá que, sem o ver, o creia
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crescia
A carne e juntamente apodrecia?

É assim que, em Os Lusíadas, Luis de Camões relata a história de uma síndrome misteriosa e cruel, que cobria de feridas as bocas e os corpos dos navegadores portugueses – e matou 80% da tripulação numa das expedições de Fernão de Magalhães. Era o escorbuto, doença que se manifesta após um mês sem ingerir vitamina C. Sem esse nutriente, presente em frutas e verduras (a que os marinheiros não tinham acesso), o corpo não consegue produzir colágeno, com consequências terríveis. Pele, músculos, ossos e cartilagens ficam cada vez mais frágeis e vão literalmente se desfazendo em ferimentos, fraturas e hemorragias.

O escorbuto é conhecido desde o Egito Antigo. Mas as vitaminas só foram identificadas pela ciência em 1913. O bioquímico polonês Casimir Funk leu um artigo, escrito pelo médico holandês Christiaan Eijkman, que comparava a incidência de beribéri (uma doença que causa fraqueza, câimbras e dificuldade respiratória) em dois grupos de pessoas – um que consumia arroz branco, e outro que comia arroz integral. Quem se alimentava com a versão integral não tinha beribéri, e Funk pensou: será que isso tem a ver com alguma substância presente nesse tipo de arroz? Hoje parece elementar, mas para a época era um palpite ousado. E estava certo. A casca do arroz integral continha tiamina (uma molécula cuja fórmula química é C12H17N4OS+), substância que podia prevenir ou curar aquela doença. E, mais surpreendente ainda, a mesma coisa valia para outras doenças. O escorbuto, que tanto castigou os navegadores portugueses, era causado pela falta de ácido ascórbico (fórmula C6H8O6). A pelágra, que faz a pele descascar e causa distúrbios motores e psicológicos, era provocada pela carência de niacina (C6H5NO2).

Como todas as moléculas identificadas por Funk continham amina (uma classe de compostos químicos derivados da amônia), o cientista decidiu chamá-los de vita-amina – ou “amina da vida”. Mais tarde, descobriu-se que nem todas as vitaminas continham amina, mas o termo pegou. No começo, acreditava-se que elas fossem apenas cinco: A, B, C, D e E. Na década de 1920, cientistas encontraram moléculas semelhantes às da vitamina B. Elas foram agrupadas no chamado “complexo B”, que reúne oito vitaminas.

O processo de descoberta e classificação não foi dos mais organizados. Nem todos os compostos que foram sendo catalogados eram de fato vitaminas. Eles acabaram sendo descartados, mas os nomes dos demais não foram alterados. É por isso que não existe vitamina B4, por exemplo (pula-se da B3 direto para a B5), e da vitamina E pula-se direto para a K. Quase existiu uma vitamina F, mas esse nutriente acabou entrando em outra categoria, a dos ácidos graxos, e batizado de ômega-3 e ômega-6 [leia mais no quadro abaixo].

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Mas, depois de idas e vindas, nos anos 1940 chegou-se à lista das 13 vitaminas que conhecemos: A, B1, B2, B3, B5, B6, B7, B9, B12, C, D, E e K. São essas, e apenas essas. Há dezenas de outros ingredientes presentes nos comprimidos multivitamínicos, mas trata-se de outras coisas: ácidos graxos e minerais como ferro e zinco (que são necessários para a oxigenação do sangue e o funcionamento do sistema imunológico – e podem ser facilmente obtidos por meio da alimentação).

As vitaminas se dividem em duas classes: as lipossolúveis, ou seja, que se disssolvem em gordura (caso das vitaminas A, D, E e K) e as hidrossolúveis (todas as outras). Com as vitaminas hidrossolúveis, não há muito problema – doses excessivas são eliminadas pela urina. O problema está nas lipossolúveis, que vão se acumulando no organismo, podendo chegar a níveis prejudiciais. Mesmo quando não há intoxicação aguda, como a que acometeu Mertz e a pequena Elizabeth, quantidades cronicamente elevadas de certas vitaminas podem aumentar o risco de certas doenças.

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(Studio Oz/Superinteressante)
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O dilema da oxidação

Em 2013, a Associação Americana de Médicos publicou um artigo devastador, a começar pelo título: Basta: pare de desperdiçar dinheiro com suplementos de vitaminas e minerais. “A maioria dos suplementos não previne doenças crônicas ou morte, seu uso não é justificado e eles devem ser evitados.” Note bem: “devem ser evitados”. Os autores do texto – entre eles Guallar, da Johns Hopkins – foram enfáticos ao destacar que tomar vitaminas sem necessidade não só não faz bem, como pode predispor a doenças.

O primeiro trabalho do tipo surgiu em 2004, quando o Instituto Nacional do Câncer dos EUA apresentou conclusões alarmantes sobre o impacto de altas doses de vitamina A em fumantes e ex-fumantes. Era uma pesquisa enorme, que estava acompanhando 18 mil pessoas, mas teve de ser interrompida dois anos antes do previsto (1). Motivo: os cientistas constataram que quem tomava comprimidos de vitamina A apresentava 28% mais chances de desenvolver câncer de pulmão. Os pesquisadores consideraram antiético deixar que aquelas pessoas continuassem tomando os comprimidos, e se expondo ao risco.

Em 2008, uma pesquisa constatou incidência 17% maior na aparição de tumores de próstata (2) em homens que tomavam suplementos de vitamina E. Conduzido pelo Southwest Oncology Group, dos EUA, o trabalho analisou 36 mil indivíduos durante sete anos. Em 2012, pesquisadores da Universidade do Colorado publicaram um artigo (3), baseado em seis estudos independentes, relacionando o consumo de suplementos vitamínicos à maior incidência de vários tipos de câncer. Em 2014, cientistas da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, descobriram que o consumo de suplementos com vitaminas A, C e E acelerava o crescimento de tumores de pulmão (4) em ratos. Em julho deste ano, cientistas da Universidade de West Virginia analisaram a dieta e a saúde de quase 1 milhão de pessoas – e constataram que tomar suplementos que contenham vitamina D e cálcio eleva em 17% o risco de derrame cerebral (5).

Mas como as vitaminas, que são nutrientes essenciais à vida, poderiam causar câncer? A ciência ainda não sabe, mas há algumas teorias. A vitamina A age como antioxidante, ou seja, ela combate a oxidação (morte) das células. Só que isso nem sempre é desejável. Se aparecer alguma célula cancerosa no seu organismo, o ideal é que ela morra. E para os fumantes, que correm maior risco de mutações – e foram avaliados no primeiro estudo, aquele de 2004 – isso é especialmente importante.

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Os cientistas suecos descobriram que doses excessivas das vitaminas A, C e E inibiam a ação da proteína p53 – que age na contenção de tumores. “As células cancerosas são metabolicamente muito ativas. Tomar mais vitaminas do que o necessário [para o organismo] pode servir para alimentá-las, promovendo seu crescimento”, escreveu o neurologista Steven Novella, da Universidade Yale, num artigo sobre o tema. “Existe um equilíbrio entre oxidantes e antioxidantes, e não é benéfico alterá-lo.”

Fontes: 1 Beta-Carotene and Retinol Efficacy Trial (CARET). Fred Hutchinson Cancer Center, 2004. 2 Selenium and Vitamin E Cancer Prevention Trial (SELECT). National Institutes of Health, 2008. 3 Dietary Supplements and Cancer Prevention: Balancing Potential Benefits Against Proven Harms. María Elena Martinez e outros, 2012. 4 Antioxidants Accelerate Lung Cancer Progression in Mice. V.Sayin e outros, 2014. 5 Effects of Nutritional Supplements and Dietary Interventions on Cardiovascular Outcomes. S. Khan e outros, 2019.

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(Studio Oz/Superinteressante)
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As vitaminas no cérebro

Desse equilíbrio depende, também, o bom funcionamento do cérebro. Em 2007, o bioquímico Marcos Roberto de Oliveira, professor na Universidade Federal do Mato Grosso, estudou a ação da vitamina A no sistema nervoso central de ratos. Ingerido pelos animais, o nutriente acelerou a oxidação de regiões do cérebro como o hipocampo, o córtex cerebral e o hipotálamo. Os ratos também apresentaram danos nas mitocôndrias (estruturas que extraem energia da glicose para alimentar nossas células).

“O distúrbio na função mitocondrial está comumente associado a doenças neurodegenerativas”, diz Oliveira. Serão necessários mais estudos – e não só em ratos, mas também em humanos – antes de cravar que megadoses de vitamina A realmente possam causar degeneração cerebral. Mas a ação dela nas cobaias tem paralelo com uma enfermidade já conhecida: a Síndrome de Pibloktoq.

Esse fenômeno, também conhecido como Histeria do Ártico, afeta comunidades esquimós, que vivem no extremo norte do planeta. Com acessos de loucura, as vítimas rasgam as próprias roupas, se atiram na neve e chegam a comer as próprias fezes. Acredita-se que a síndrome seja causada por overdose de vitamina A (pois os esquimós comem os fígados e os rins dos animais que caçam), e provoque danos neurológicos. “Ela pode causar inchaço no cérebro, como um pseudotumor”, explica Oliveira. O transtorno já foi registrado em adultos, crianças e até cães daquela região.

As overdoses de vitaminas (não apenas a A) podem provocar vários outros distúrbios – inclusive, ironicamente, a falta de outras vitaminas. “Um dos problemas do excesso de vitaminas é demandar maior esforço ao organismo, e essa sobrecarga pode prejudicar a absorção de outros nutrientes”, afirma a nutricionista Silvia Cozzolino, professora da Universidade de São Paulo (USP).

As vitaminas obtidas na comida e aquelas fabricadas em laboratório têm a mesma composição atômica, ou seja, suas moléculas são idênticas. Mas o organismo não absorve as duas da mesma forma. “O nutriente presente na suplementação não é aproveitado pelo corpo como aquele presente no alimento”, explica a nutricionista Annie Bello, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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Na comida, as vitaminas fazem parte de uma matriz alimentar, e atuam em sinergia com proteínas, gorduras, carboidratos e minerais. Numa experiência feita ano passado pela Universidade de Massachusetts, cientistas constataram que, quando as pessoas comiam frutas e verduras em combinação com algum tipo de gordura – como azeite – , seus organismos absorviam uma porcentagem maior dos nutrientes contidos nos alimentos.

Nada disso significa que você vai ter câncer, infarto, carência nutricional ou ficar maluco se tomar um multivitamínico. São casos extremos, e que ainda precisam ser confirmados por mais estudos. Mas, se você procurar um médico e perguntar se deve ingerir esses produtos, certamente ele dirá que é melhor não – e o ideal é conseguir as vitaminas por meio da alimentação. Isso é bem mais fácil do que se imagina, aliás [veja infográfico abaixo].

Se é assim, por que há tanto marketing envolvendo os suplementos, que prometem ajudar você a “começar bem o dia”, levar uma vida com “mais nutrição” e “a energia que a sua família precisa”? Ou, nos casos mais esdrúxulos, prometem até curar impotência sexual e fazer crescer cabelo? A resposta, como frequentemente acontece, está num plano paralelo ao científico: o mundo da política.

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(Studio Oz/Superinteressante)
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Mãos ao alto

Casimir Funk, o bioquímico que descobriu as vitaminas, também foi o primeiro a tentar transformá-las em produto. Nos anos 1920, ele lançou a primeira cápsula feita em laboratório. Batizado de Oscodal, o produto continha as vitaminas A e D e foi amplamente usado por crianças na Europa. Na década de 1970, os suplementos vitamínicos viraram moda entre os adultos. Tudo por causa de um sujeito muito famoso: o químico americano Linus Pauling, duas vezes ganhador do Prêmio Nobel.

Pauling acreditava que megadoses de vitamina C podiam prevenir ou curar infecções e câncer. Em 1979 lançou um livro, Vitamina C e Resfriado, que se tornou best-seller mundial – e deu origem a um costume popular, comum até hoje, de recomendar “vitamina C e cama” para quem está gripado.

Os estudos nos quais Pauling se baseou tinham falhas, e foram refutados por trabalhos posteriores. Mas a moda de tomar suplementos alimentares pegou: em 1990, havia mais de 4 mil produtos do tipo no mercado nos EUA. Até que, nesse mesmo ano, algo gravíssimo aconteceu.

Trinta e oito americanos morreram e mais de 1.500 foram parar no hospital após tomar l-triptofano, um aminoácido que era vendido como suplemento alimentar e prometia curar insônia, reduzir o apetite e aumentar o bem-estar (porque está ligado à produção de serotonina, um neurotransmissor essencial). O problema estava na empresa japonesa Showa Denko, que fabricava o triptofano para a maioria das marcas americanas. Ela havia cometido erros, e por isso o triptofano estava contaminado por EBT: uma substância que provoca eosinofilia-mialgia, doença que ataca o pulmão e o coração.

Enfurecida, a Food & Drug Administration (FDA, a Anvisa dos EUA) resolveu colocar ordem na casa. Decidiu que vitaminas e suplementos passariam a ser controlados como se fossem remédios: seus fabricantes teriam de apresentar estudos comprovando segurança e eficácia, e esses produtos só poderiam ser vendidos com receita médica. A indústria dos suplementos reagiu – com todas as armas que tinha ao seu alcance.

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“Calma! São só vitaminas!”, diz o ator Mel Gibson, de roupão e com as mãos para cima, ao ser cercado por policiais. Em seguida, aparece na tela a seguinte mensagem: “O governo pretende classificar as vitaminas como drogas. Se você não quer perder as suas vitaminas, faça a FDA parar. Ligue para o Senado e diga que você quer tomá-las em paz”. Esse é o script de um anúncio milionário, veiculado na TV americana em 1993 pela indústria das vitaminas. A propaganda foi parte de uma das maiores campanhas de lobby já realizadas nos EUA. “O Congresso recebeu mais manifestações sobre esse assunto do que sobre a Guerra do Vietnã”, declarou Jane Henney, ex-diretora da FDA, à revista americana Atlantic.

Ao mesmo tempo em que empreendia sua cruzada, a indústria de vitaminas procurou dois senadores, o republicano Orrin Hatch e o democrata Tom Harkin, e pediu a eles que mudassem a legislação para resolver a coisa de uma vez por todas. Aprovada em 1994, a DSHEA (conhecida como “Lei dos Suplementos”) contém cláusulas que limitam drasticamente o poder da FDA de regular, ou fiscalizar, o mercado de vitaminas e suplementos. A indústria ficou muito satisfeita. Tão satisfeita que, segundo dados oficiais, fez doações em dinheiro para Hatch em 1994, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016 e 2018. Harkin, o coautor da lei, também foi amplamente recompensado.

A partir daí, a porteira se abriu. Hoje, há nada menos do que 55 mil suplementos e vitaminas no mercado americano – 13 vezes mais do que quando a FDA tentou regular esses produtos. Estima-se que o mercado global de vitaminas movimente US$ 100 bilhões por ano. Nos EUA e em vários outros países, incluindo o Brasil, a lei proíbe que os suplementos digam em seus rótulos que previnem, tratam ou curam doenças. Se fizerem isso, são considerados medicamentos (sujeitos a normas mais rígidas). Mas os fabricantes não costumam respeitar essas regras na hora de anunciar os produtos. Você já deve ter visto comerciais garantindo que basta uma cápsula ao dia para melhorar a memória ou reforçar o sistema imunológico. Nada disso tem comprovação científica.

Em 2009, a organização de testes de consumo Consumer Lab analisou as 29 principais marcas de multivitamínicos dos EUA e do Canadá. Oito não continham o que diziam e outras 12 apresentaram níveis de vitaminas acima do recomendável. Ou seja, 70% dos produtos tinham problemas. Entre 2004 e 2012 houve mais de 200 recalls, nos EUA, de produtos que continham impurezas ou substâncias não permitidas. “Houve casos de suplementos contendo sildenafil [princípio ativo do Viagra] e sibutramina, usada para emagrecer. Isso é muito grave”, diz o médico Alexandre Hohl, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

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No Brasil, em 2018 a Anvisa aprovou um novo marco regulatório para os suplementos alimentares. A norma estabelece limites mínimos e máximos para 382 substâncias e nutrientes, e determina que os comprimidos não devem conter vitaminas e minerais em quantidade superior à Ingestão Diária Recomendada (IDR). Mas essa regra não impede que, ao consumir um suplemento, você possa acabar excedendo o nível diário recomendado, por dois motivos: o seu corpo também recebe nutrientes por meio dos alimentos, e as vitaminas A, D, E e K, que são lipossolúveis, se acumulam no organismo.

A Anvisa também criou uma lista com 189 alegações que os fabricantes poderão fazer, desde que sigam algumas normas. “Para a alegação ‘vitamina A auxilia na visão’, por exemplo, o produto deve conter um valor mínimo de 135 mg”, explica a engenheira de alimentos Tatiana Pires, presidente da Abiad, associação que reúne os fabricantes de vitaminas e suplementos no Brasil. “No caso da alegação ‘vitamina D auxilia no funcionamento do sistema imune’, o fabricante deve atender a um valor mínimo de 2,25 microgramas”, completa Pires.

Ao pé da letra, ambas as alegações estão corretas. Se você não consumir nadinha de vitamina A, vai acabar desenvolvendo nictalopia, ou “cegueira noturna”: a dificuldade de enxergar no escuro. Da mesma forma, se o seu corpo ficar zerado de vitamina D (que pode ser obtida via alimentos ou sintetizada pelo próprio organismo, quando tomamos sol – e o corpo transforma as moléculas de gordura da pele em calciferol, nome químico da vitamina D), você terá uma série de problemas, que incluem baixa imunidade. O problema está na interpretação. Ao ler as promessas dos rótulos, muita gente entenderá outra coisa: que aqueles produtos podem, de alguma forma, fazer o organismo funcionar melhor. Não podem, não.

As vitaminas são como o ar. Precisamos de ar para sobreviver. Mas um cilindro de oxigênio não deixa ninguém mais saudável – é algo que você só usa se estiver doente ou debaixo d’água. O mesmo vale para as vitaminas. Não faz sentido procurar a nutrição perfeita, e uma vida melhor, dentro de potinhos de plástico. Existe um jeito mais seguro, mais eficaz, mais gostoso e mais barato de chegar até lá: a comida que você come todos os dias.

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Um alfabeto de 13 letras

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(Studio Oz/Superinteressante)

Conheça as vitaminas, saiba onde se encontram, o que cada uma faz – e o que pode provocar
se consumida de forma exagerada.

Vitamina A
Retinol
Legumes alaranjados, como a cenoura, possuem betacaroteno, que o organismo transforma em vitamina A. Ela ajuda na visão e no sistema imunológico, além de combater radicais livres. Em doses muito altas, pode causar tontura, sonolência e aumento da pressão intracraniana.

Vitamina B1
Tiamina
Auxilia na função muscular e no sistema nervoso, além de estimular o apetite e ajudar na metabolização de carboidratos. Feijão, cereais integrais e vegetais verdes são as fontes mais comuns. O excesso dela não traz grandes riscos: só reações alérgicas.

Vitamina B2
Riboflavina
Ajuda na absorção da energia contida nos alimentos e na produção dos glóbulos vermelhos. Também atua sobre enzimas que influenciam o funcionamento de músculos, nervos e ossos. As principais fontes são produtos lácteos, fígado e vegetais folhosos, como alface. Não traz riscos, mesmo se ingerida em excesso.

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Vitamina B3
Niacina e Niacinamida
Mantém o bom funcionamento do sistema digestivo e auxilia na produção de colágeno e substâncias do sistema nervoso, como a adrenalina. É encontrada em carnes magras e cereais integrais. O risco de toxicidade é baixo. Coceira, ondas de calor e problemas digestivos são as principais reações quando ingerida em demasia.

Vitamina B5
Ácido Pantotênico
A maior parte dos alimentos naturais (não processados) é rica nessa substância, que atua na liberação de energia e na renovação das células. A molécula também é vital para crianças em fase de crescimento. Por ser facilmente eliminada na urina, a B5 dificilmente acarreta um quadro de hipervitaminose.

Vitamina B6
Piridoxina
A produção de hormônios reguladores do humor e do sono, como serotonina, dopamina e melatonina, é beneficiada por essa substância. A B6 é encontrada em alimentos crus (o cozimento reduz seu teor). Doses muito altas podem provocar formigamento nas mãos e diminuição da audição. Há até casos de dependência da piridoxina.

Vitamina B7
Biotina
Sem essa substância, o corpo não consegue produzir as enzimas que digerem gorduras e carboidratos. Ela pode ser obtida em alimentos como amendoim, batata-doce, ovo e alface romana – e também
é sintetizada pelas bactérias que vivem no intestino humano.

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Vitamina B9
Ácido Fólico
É vital para o desenvolvimento do sistema nervoso dos fetos. Por isso, grávidas devem ficar atentas a ela (que também ajuda a prevenir câimbras). Pode ser encontrada em vegetais verde-escuros, ovos e tomates. O excesso pode causar hiperatividade e aumento no risco de câncer de mama.

Vitamina B12
Cobalaminas
A formação dos glóbulos vermelhos e a renovação celular estão entre as principais funções da B12. Ela é encontrada em alimentos de origem animal, como carne e fígado. Bactérias do intestino também a produzem, mas em nível insuficiente. Overdose de B12 é quase impossível (e o único sintoma é o aparecimento de acne).

Vitamina C
Ácido Ascórbico
Não previne nem cura resfriados. Mas ajuda na absorção do ferro e na produção de colágeno – uma proteína fundamental para pele, unhas e cabelo. Frutas cítricas, como laranja, acerola e abacaxi, são boas fontes. O excesso desse nutriente pode levar ao aparecimento de cálculos renais.

Vitamina D
Calciferol
Basta tomar 10 a 30 minutos diários de sol para que o organismo sintetize essa vitamina. Essencial no processo de fixação do cálcio nos ossos, ela também é encontrada em peixes gordurosos, como o salmão. Se ingerida em excesso, pode causar endurecimento de artérias e problemas nos rins.

Vitamina E

Tocoferol
Auxilia o sistema imunológico e tem função antioxidante, retardando o envelhecimento. Também ajuda a fortalecer os músculos. Está presente na maçã e em óleos vegetais, verduras e sementes. Doses muito altas podem causar náuseas, cansaço e maior risco de AVC.

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Vitamina K
Filoquinona
É a responsável pela coagulação do sangue, quando necessário. Pode ser encontrada em carnes, ovos, espinafre, repolho e brócolis. O intestino humano abriga bactérias que produzem o tipo K2. A hipervitaminose é muito rara. Em bebês, pode levar à anemia.

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Ômega-3 e 6

Na década de 1930, os biólogos americanos Thomas Osborne e Lafayette Mendel descobriram que, se ratos não ingerissem dois tipos de lipídio (gordura), apresentavam problemas cognitivos e de saúde. Os cientistas queriam batizar as duas gorduras de “vitamina F”. Mas isso estava tecnicamente errado – aquelas substâncias não eram “aminas”, ou seja, derivadas da amônia –, e o termo que acabou pegando foi outro: “ácidos graxos essenciais”. Nas últimas décadas, eles se tornaram mais conhecidos por seus nomes químicos, ômega-3 e ômega-6. Eles podem ser obtidos comendo peixes de água fria, como sardinha e salmão, ou vegetais como a linhaça.

O ômega-3 é importante durante toda a vida, desde a formação do feto até o desenvolvimento de sua capacidade cognitiva, passando pela saúde cardiovascular. Já o ômega-6 tem menos hype. Seus supostos benefícios estão associados ao aumento da imunidade, à prevenção de inflamações e à proteção da pele e do cabelo. Mas nada disso significa que tomar megadoses de ômega-3 e 6 em comprimidos possa trazer algum benefício. “Há muita informação equivocada a respeito. Mais do que pensar em pílulas mágicas, temos que melhorar nossas fontes alimentares”, diz o médico Alexandre Hohl, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Coma isto aqui

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(Studio Oz/Superinteressante)

1. Brócolis cozido
10 g (1 colher de sopa cheia)
Fonte de potássio e vitaminas A, C, K

2. Arroz integral
100 g (4 colheres de sopa cheias)
Fonte de fibras, ferro, fósforo, zinco, vitaminas E e K

3. Laranja Pera
90 g (1 unidade pequena)
Fonte de fibras, fósforo e vitamina C

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4. Couve manteiga
60 g (3 colheres de sopa cheias)
Fonte de vitamina A, vitaminas do complexo B, ferro, cálcio e magnésio

5. Iogurte natural
200 g (1 potinho)
Fonte de cálcio, proteínas e vitaminas do complexo B

6. Maçã
150 g (1 unidade média)
Fonte de potássio, fibras e vitamina A

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7. Cenoura cozida
50 g (2 colheres de sopa cheias)
Fonte de fósforo e vitaminas A e K

8. Rúcula (crua)
60 g (1 prato de sobremesa)
Fonte de vitamina K, fibras, cálcio e ferro

9. Semente de gergelim
18 g (1 colher de sopa cheia)
Fonte de cálcio, ferro, proteínas e vitaminas do complexo B

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10. Goiaba vermelha
170 g (1 unidade média)
Fonte de vitamina C, fibras e ferro

11. Aveia em flocos
15 g (1 colher de sopa cheia)
Fonte de fibras, proteínas, cálcio e vitamina E

12. Feijão preto
140 g (1 concha média cheia)
Fonte de vitaminas do complexo B, ferro, potássio e fibras

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13. Tomate (cru)
45 g (3 fatias médias)
Fonte de vitamina C, fibras, fósforo, potássio e magnésio

14. Azeite de oliva
5 g (1 colher de sobremesa)
Fonte de vitaminas E e K e ômega-3

15. Filé de abadejo
100 g (1 filé pequeno)
Fonte de ômega-3, ferro e proteínas

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16. Nozes
15 g (4 unidades)
Fonte de ômega-3, zinco e vitamina E

17. Ovo de galinha
45 g (1 unidade média)
Fonte de vitaminas do complexo B, ferro, proteínas

18. Pão integral
50 g (2 fatias)
Fonte de fibras, ferro e vitaminas do complexo B

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