Dagomir Marquezi
A primeira vez ninguém esquece. Não mais que de repente, havia um israelense me vendo em minha casa e ele não havia saído da escrivaninha dele em Israel. E eu, sem sair do caos do meu escritório em São Paulo, estava na casa dele, em alguma zona residencial de Telavive. Nem me lembro o nome do homem, mas ficamos rindo à toa ao perceber que o novo brinquedo estava funcionando, e bem.
Ao saber que eu estava em São Paulo, ele passou a elogiar as mulheres brasileiras e disse que não perdia uma transmissão do nosso carnaval pela TV. Já “íntimos”, eu entreguei meu nome e minha idade. E ele se identificou dizendo que era um engenheiro elétrico de 28 anos.
Nesse momento, nós dois, separados por mais de 10 000 quilômetros, percebemos que uma nova era da comunicação havia começado. “Você não tem 28 anos”, observei, e o engenheiro de Telavive caiu na gargalhada. Ele era provavelmente um clássico paquerador da Internet, que podia dizer que tinha 28 anos, que era louro e musculoso, e que tinha olhos azuis-claros.
Eu observava o tal engenheiro e via que era um sexagenário tão sexy quanto o Alan Greenspan. Ele havia se esquecido que tinha uma webcam apontada para si e de que o tempo das mentirinhas sem rosto havia acabado.
Com espírito esportivo, o israelense riu muito da mancada. Em seguida, disse que a esposa o chamava (provavelmente outra mentirinha), se despediu e desligou.
dagomirmarquezi@abril.com.br
Gregos, cambojanos e tailandeses
Já conheci um punhado de pessoas através da webcam. Uma garota grega, da Ilha de Creta, ficou me olhando encabulada, sem dizer nada.
O mesmo aconteceu com um garotão da Nova Zelândia, que transmitia em preto e branco e não sabia o que fazer a não ser ajeitar os longos cabelos.
Conversei longamente com um policial do Camboja, que me pediu uma senha de software. Vi um pai na Tailândia mostrando ao filho a minha cara no monitor dele. Conheci também uma brasileira bastante saidinha e o que fizemos via Internet não pode ser descrito numa revista familiar como essa.
Adoraria fazer aqui um “guia completo” sobre webcams. Mas esse território é ainda tão inexplorado que tudo o que eu consegui produzir foi um depoimento estritamente pessoal sobre as comunicações com imagens via Internet. Aliás, desconfie de qualquer “guia completo” sobre as webcams. Seria tão “completo” quanto lançar um “guia completo do Brasil” em 1502.
Comecei comprando uma webcam (TCE NetCam310U, made in Brazil, a mais barata do mercado) e com ela veio o software que me abriu as portas para esse novo e estranho mundo.
A instalação dos programas é muito simples. O primeiro que usei foi o AV Email (www.avemail.com). Com ele, aprendi o conceito de “vmail”. Isso mesmo, vídeo-mail.
Em vez de escrever sua mensagem, você grava imagem e som e manda pela Internet. Tem que ser bem rápido: com uns 15 segundos de ação, o tamanho do arquivo aproxima-se dos 500 Kb.
Mas isso se resolverá na era próxima das conexões de alta velocidade.
Bonachões e taradões
Outro software recomendável é o velho conhecido InternetPhone (www.vocaltec.com/consumer/products/conproducts.htm). A sua versão 5 está funcionando muito bem.
Aí aprendi o conceito de videochat. Você entra numa sala e vê a lista de participantes (entre 200 e 300). Clica em algum com quem queira se comunicar e espera para ver se o outro lado aceita. Ao mesmo tempo, espera a possível chamada de algum. Se ambas as partes concordarem, vocês estarão se encarando na tela do computador em segundos.
Aí, vocês poderão conversar através do microfone do seu micro. Dependendo da qualidade da transmissão não dá para entender nada.
Aí, vocês abrem uma janela de diálogo digitado, parecida com aquela do ICQ. As duas partes conversam teclando enquanto se olham no monitor.
Tentei outros programas. Não consegui baixar o famoso CU-SeeMe. (Tente no https://www.cuseemeworld.com) Tentei também o NetMeeting, da Microsoft (www.microsoft.com/windows/netmeeting).
É o programa usado pelo UOL no seu “videopapo” (www.uol.com.br/videopapo). Funciona, mas o InternetPhone me pareceu mais simples e eficiente.
Detalhes técnicos à parte, existe muita coisa a ser resolvida nesses videochats. Neste seu período inicial, está difícil encontrar qualquer participante que não se interesse apenas por perversões sexuais à distância. Os pioneiros do videochat quase que se limitam a voyeurs e exibicionistas. Encontrar alguém que se proponha a um relacionamento clean, saudável, está difícil. Por isso, é preciso ter muito cuidado nesses videochats, especialmente com relação a crianças e adolescentes.
Uma webcam é um buraco de fechadura no interior de uma casa. Você (ou seu filho) pode ter as melhores intenções do mundo, mas não se sabe o que vai aparecer do outro lado. Pode ser um bonachão engenheiro de Telavive, pode ser um pedófilo exibindo as partes íntimas.
Câmeras para todos
Um cuidado possível para evitar encontros desagradáveis é escolher bem o interlocutor. Outro é entrar com a câmera apontada para a TV, ou a rua lá fora, e só depois de uma negociação prévia partir para a exibição de rostos e outros detalhes identificáveis.
Mas não cometa o erro de condenar a webcam pelos exageros que estão sendo cometidos. Ao contrário, compre a sua o mais rápido possível. Ela representa um sensacional meio de comunicação humana, um velho sonho da ficção científica que está virando realidade.
Quanto antes as webcams se espalharem, mais rápido os taradões da web serão confinados a seus guetos. A perspectiva que se oferece é a seguinte: esqueça o telefone para realizar caras chamadas interurbanas e internacionais.
No lugar do “quem está falando?”, poderemos ver o outro lado, mostrar nossas caras, conversar, escrever, tudo ao mesmo tempo, e praticamente de graça. Claro que as operadoras de telefonia não estão gostando da brincadeira.
E quem vai precisar delas? Num futuro cada vez mais próximo, cada residência deverá ter uma webcam conectada ao computador, um equipamento tão básico quanto aquele aparelho – como se chama, mesmo? – telefone.
Webcams estão sendo vendidas a menos de 250 reais, tornando-se acessórios essenciais de computadores de mesa, como CD-ROMs, mouses e teclados. O número de webcams instaladas tende a crescer geometricamente. Cada pessoa poderá transportar sua própria webcam junto ao seu laptop e todos poderão se ver a qualquer momento, em qualquer lugar. Com todos os seus defeitos e problemas imediatos, as webcams são símbolos perfeitos de sociedades abertas e livres.