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Os 50 filmes mais inteligentes de todos os tempos – Distopias

Por que os filmes que tratam do futuro raras vezes mostram sociedades humanistas, despoluídas, pacíficas e que primam pela igualdade? Já reparou? Na ficção científica, o pessimismo prevalece.

Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria
Ilustrações: Cristina Kashima | Imagens: Divulgação


Uma resposta possível é que a utopia é o desejo de todos, mas… não tem muita graça. O cinema depende de conflito, então nada melhor que colocar os personagens num tempo em que a barbárie foi instaurada, a tecnologia joga contra o ser humano e a natureza não passa de uma nostalgia.

E vamos combinar: desde que o cinema nasceu, no fim do século 19, a história tem sido pródiga em matéria-prima para distopias. O nazismo foi a inspiração de 1984, de George Orwell; o totalitarismo inspirou Laranja Mecânica, o livro de Anthony Burgess… Perspectivas distópicas têm servido de inspiração para alguns dos filmes mais inteligentes de todos os tempos. E há o inverso também: O Show de Truman acabou dando ideias para a vida real.

Filhos da esperança

Por que está aqui: representa, com uma pandemia de infertilidade, o desespero de uma sociedade oprimida.

Children of Men | Direção e roteiro: Alfonso Cuarón


Distopia é a descrição de uma sociedade imaginária em que tudo está organizado de forma opressiva, totalitária ou assustadora. Filmes que fazem previsões catastróficas, ou simplesmente muito pessimistas, do futuro da humanidade têm formado um subgênero dentro do campo da ficção científica. É nesse universo que Filhos da Esperança se insere. Lançado em 2006, vale lembrar, o filme é ambientado na Inglaterra de 2027 (estamos chegando lá!), um lugar afetado pelas mudanças climáticas, ataques terroristas e divisões sociais. Por um regime opressor também, que faz campanha para que a população denuncie imigrantes ilegais às autoridades, para que sejam presos – trancados em jaulas – e mandados de volta às condições terríveis de seus países de origem. Algo que às vezes significa uma condenação à morte. Tudo isso era plausível, e talvez já existisse em certo grau, 14 anos atrás, quando o filme chegou às telas. Mas impressiona como algumas de suas previsões se confirmam tão cedo.

Theo (Clive Owen) é um herói improvável neste thriller futurista, tão distante quanto possível do personagem épico que a aventura à sua frente exige: surge como um funcionário público que, no passado, foi ativista político, um idealista, mas que agora afoga sua frustração no estupor alcoólico. Quando enfim revê a ex-esposa (Julianne Moore) – que persiste na militância, liderando um movimento de resistência antigoverno –, ele se envolve, de princípio a contragosto, em uma missão de risco: ajudar uma refugiada africana a atravessar fronteiras. Mas por que – um cínico como ele – arriscaria o pescoço por essa imigrante específica, quando há milhares fugindo da perseguição e do cativeiro? A resposta envolve o aspecto distópico principal do enredo – fantasioso, no caso, mas que reflete a preocupação mundial com a superpopulação: no futuro do filme, as mulheres se tornam, todas, inférteis, e o último indivíduo que nasceu tinha 18 anos antes de ser assassinado. Não requer muita matemática para concluir: a raça humana está a poucas décadas de sua finitude.

Mas eis que… não se sabe por qual milagre, a refugiada protegida por Theo está grávida – de oito meses. É a esperança do título brasileiro: de que a humanidade não seja extinta. E é também a oportunidade de Theo se reencontrar. De ter em si, uma vez mais, o comprometimento de uma ação guiada pela moral – uma redenção. Alfonso Cuarón não deixa clara a razão dessa pandemia de infertilidade. É a espécie rara de artista que não gosta de explicar tudo ao espectador: “Há um tipo de cinema que eu detesto, que vive de exposição e explanações”, disse o mexicano em uma entrevista à época do lançamento do filme. “Esse cinema tornou-se um meio para leitores preguiçosos e é refém da narrativa. Eu prefiro a narrativa como refém do cinema.” Já o filósofo Slavoj Žižek, um especialista em cultura pop, captura um sentido metafórico para o fenômeno. Segundo ele, o filme é a comunicação de um desespero paralisante diante das políticas mais anti-humanistas: “a infertilidade é tanto biológica quanto espiritual”.

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Planeta dos macacos: a origem

Por que está aqui: explica uma coisa que a ciência já sabe, #somostodosmacacos.

Rise of the Planet of the Apes | Direção: Rupert Wyatt | Roteiro: Rick Jaffa e Amanda Silver


Se você soubesse que chimpanzés estariam prestes a tomar o planeta da gente, você torceria pelos macacos? Provavelmente sim, se sua resposta se basear neste filme. Tendo como referência o clássico distópico O Planeta dos Macacos (1968), esta produção conta o que aconteceu antes de os chimpanzés dominarem o mundo. E o protagonista aqui não é humano, mas o macaco – o superdotado Caesar (Andy Serkis, o ator que é rei no uso da técnica de captura de movimento).

Tratado por um cientista (James Franco) como se fosse uma criança humana, Caesar tem sua inteligência anabolizada por uma droga experimental, que tem como efeito inesperado bombar a cognição mental e emocional do macaco. E isso o leva à frustração de não se encaixar – nem entre os humanos, nem entre os primatas. Seu comportamento incompreendido faz com que acabe preso. E é quando mais empatizamos com ele: compreendemos suas frustrações, seu medo quando é tirado de casa e jogado numa jaula, ao lado de feras que não têm seu QI. Não é difícil que adolescentes se identifiquem com um personagem que se sabe excepcional em algum nível, mas que se ressente de não ter a individualidade reconhecida.

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Vale lembrar que não é o fato de ter sido “humanizado” que provoca confusão ao seu redor. O contexto desse entorno é que se mostra inaceitável – para não dizer hediondo. No “santuário” de macacos, Caesar sofre violência constante dos cuidadores e dos outros animais. A única reação possível é se revoltar. E a rebelião de Caesar será o estopim que pode levar ao final da hegemonia humana na Terra.

Planeta dos Macacos: A Origem é um belo drama familiar, embora predominem o suspense e a ação. É, além disso, muito sombrio, tem um clima de juízo final e de descontinuidade da vida como ela é. Destaque para a linda – e aterrorizante – cena da chuva de folhas numa rua residencial, provocada por um tsunâmi de macacos em disparada pela copa das árvores. A cena empresta um quê de Stanley Kubrick a esta produção, como se O Iluminado encontrasse Frankenstein – outra fábula de uma criatura revoltada contra seu criador.

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O show de Truman

Por que está aqui: antecipou o Big Brother e a perda de privacidade na internet.

The Truman Show | Direção: Peter Weir | Roteiro: Andrew Niccol


Truman Burbank (Jim Carrey) não é uma celebridade. Pelo menos, não na vidinha que ele acredita que seja o mundo real. Ainda assim, o planeta inteiro sabe tudo sobre ele. Porque a sua vida é uma grande mentira, e esse vendedor de seguros é a estrela do maior reality-show de todos os tempos. Desde que nasceu, sua existência é filmada 24 horas por dia, seus amigos e parentes são atores interpretando, e a cidade onde mora é o maior estúdio já construído – “a única edificação visível do espaço além da Muralha da China”. Até que uma parte da iluminação desse set cai no meio da rua – vindo do que Truman julga ser o céu. E ele começa a desconfiar.

A reflexão é: até onde vão os limites da mídia de entretenimento? E, num contexto atual, que mundo é este no qual nossos dados são obtidos na malandragem (ou alguém lê os termos de concordância do Facebook?) para depois serem vendidos pelos gigantes da internet? Há alguém do lado de lá que sabe tudo sobre a nossa vida – ainda que não sejamos figuras públicas.

A estreia do filme aconteceu meses antes de a produtora holandesa Endemol criar o primeiro Big Brother (a Globo compraria os direitos em seguida). Desde o lançamento, este drama com pinta de comédia causou tanto impacto que virou tema de estudos mundo afora. A ideia já parece tão verossímil que pesquisadores do Instituto de Psiquiatria de Londres descreveram um distúrbio mental que chamaram de “síndrome de Truman”: os doentes acreditam que vivem num filme, enganados pelos outros “atores”.

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Laranja mecânica

Por que está aqui: questiona: no estado autoritário, quem é pior, o agressor ou o repressor?

A Clockwork Orange | Direção e roteiro: Stanley Kubrick


Não eram nazistas, mas soldados americanos os que espancaram e estupraram a esposa de Anthony Burgess na 2ª Guerra Mundial. O trauma inspirou o escritor a criar o personagem Alex DeLarge, um adolescente que, num futuro indeterminado, sai com uma gangue para barbarizar quem estiver pela frente – e que depois sofre uma lavagem cerebral do Estado, quase tão feroz quanto seus crimes. Tudo para que ele vire um cidadão de bem, inofensivo.

No filme, baseado no livro, a intenção é mostrar o conflito entre livre-arbítrio e controle estatal. As ações dessas autoridades lembram projetos de internação compulsória de drogados e a remoção em massa de moradores de rua – episódios marcados pela brutalidade. A questão levantada é sobre quem é pior: o que comete a transgressão ou quem a reprime.

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Décadas antes da selvageria estilizada de Tarantino, a ultraviolência aqui é apresentada com um sex-appeal chocante. Em uma cena de estupro, Alex canta e dança “Singin’ in the Rain” (do musical Cantando na Chuva) enquanto surra um idoso e arranca a roupa da esposa dele. Depois mata outra mulher com uma escultura de pênis gigante.

Só que tanto estilo acabou levando delinquentes da época a cometer crimes inspirados no filme – uma holandesa foi violentada na Inglaterra por um bando que cantava “Singin’ in the Rain”. A coisa saiu do controle e Stanley Kubrick, num gesto inédito, decidiu pela autocensura: proibiu a exibição de Laranja Mecânica na Inglaterra enquanto vivesse.

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Minority Report – A nova lei

Por que está aqui: faz refletir sobre a resposta à criminalidade num mundo em que a Justiça é falível.

Minority Report | Direção: Steven Spielberg | Roteiro: Scott Frank e Jon Cohen


Vale a pena sacrificarmos tanto a privacidade individual quanto a ideia de livre-arbítrio em prol de uma suposta segurança contra o crime? Muita gente acha que sim. É essa a reflexão por trás deste enredo futurista, adaptado de uma história do autor de ficção científica Philip K. Dick. Uma ponderação que vem embalada numa das experiências mais radicais de Spielberg com o uso de efeitos especiais. A tecnologia aqui está tanto a serviço de impressionar o espectador quanto retratar as tendências de um futuro crível – ainda que tenha tanto de distopia.

Para chegar lá, o diretor se preparou: três anos antes das filmagens, ele reuniu um time de 16 especialistas em tendências para o futuro. A missão: prever como será a vida em 2054. A equipe incluiu Shaun Jones, diretor da Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas de Defesa dos Estados Unidos – além de experts em urbanismo, carros, realidade virtual… e até o fundador da revista Wired. Deu tão certo que, vira e mexe, você lê sobre novas tecnologias que já estavam no filme – como a interface em que o policial John Anderton (Tom Cruise) navega por várias telas só mexendo as mãos, lançada em 2012 pela Oblong Industries, e também os carros autônomos, a publicidade personalizada e as residências com comandos acionados por voz.

Na trama, uma unidade policial de Washington, DC, acaba com os roubos e homicídios graças a um programa chamado Precrime: videntes, conhecidas como Precogs (uma abreviação para “pré-cognitivo”), dão detalhes de um assassinato que ainda vai acontecer, e o acusado é caçado e recebe voz de prisão, mesmo sem ter feito nada… ainda. O sistema é considerado infalível, pelo menos até o dia em que aponta o dedo para o próprio líder dessa tropa de elite (o personagem de Cruise). Começa aí a parte da história que, em meio aos cenários futuristas, combina duas tradições do gênero policial: a de filme de fuga e perseguição com a do “homem errado”, o inocente que se vê acusado pela Justiça.

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Matrix

Por que está aqui: usa parábola de Platão para falar do risco das máquinas inteligentes.

The Matrix | Direção e roteiro: Irmãs Wachowski


O filme das irmãs Wachowski nos deixa de orelha em pé diante de uma questão presente: até que ponto a inteligência artificial pode colocar a humanidade em risco? Matrix é o nome de uma fábrica de sonhos, uma ilusão plantada na mente dos seres humanos e que imita a vida comum. Enquanto isso, o mundo de verdade, esse sim, parece pesadelo: a humanidade está escravizada e inconsciente, nossa energia servindo de pilha para máquinas tão inteligentes quanto perversas. Vale a pena acordar para esse futuro distópico? Ou é preferível o conforto da ilusão? O hacker Neo (Keanu Reeves) ganha a oportunidade de conhecer o mundo real. E um grupo de resistência à máquina o liberta das baterias da Matrix para que ele seja o novo líder da rebelião.

Há tempos a filosofia investiga o trunfo do argumento desta aventura cibernética: afinal, nossa interpretação de tudo aquilo que passa pelos nossos sentidos é de fato a realidade? Ou existe uma realidade outra que não apreendemos?

Como explica o espanhol Juan Antonio Rivera, em O que Sócrates Diria a Woody Allen?, Matrix tem raízes no mito da caverna de Platão. Nessa alegoria, o filósofo pede que imaginemos uma caverna onde vivem pessoas que nasceram e cresceram ali, acorrentadas e obrigadas a olhar a vida inteira para sombras na parede. Desde sempre, os prisioneiros julgam que o mundo se resume àquelas sombras. Até que um “escolhido” – como Neo – escapa e descobre o que existe fora daquele buraco. Essa base platônica coloca Matrix acima de 90% dos enredos de ficção científica.

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Expresso do amanhã

Por que está aqui: usa a divisão de classes num trem pós-apocalíptico para falar de desigualdade.

Snowpiercer | Direção: Bong Joon Ho | Roteiro: Kelly Masterson e Bong Joon Ho


Foi o primeiro filme em inglês de Bong Joon Ho, criador de Parasita, o grande vencedor do Oscar 2020. E parte de uma premissa até utópica: as nações desenvolvidas concordariam que o aquecimento global está fora de controle e tomariam providências. Mas é a distopia que assume a partir daí.

A ação conjunta é dispersar uma substância de resfriamento artificial nas camadas superiores da atmosfera, para derrubar a temperatura. Só que não dá certo: isso cria uma Era do Gelo no planeta, extinguindo toda a vida. Ou quase toda. Os únicos sobreviventes estão a bordo de uma espécie de Arca de Noé sobre trilhos – um trem que atravessa as superfícies geladas sem nunca parar (senão ele congela).

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Mas há um sistema de classes: nos vagões de trás, as pessoas são mantidas em condições sub-humanas, se alimentando com uma ração gelatinosa à base de insetos. Já a frente do trem é o mundo desenvolvido: escola boa, muita festa e até sushibar. Curtis (Chris Evans) é o rebelde que vai liderar uma luta de classes em direção aos vagões de luxo.

 

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Fahrenheit 451

Por que está aqui: mostra os efeitos da disseminação da burrice – um problema dos nossos tempos.

Fahrenheit 451 | Direção: François Truffaut | Roteiro: Jean-Louis Richard e François Truffaut


Realizado mais de 50 anos antes do novo obscurantismo de terraplanistas e movimentos antivacina, este filme faz imaginar como seria se uma visão política contrária ao conhecimento e à cultura predominasse num país totalitário.

Com base na obra homônima de Ray Bradbury, lançada 13 anos antes do filme, Fahrenheit 451 mostra uma sociedade condicionada pelas imagens da TV estatal, e onde o gosto por literatura, jornais e revistas é delito sem perdão. Crime mesmo.

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O protagonista, Montag (Oskar Werner), é um bombeiro-policial que queima livros encontrados nas mãos dos delinquentes que insistem na liberdade de ser leitores. E sua esposa (Julie Christie) é cidadã exemplar: passa o dia anestesiada com pílulas e hipnotizada pela TV.

A rotina profissional do agente segue previsível até que o conflito se instaura na figura de outra mulher: é uma subversiva. Clarisse (também Christie, que aqui assume dois papéis) atrai a atenção de Montag e o faz experimentar a droga proibida: um livro. Isso vira de cabeça para baixo toda a percepção de mundo do policial – que passa de homem da lei à condição de fora da lei.

Em seu primeiro filme colorido, Truffaut dá sentido a cada uso da cor, com ênfase no vermelho e laranja rascantes, lembrando a ameaça do fogo. As cores só ficam suaves na “floresta dos homens-livros”, onde leitores exilados criam uma sociedade alternativa com espírito poético: cada morador da comunidade é responsável pela memória de uma obra literária, decorando um livro inteiro de cabeça, só para depois poder compartilhar – e torná-lo perpétuo.

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