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A história de Apolo, o deus “que fere de longe”

Com múltiplos papéis e funções, Apolo, o filho de Zeus, enfrentava perigos com flechas infalíveis. Mas ele também tinha um lado sombrio.

Por Andreas Müller e José Francisco Botelho
3 abr 2020, 09h45

Nenhuma gravidez foi mais sofrida que a de Leto, filha dos titãs Céos e Febe, e uma das amantes favoritas de Zeus. Perseguida pelos ciúmes da implacável Hera, ela penaria para dar à luz dois gêmeos divinos: Ártemis, a deusa da caça, e seu irmão, Apolo – um dos mais fascinantes e multifacetados personagens do Olimpo. “Depois de Zeus, Apolo foi a maior de todas as divindades da mitologia”, escreveu o helenista Walter Friedrich Otto em Os Deuses da Grécia, obra clássica sobre o assunto, publicada em 1928. “E, em certo sentido, ele também foi o mais grego dos deuses”. Isso porque os gregos apreciavam a simetria e a moderação, tanto nas artes como em todos os aspectos da vida, e Apolo representava essas virtudes. Mas o deus percorreu um longo e atribulado caminho antes de se tornar a encarnação da harmonia.

Decidida a punir Leto, a vingativa Hera proibiu que Gaia, a Mãe Terra, abrigasse o trabalho de parto: os bastardos divinos não poderiam nascer sobre terra firme. Não satisfeita, a deusa ordenou que a monstruosa serpente Píton perseguisse a amante de Zeus até os confins do mundo.

Desesperada, Leto buscou repouso em cada uma das ilhas do mar Egeu. Mas foi enxotada de todas: ninguém ousava desobedecer Hera. A salvação veio em Ortígia, uma ilha diferente de todas as outras, pois não estava presa ao leito do oceano. Em vez disso, boiava sobre as águas como um barco. Por isso, estava fora da alçada de Gaia, com a qual não tinha contato algum. Lá, após muito sofrimento, Leto deu à luz os gêmeos.

Emocionado, Zeus prendeu Ortígia ao fundo dos oceanos, transformando-a em uma ilha como todas as outras – agora, rebatizada como Delos. Finalmente, os rebentos de Leto tinham terra firme para crescer em paz. Alimentado com néctar e ambrosia, Apolo se tornou um rapaz alto e esbelto em apenas quatro dias de vida. E imediatamente buscou armas para vingar as agruras de sua mãe. Contou com a ajuda de Hefesto, o ferreiro divino, que o presenteou com arco e flechas de ouro (Ártemis, irmã de Apolo, receberia armas semelhantes, só que forjadas em prata).

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Apolo acomodou as setas nas costas e correu para sua primeira grande aventura: matar a pavorosa Píton. A criatura estava vivendo no monte
Parnaso, perto da cidade de Delfos, no centro da Grécia. De arco em riste, Apolo saltou no caminho do monstro e disparou três flechas de uma só vez: uma acertou o olho esquerdo; outra, o peito; e a terceira, a boca da serpente.

Em honra à façanha do deus, os gregos construíram um templo na cidade vizinha: o famoso Oráculo de Delfos. Lá, os fiéis acorriam para consultar as pitonisas – sacerdotisas de Apolo que faziam revelações sobre o futuro. Pois Apolo, o arqueiro infalível, também era considerado o deus da profecia – uma das múltiplas funções do eclético filho de Leto.

Luz e sombras

De cabelos loiros e sem barba, Apolo tinha a aparência de um rapaz na exuberância da juventude – e, não por acaso, era adorado como protetor dos jovens. Os gregos também o consideravam o patrono da medicina e das artes, principalmente a música. Com sua lira – que havia comprado do meio-irmão mais moço, Hermes –, Apolo dedilhava melodias nos banquetes do Olimpo. Além de tudo isso, era também o deus da luz: sem ele, as trevas desabariam sobre o mundo. Os navegantes gregos não poderiam cruzar os mares escuros e os viajantes ficariam perdidos, sem conseguir enxergar as estradas.

Contudo, a luminosa divindade também tinha um lado sombrio. “Ao mesmo tempo em que estava ligado à medicina, Apolo era visto em alguns casos como um deus que trazia a morte”, explica o helenista Carlos Moreno, autor de Um Rio que Vem da Grécia e outros livros sobre a Antiguidade clássica. Os antigos gregos tinham uma divindade que personificava a morte em geral: Tânatos, um dos filhos da Noite e de Érebo.

O aspecto mortífero de Apolo, contudo, era mais específico e cruel: ele representava as mortes repentinas e as epidemias que atingiam cidades. Quando alguém morria em um acidente inesperado ou tombava com uma doença sem cura, por exemplo, os gregos acreditavam que a pessoa havia sido atingida por uma flecha do infalível arqueiro divino – que, nos poemas de Homero, era chamado “aquele que fere de longe”.

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Mais de uma vez, o temperamento orgulhoso de Apolo o colocou em conflito com seu pai. Em uma ocasião, o jovem deus chegou a participar de uma conspiração para destronar Zeus. Outra rusga ocorreu por causa de Asclépio, o amado filho de Apolo com a mortal Corônis. Asclépio foi o maior médico da mitologia. Seu talento era tão milagroso que, certa vez, conseguiu trazer um morto de volta à vida. A façanha enfureceu Hades: Asclépio, afinal de contas, roubara-lhe um súdito. O senhor dos mortos exigiu vingança.

Zeus serviu como juiz no caso: decidiu que Asclépio havia desrespeitado os direitos de Hades e, portanto, quebrara a ordem do mundo. Como punição, Zeus matou o médico com um relâmpago. Apolo ficou furioso, mas não ousou atacar o próprio pai. Descarregou a fúria matando a flechadas os três ferreiros que haviam forjado o relâmpago de Zeus: os ciclopes Brontes, Estérope e Arges. O senhor do Olimpo resolveu dar ao filho uma punição exemplar pelo atrevimento: ameaçou jogá-lo no abismo do Tártaro. Mas acabou amenizando a sentença, e condenou Apolo a viver como um simples pastor, na Tessália, durante um ano.

Após esse castigo, Apolo aprendeu sua lição. Jamais voltou a desafiar Zeus e passou a controlar seu gênio vaidoso. Tanto que, além de todas suas outras funções, a divindade de múltiplos talentos se tornou o patrono da harmonia e do autocontrole. Os gregos atribuíam a ele um dos ditados mais repetidos na Antiguidade: “Não faça nada em excesso”.

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Louros do amor frustrado

Perseguida por Apolo, Dafne virou uma árvore

Apesar de sua beleza transcendental, Apolo nem sempre foi feliz no amor – tanto que sofreu uma das rejeições mais famosas da mitologia. Por obra de Eros, o deus do amor, Apolo nutriu uma paixão louca pela ninfa Dafne, filha do deus-rio Peneu. Contudo, Dafne sentia uma repulsa irracional sempre que Apolo se aproximava. Certo dia, Apolo tentou tomá-la nos braços. Dafne fugiu, horrorizada.

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Por dias, o deus perseguiu sua amada, correndo por bosques, vales e montanhas. Com as pernas fracas e a respiração ofegante, Dafne percebeu que Apolo estava prestes a alcançá-la. Desesperada, rogou socorro a seu próprio pai. “Ajudeme, Peneu! Abra a terra para me envolver ou mude minhas
formas, para que a paixão de Apolo se acabe!”.

Imediatamente, a ninfa sentiu um formigamento pelo corpo. Uma casca áspera e escura começou a crescer sobre sua pele suave. Os dedos dos pés se alongaram, transformando-se em raízes. Os cabelos desgrenhados ganharam uma cor verde escura e, gradualmente, foram se convertendo em
folhagens. Ao mesmo tempo, as mãos e os braços ficaram nodosos e rígidos: viraram galhos. Dafne havia se metamorfoseado em uma árvore: o loureiro.

Ainda embriagado de amor, Apolo abraçou o arbusto, acariciou suas folhas e jurou: “Já que não pôde ser minha esposa, você será a minha planta preferida e vai me acompanhar eternamente. Usarei as suas folhas sempre verdes como coroa e você participará em todos os meus triunfos, consagrando as frontes dos heróis”. A partir de então, o ramo de louros foi o mais célebre símbolo de glória entre os gregos e os romanos – e uma dolorosa lembrança de um amor jamais correspondido de Apolo.

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