De onde vieram os fenícios? Análise de DNA traz uma nova resposta
Os pais do alfabeto não eram descendentes diretos dos cananeus – e sim um povo formado por pessoas de ascendências diversas, revelou novo estudo.

Se você está lendo esse texto, agradeça aos fenícios. Além de terem inventado o primeiro alfabeto da história, essa civilização que se espalhou pelo Mediterrâneo há cerca de 3 mil anos é famosa também pelas suas proezas marítimas. Apesar de toda essa relevância, parte da história desse povo é obscura, incluindo sua origem. Agora, um novo estudo de centenas de genomas antigos revolucionou o que sabemos sobre eles.
Até então, os pesquisadores acreditavam que eles eram descendentes dos cananeus descritos na Bíblia, que há quatro mil anos ocupavam a região onde hoje estão a Palestina, Israel, Líbano e Jordânia. Como a maioria dos fenícios que viveu durante os primeiros séculos de expansão da civilização foram cremados, os arqueólogos tinham pouco material para confirmar essa hipótese.
Um novo estudo, porém, adiciona uma camada de complexidade nesta história. A pesquisa não elimina a possibilidade de que a cultura e a língua fenícias tenham se originado em Canaã – mas aponta que, do ponto de vista genético, os púnicos (outro nome para fenícios) vieram de outros lugares do mundo e formavam uma sociedade heterogênea.
Ou seja: mais que um povo específico que surgiu num único local e depois se espalhou pela via marítima, como se acreditava antes, o estudo conclui que a civilização fenícia foi sendo formada por pessoas de várias origens genéticas distintas, que se assimilavam e se uniam na mesma cultura.
Os resultados foram obtidos por meio do sequenciamento e da análise de uma grande amostra de genomas de restos humanos enterrados em 14 sítios arqueológicos distintos.
Foi preciso uma grande equipe de arqueólogos de toda a Europa e norte da África para localizar e identificar esqueletos escavados em túmulos de estilo fenício. Em cinco anos, eles encontraram os restos mortais de quase 400 pessoas.
Os ossos foram datados por radiocarbono para confirmação da idade, e o DNA foi extraído. No final, o trabalho produziu mais de 100 genomas de indivíduos fenícios, somando-se a uma dúzia de genomas publicados anteriormente. A amostra compreende uma grande região dominada por fenícios em torno do Oriente Médio, incluindo o norte da África, a Ibéria e as ilhas mediterrâneas da Sicília, Sardenha e Ibiza.
Os resultados foram publicados na última quarta-feira (23) na revista científica Nature. Ao contrário do esperado, os fenícios não eram exclusivamente descendentes diretos de pessoas nativas de Canaã.
“Observamos um perfil genético no mundo púnico que era extraordinariamente heterogêneo”, disse, em comunicado, David Reich, geneticista que liderou o trabalho. “Em cada local, as pessoas tinham uma alta variedade em suas ascendências, sendo que a maior fonte genética era de pessoas similares aos povos contemporâneos da Sicília e do Egeu, além de muitas pessoas com ascendência associada ao norte da África.”
Mais do que um mapeamento genético da população, os resultados têm implicações importantes para a compreensão de como os fenícios vieram a dominar uma região tão grande em alguns séculos.
“Isso oferece uma nova perspectiva sobre como a cultura fenícia se espalhou – não por meio de migração em massa em grande escala, mas por meio de um processo dinâmico de transmissão e assimilação cultural”, disse Harald Ringbauer, arqueólogo e geneticista e principal autor do estudo.