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Conheça Malaca, a cidade malaia onde (ainda) se fala português

Se você quer visitar a Malásia, não deixe de conhecer Malaca, uma dos poucos locais da Ásia em que dá para se virar falando português

Por Salus Loch, da Malásia
Atualizado em 3 jan 2017, 11h11 - Publicado em 3 jan 2017, 11h08

Mesmo 375 anos depois de terem sido ‘enxotados’ pelos holandeses da cidade de Malaca, no Sul da Malásia, os portugueses ainda mantém raízes, monumentos e costumes na terra que dominaram por 130 anos (1511-1641) e que hoje é patrimônio da humanidade, segundo a Unesco.

Um dos principais traços da presença lusitana – além da fortaleza ‘A Famosa’, cartão postal da cidade – é a língua portuguesa, ainda falada por cerca de 1.000 moradores; a maioria, porém, na faixa dos  50 anos ou mais, o que coloca em risco a  perpetuação do idioma, que sequer é ensinado nas escolas.

Boa parte dos falantes da língua portuguesa, chamada pelos malaquenses de “Papia Kristang” (língua cristã), se concentra no bairro, ora pois, português, é claro. A vizinhança é ponto turístico obrigatório  para entender a formação de Malaca.

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Dando cumprimento às ordens do Rei Manuel I, foi construída uma fortificação em posição dominante no alto de um monte (com função principal de defesa), onde antes se erguia a mesquita da cidade. Ela ficou para a história como ‘A Famosa’, hoje um dos principais cartões postais de Malaca, ao lado da Porta de Santiago. (Salus Loch)

A ocupação de Portugal em solo malaio – que se somava ao domínio de outras localidades importantes da época como Macau e Goa, na Índia – começou vigorosa e prometia render frutos ao monarca de então, rei Manuel I. Mas não foi bem isso que aconteceu.

A conquista da cidade, em 1511, até animou o reino lusitano. Méritos ao vice-rei da Índia Portuguesa, Afonso Albuquerque, que comandou 1.100 homens (900 de Portugal e 200 mercenários hindus) e avançou, com 17 navios, para capturar o território botando pra correr o sultão Mahmud Shah, que chegou a usar centenas de elefantes como armas de batalha.

Estava aberto o caminho para que Portugal intensificasse o comércio com aquela parte do mundo (especialmente com a China), uma vez que o porto local, localizado no Estreito de Malaca, entre os oceanos Índico e Pacífico, era um dos mais importantes do planeta no raiar do século 16.

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O período de administração portuguesa, porém, foi tumultuado e não trouxe os resultados esperados. Para piorar, durante boa parte do tempo, as atenções ficaram mais voltadas à defesa do território do que a ao desenvolvimento e expansão das operações comerciais. Em 130 anos, foram inúmeros os ataques perpetrados pela linha sucessória do sultão Shah.

A pá de cal nas pretensões lusas foi aproximação entre os holandeses e sultões de outras regiões da Malásia, como Johor. A união de forças acabou suplantando as esquadras de nossos patrícios. Iniciou-se, assim, o período de dominação holandesa em Malaca – que vingou até 1795, quando os ingleses ocuparam a área.

Papeando em Kristang

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Edward Keneddy parece jamaicano, mas garante que é 50% indiano e 50% português. (Salus Loch)

Mas, voltando ao bom e velho idioma de Camões, ele está, sim, presente na Malaca contemporânea. Ele se concentra no bairro português, habitado por quase 1,7 mil pessoas, mas você também o encontra aqui e ali ao longo da cidade de 875 mil habitantes. É o caso do De Reggae Café&Craft, de propriedade de Edward Keneddy, que se diz metade indiano, metade português, e é casado com Patrícia, meio holandesa, meio portuguesa. A botica, como o dono a chama, fica no coração do centro histórico de Malaca e estampa um Bob Marley gigante na entrada. Edward, ou Eduardo, mostra orgulhoso aos visitantes um livro editado por ele, reunindo a história portuguesa na cidade e dicas da comunicação nativa. “Temos que tentar manter a língua viva, passando o que sabemos para os jovens’, diz – mesclando o português malaco com algumas palavras em inglês, idioma falado por muitos moradores.

O apelo de Edward ecoa entre outros defensores do português malaco, que se reúnem todas as segundas-feiras à noite para não deixar o Kristang morrer. Entre rodadas de chá e café, e bastante cigarro, eles trocam o inglês e o malaio do dia-a-dia (utilizado para se comunicar com os demais moradores da cidade) pelo crioulo português. Inicialmente, para nós, brasileiros, é difícil captar determinadas mensagens, pois, apesar de semelhante, há palavras com pronúncia diferente e até mesmo sentido diferente do conhecido por nós. Por exemplo, banana é figo.

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Reuniões semanais mobilizam um modesto grupo de malaios de origem portuguesa que tentam manter a língua Kristang viva. (Salus Loch)

O dono da casa em que acontecem as reuniões, Francisco da Silva (quer nome mais português do que esse?), porém, é cético quanto ao futuro da língua. “Só falamos o Kristang até hoje por que temos a convivência aqui do bairro.  Fora daqui é muito difícil. Pode escrever, em 20 anos, a língua vai acabar aqui também por que os jovens que estudam e querem oportunidades acabam indo embora”, diz em tom de lamento para em seguida dar mais uma pitada em seu fumança (cigarro).

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Enquanto o português malaco respira por aparelhos, segue um breve glossário de expressões faladas por lá:

 

Aula básica de Papia Kristang, o português de Malaca:

Beng vindo (Bem-vindo)

Bong dia (Bom dia)

Bong anoti (Boa noite)

Klai teng, Senhor? (Como você está, Senhor?)

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Yo teng bom. Muito merce (Estou bem. Muito obrigado)

Ondi ta bi? (Onde você vai?)

Yo ta bai bazar compra pesi kon karni (Vou ao mercado comprar peixe e carne)

Yo ta bai drumi (Eu vou dormir)

Santa na kadera (Senta na cadeira)

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Impe (Fica em pé, ou, levanta)

Tomar resto (Descansar)

Papiar (Conversar)

Pelado (Careca)

Yo ta bai sibrisu (Estou indo para o trabalho)

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Ondi bos fika? (Onde você mora?)

 

Outros países na Ásia em que ainda se fala português

Na Índia também há grupos representativos que ainda falam o português, em cidades como Goa, Korlai e Damão. O fenômeno se repete em Macau – onde mais de 2 mil pessoas tem o português como 1ª língua, e outras 11 mil como sua segunda língua (lembrando que Macau, antiga colônia portuguesa, voltou ao domínio chinês em 1999).

Do mesmo modo, no Timor-Leste (estado independente desde 2002), o português é uma das línguas oficiais, ao lado do Tétum. Em Flores, na Indonésia, o português sobrevive nas tradições religiosas e na comunidade Topasse (descendentes dos homens portugueses com as mulheres nativas).

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