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O mundo devora 3 mil pacotes e copos de miojo por segundo

Saiba como a 2ª Guerra, um gênio dos negócios e um milagre econômico deram à luz o miojo. E entenda os riscos que os blocos de lámen trazem para a saúde

Por Ulisses Cavalcante
Atualizado em 13 dez 2019, 16h27 - Publicado em 20 nov 2016, 17h35

Quem nunca levou miojo para uma viagem que atire o primeiro saquinho de tempero. O arroz com feijão, aliás, que nos perdoe, mas não existe alimento mais extraordinariamente banal que o lámen desidratado vendido em saquinhos individuais – um produto prestes a completar 60 anos de idade, e que encarna como poucos o lado bom e o lado mau da alimentação moderna.

Tal como a ONU, a União Europeia e a adoção do dólar como moeda global, o miojo é um filhote da 2ª Guerra. A ideia de produzir blocos de macarrõezinhos encaracolados, afinal, surgiu num Japão em ruínas: 3 milhões de mortos, economia destroçada, indústria capengando, produção agrícola em queda livre. Fome. Nesse país vilipendiado, um certo Momofuku Ando tentava reconstruir sua vida. Ele tinha 38 anos e uma falência nas costas – a tecelagem que mantinha em  Osaka não aguentou a crise do pós-guerra. Agora, em 1948, Momofuku passava a vender sal para sobreviver às vacas magras.

Empreendedor serial, o japonês não via a hora de ampliar sua participação no setor alimentício para além dos saleiros. Esperto, detectou uma oportunidade.

A seguinte: um dos alimentos mais comuns do Japão, junto com o arroz, é o lámen – um macarrão fresco, servido na forma de ensopado. Com a agricultura em baixa, o Ministério da Saúde passou a promover a substituição do lámen por pão, fabricado com farinha de trigo que os EUA doavam. O Ministério justificou a iniciativa dizendo que a produção de lámen era esparsa e amadora.

Ou seja: seria desperdício mandar a farinha americana para esses microprodutores. Era mais negócio produzir pão em larga escala, de forma mais centralizada, e distribuir pelo país – até porque pão é um alimento menos perecível do que macarrão fresco. Mas faltava combinar com a população: pão nunca foi um alimento popular nas terras nipônicas. Momofuku, então, imaginou que, se conseguisse tornar o lámen tão fácil de distribuir quanto o pão, descobriria a pedra filosofal da indústria de alimentos.

Ele foi mais longe, e decidiu fazer uma versão pré-cozida do alimento. Criou, então, um método de desidratação por fritura rápida em gordura que matava dois coelhos de uma vez só: o de retirar a água do macarrão e o de acelerar o modo de preparo dos fios quando eles chegassem às casas dos consumidores. Em 1958 seu macarrão desidratado finalmente estava pronto para chegar às prateleiras e salvar o Japão da fome. Só tinha um problema: não havia mais fome.

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O Japão já vivia um milagre econômico desde 1955, com seu PIB crescendo a taxas equivalentes às que a China exibiria no início do século 21. Quando chegou às lojas, então, cada bloco pré-cozido de lámen do Sr. Ando saía mais caro que o macarrão fresco – a indústria japonesa de lámen, ao contrário do que o Ministério da Saúde imaginava, não era tão amadora assim. Nisso, o lámen desidratado estreou custando 36 ienes, seis vezes mais que o macarrão fresco.

As nossas vidas são o spoiler maior dessa história. Nós sabemos que a criação de Momofuku Ando deu certo. Mas como deu certo, se não tinha um preço competitivo? Por uma razão: falta de alimento podia não ser mais o problema para os nipônicos. Mas havia outra privação agora: a falta de tempo.

Com o país em franca expansão, não era raro trabalhadores terem apenas 20 minutos para almoçar. O lámen instantâneo, pronto para comer em apenas três minutos, era o par perfeito para as refeições com tempo contado. Ando já tinha pensado nisso – sua inspiração primeira, lá no fim dos anos 1940, pode ter sido a fome, mas àquela altura ele já sabia que o país precisava mais de um alimento rápido do que de um alimento barato.

O lámen instantâneo estreou com um nome espartano:  “Chikin Rámen”. É  que “frango” em japonês é “chikin” mesmo – uma palavra que vem direto do inglês. E curiosidade: fala-se “lámen” porque a língua japonesa não distingue os sons de R e L, mas a grafia original usa a letra R mesmo. No Brasil e em outros países, adotou-se o L para acompanhar o fonema.

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Para a empresa que produziria o macarrão instantâneo, Ando escolheu outro nome: “Nissin”, uma palavra que existe tanto no hebraico como no hindi, e que significa “milagre”. E foi mais ou menos o que aconteceu com sua Nissin Food Products. Em dois anos, Momofuku Ando levou sua produção semiartesanal de macarrão para uma linha de montagem totalmente automatizada em uma fábrica de 15 mil metros quadrados, com capacidade de produzir 100 mil blocos de lámen pré-frito por dia.

A saga do miojo
(Rômolo/Superinteressante)

 

 

Nessa toada, a Nissin tornou-se uma das maiores anunciantes do Japão, lançando mão de uma nova mídia que ganhava popularidade no país: a televisão. Ando também investiu em vending machines para vender seu macarrão, ajudando essas máquinas a se tornarem um símbolo do Japão moderno (hoje elas estão por todo lado e vendem batata frita, pizza, ovos, brinquedos, flores, guarda-chuvas, calcinhas – usadas, para eventuais pervertidos inalarem).

Como não tem bobo na indústria alimentícia, a ideia de Momofuku logo foi copiada por outras companhias do ramo Japão afora. Entre elas, uma certa Myojo Foods, que já existia como fabricante de massas desde 1950. E foi com esse nome que a coisa chegou ao Brasil, você sabe. Mas não pelas mãos da Myojo Foods: quem lançou o macarrão instantâneo nas nossas terras foi um empresário chinês.

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Em 1965, ele passou a produzir a coisa por aqui. Na hora de criar uma marca para seu produto, inspirou-se na concorrente de Ando, substituindo o Y por um I, e voilá: o macarrão instantâneo chegava às nossas prateleiras com o nome de Miojo Macamen.

Como ainda faltavam uns 40 anos para a invasão dos restaurantes japoneses às nossas cidades, os brasileiros não faziam ideia do que era lámen, então a descrição na embalagem atirava para todo lado. Dizia “spaghetti vitaminado instantâneo tipo yakissoba com tempero sabor galinha”. Seja como for, a marca logo viraria um Bombril, uma Gilette, um Cotonete: batizaria o produto que embalava.

Os saquinhos de tempero, na época, eram feitos pela japonesa Ajinomoto. Até que a companhia decidiu virar dona do pacote inteiro: em 1972, virou sócia da Miojo. Três anos depois, a própria Nissin chegaria ao Brasil. Ela desembarcou por aqui formando uma joint-venture justamente com a Ajinomoto. E acabou por assumir o controle do negócio de macarrão instantâneo. Pronto. Por vias tortas, o nosso miojo chegava aos braços do pai do macarrão instantâneo, Momofuku Ando, que morreria só em 2007, aos 96 anos.

Em 2015, a Nissin ainda pagaria R$ 1 bilhão pelos 45% que a Ajinomoto detinha na joint venture brasileira. Mesmo assim, a velha marca Miojo ainda sobrevive: ela aparece pequenininha na embalagem da última geração do produto do Sr. Ando, há um bom tempo renomeado por aqui como “Nissin Lámen”. E hoje a empresa que inventou o macarrão instantâneo responde por metade das vendas no Brasil. Os outros 50%  ficam com Nestlé, Vigor e várias outras concorrentes, todas disputando um mercado que consome 2,3 bilhões de porções de macarrão instantâneo por ano (contando aí os Cup Noodles e afins, mais recentes).

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É miojo para caramba: isso torna o Brasil o segundo maior consumidor da gororoba fora da Ásia, atrás apenas dos EUA, que consomem 4,3 bilhões. No mundo, as vendas anuais giram na faixa de 100 bilhões de pacotes e copos – 3,1 mil porções por segundo. A China, que além de fã de lámen tem centenas de milhões de trabalhadores sem tempo (nem dinheiro), é a líder: responde por 40% da demanda global. Mas os campeões em consumo por habitante não são eles, mas os sul-coreanos, que devoram absurdas 69 refeições instantâneas por ano – lindo para os fabricantes da coisa, terrível para eles.

Bombas de sódio

Esse nível de consumo, segundo um estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard, fez crescer os índices de diabetes, obesidade e problemas cardíacos na Coreia do Sul. Um agente por trás disso pode ser a quantidade de gordura saturada em cada pacote. O consenso é que o consumo máximo desse tipo de gordura (que pode causar problemas cardíacos e cia.) fica em torno de 20 gramas. Um pacote típico de macarrão instantâneo tem 7 gramas. Faça um miojo, adicione um pão com manteiga na chapa e carne vermelha no seu dia e você ultrapassa fácil essa fronteira. Mas o problema mesmo do macarrão instantâneo é outro: ele é uma bomba de sódio. Cada pacote, contando o saquinho de tempero, tem 1,6 grama desse carrasco do coração. Isso equivale a 33 latinhas de refrigerante zero –ou a 100 de refrigerante normal, já que o zero tem três vezes mais sódio. Note que a dose máxima de sódio recomendada pela Organização Mundial de Saúde é de 2 gramas por dia. Num levantamento que a Anvisa fez em 2012, o macarrão instantâneo só não apresentou mais sódio por centímetro cúbico do que parmesão puro.

Mas ok. Um pacote de lámen pré-frito, afinal, não é uma “refeição”. É fun food – como um Big Mac, um brigadeiro, uma cerveja. Você pode continuar aproveitando a invenção do Sr. Ando, claro. Só não exagere. E quando for acampar dê uma chance para o macarrão normal também. Em dez minutinhos já está pronto.

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