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Conheça a Liga Anti-Máscara, formada nos EUA durante a Gripe Espanhola

O negacionismo diante de uma pandemia não é de hoje: em 1918, um grupo de São Francisco se uniu para protestar contra o uso de equipamentos de proteção.

Por Rafael Battaglia
22 Maio 2020, 18h45

O mundo foi tomado por uma pandemia, com milhares de mortes e milhões de infectados. Mas enquanto cientistas, autoridades e profissionais de saúde recomendam o uso de equipamentos de proteção e o distanciamento social, um grupo de pessoas passa a negar a eficiência dessas medidas, e age contra todas as indicações.

Esse parágrafo serviria para descrever a atual pandemia de covid-19 – e os vários grupos negacionistas nos EUA, no Brasil e em tantos outros países que se recusam a seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos respectivos órgãos de saúde locais. Mas também resume o caso da Liga Anti-Máscara, que se formou na cidade de São Francisco em plena Gripe Espanhola.

Essa história começa em outubro de 1918. Os primeiros casos da gripe em São Francisco haviam surgido no mês anterior, e a cidade, que tinha 500 mil habitantes, rapidamente atingiu 2 mil infectados. Não demorou para que as autoridades recomendassem que as pessoas ficassem em casa e evitassem multidões.

Com o tempo, comércios fecharam e o uso da máscara se tornou obrigatório – as campanhas eram incisivas. Os EUA lutavam na Primeira Guerra Mundial, e o governo associou as máscaras à uma atitude patriótica, de defesa do país. Um dos cartazes da Cruz Vermelha, na época, dizia o seguinte: “Tosse e espirros espalham doenças, algo tão perigoso quanto gás venenoso: a propagação da gripe espanhola ameaça nossa produção de guerra.”

Embora algumas pessoas reclamassem de usar as máscaras para sair às ruas, as autoridades não faziam vista grossa: a multa para quem andasse desprotegido ia de US$ 5 a US$ 10 (US$ 85 a US$ 170, em valores atuais). Nem o prefeito, James Rolph, escapou: em uma foto publicada no jornal, ele e outros funcionários públicos apareceram sem as máscaras, e o chefe de polícia multou Rolph em US$ 50.

As medidas rígidas funcionaram: estima-se que 80% dos moradores usavam máscaras. Pouco tempo depois, em 21 de novembro, São Francisco revogou a obrigatoriedade da proteção. As pessoas voltaram às suas rotinas de ir ao trabalho, aos parques, cinemas – e aí veio a segunda onda da epidemia.

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(Wikimedia Commons/Public Domain)

Nasce a Liga

A Gripe Espanhola – que, apesar do nome, provavelmente surgiu nos EUA – aconteceu em três ondas, e a segunda foi a mais severa. No total, a pandemia matou ao menos 50 milhões de pessoas (alguns estimam o dobro), além de infectar um terço da população global. Fez mais vítimas que as duas Guerras Mundiais, a Guerra do Vietnã e a da Coreia – juntas.

Com a situação piorando, em janeiro, a prefeitura de São Francisco voltou atrás e obrigou, novamente, o uso de máscaras – o que deixou alguns moradores insatisfeitos.

Aqui, vale uma contextualização. Além da Primeira Guerra Mundial e da pandemia, São Francisco também se recuperava de outra catástrofe: o histórico terremoto de 1906, que aconteceu na falha de San Andreas. O sismo, que ficou conhecido como Grande Terremoto de São Francisco, foi devastador. Atingiu oito graus na escala Richter (o maior que já aconteceu no país) e matou milhares de pessoas.

Com tantos infortúnios acontecendo sucessivamente, fica fácil entender o descontentamento e a falta de fé de parte da população. Quando a norma das máscaras voltou, imediatamente algumas pessoas pensaram: “Ora, se não funcionou da primeira vez, por que vão nos obrigar a usar de novo?”. Nascia ali a Liga Anti-Máscara.

A primeira assembleia do grupo reuniu mais de duas mil pessoas. Ela foi presidida por Emma Harrington, deputada que, em 1911, foi a primeira mulher da cidade a votar. As reuniões continuaram ao longo do mês – em uma delas, mais de 4,5 mil pessoas se juntaram para protestar contra o prefeito e o secretário de saúde, o Dr. William C. Hassler.

Eles defendiam que o uso das máscaras era um fardo, e questionavam a ciência sobre a eficácia delas. Além disso, diziam que havia outros problemas mais graves, como o desemprego dos soldados que voltaram da guerra, e que mereciam mais atenção. Segundo o jornal The Guardian, enviaram até uma bomba para Hassler. O endereço, felizmente, estava errado, e ninguém se feriu.

Apesar disso, as autoridades preferiram ignorar o movimento. A Liga, afinal, nunca conseguiu definir suas bases – uns queriam criar uma petição para que as máscaras fossem revogadas; outros, apenas pediam a demissão de Hassler.

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No fim das contas, não conseguiram nada disso. Registros mostram que, em 15 de janeiro de 1919 – um dia antes do segundo decreto das máscaras, – São Francisco registrou 510 novos casos de gripe e 50 mortes. Onze dias depois, esses números haviam caído para 12 casos e quatro mortes. Harrington logo saiu do comando da Liga, e o novo comandante a dissolveu. Ponto para a ciência.

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