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E Se… a Ditadura não tivesse acontecido?

O Brasil teria menos violência policial, e a Amazônia seria menos desmatada. Também haveria diferenças nas leis trabalhistas – e até na TV.

Por Fabio Marton
Atualizado em 11 fev 2020, 12h06 - Publicado em 23 out 2019, 18h45

É dia de festa na firma. Uma festa meio irônica, como a celebração de um divórcio. Todo mundo já sabe o que vai acontecer. Você está prestes a fazer dez anos de casa e é chamado à sala do chefe. É sua demissão. Acontece assim com todo mundo. Resta usufruir o happy hour e procurar o próximo emprego.

Você chega em casa meio zureta, meio conformado, e liga na TV aberta. Na Rede Tupi, notícias políticas: após um escândalo de fake news, o PTB e o PSD, maiores partidos da oposição, contestam o envio massivo de mensagens na campanha vencedora da UDN.

Esperam que, com o processo, o vice-presidente (que é do PTB) assuma o poder. Você muda de canal. É a TV Excelsior. O Rio de Janeiro é considerado uma das capitais mais seguras. E o presidente inaugura o memorial aos mortos da Guerra Civil.

O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PSD (Partido Social Democrático) e a UDN (União Democrática Nacional) eram os principais atores políticos antes do golpe de 1964. Foram extintos, com todos os demais partidos, pelo AI-2, que começou a vigorar em 27 de outubro de 1965 e foi um golpe dentro do golpe, que forçou o bipartidarismo no Brasil.

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O PTB tinha Jango e Brizola e era de esquerda; o PSD, de Juscelino Kubitschek, era de centro. Nenhum deles era socialista ou revolucionário. A UDN, à direita, era a então radicalizada oposição conservadora liberal, que deu apoio civil ao golpe. Se a Ditadura Militar não tivesse ocorrido, talvez esses partidos existissem até hoje.

Sem o bipartidarismo forçado, uma figura como Lula, que veio do movimento sindical, talvez tivesse encontrado seu lugar no PTB – que foi fundado por Getúlio Vargas em 1945. E, ao fazer parte de um partido que assustava menos a classe média, poderia ter sido eleito presidente já em 1989. O vice-presidente, como previa a Constituição, seria eleito separadamente – e poderia ser de oposição.

A Ditadura não foi um golpe em uníssono das Forças Armadas. Havia duas alas, uma das quais era contra o golpe. Esses militares legalistas foram as primeiras grandes vítimas da Ditadura. Segundo o historiador Cláudio Beserra de Vasconcelos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 1.487 militares foram punidos entre 1964 e 1969, incluindo 53 generais.

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A Comissão Nacional da Verdade estima que até 7.500 militares e policiais militares tenham sido exonerados, presos ou torturados por se opor ao golpe.

Assim, se Jango decidisse resistir, podia haver briga. Feia: os EUA já tinham escolhido lado e mobilizado recursos para apoiar os golpistas. A Operação Brother Sam incluía até a possibilidade de uma frota naval, com direito a porta-aviões, se instalar no litoral do Brasil para dar suporte aos golpistas.

Se isso se concretizasse, qualquer coisa poderia acontecer. O apoio inicial americano não era garantia de vitória nem de apoio prolongado.

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Se a Ditadura não tivesse acontecido, as Forças Armadas teriam uma história diferente – e a polícia também. Isso porque uma das principais heranças do golpe militar é a cultura de brutalidade policial. O PCC é um filhote direto dessa cultura: surgiu como uma espécie de reação ao massacre do Carandiru, no qual 111 presos rebelados foram mortos pela tropa de choque da PM de São Paulo.

Para diminuir a própria vulnerabilidade, o crime foi tomando o controle dos presídios ao longo do tempo, primeiro em São Paulo, depois pelo resto do País, e hoje opera de dentro deles. O Comando Vermelho, do Rio, talvez também não existisse – nasceu do contato entre criminosos comuns e guerrilheiros de esquerda na cadeia. 

Jango representava mais, porém, que só a continuidade da democracia. Ele propunha, para a insatisfação da direita, as chamadas reformas de base: agrária, educacional, urbana, tributária e eleitoral.

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A mais polêmica era a agrária, com desapropriações de propriedades improdutivas ou de interesse do Estado e indenizações pagas não com dinheiro, mas títulos da dívida pública. E também a reforma tributária, que limitava a remessa de lucros das multinacionais, vista como ponto central no apoio dos EUA ao golpe.

A reforma agrária em si não garantiria o fim da miséria no campo: poderia significar um número grande de produtores em regime de subsistência. Eles não se mudariam para as cidades, indo parar nas favelas, mas poderiam continuar em situação precária. Foi o que aconteceu no México, onde o governo fez grandes distribuições de terras coletivas, os ejidos, e depois não deu quase suporte nenhum.

Mas também poderia haver o aumento da produtividade das pequenas propriedades, com a formação de cooperativas e desenvolvimento de novas técnicas: foi o modelo da Itália. Possivelmente o Brasil teria um pouco dos dois. O agronegócio conviveria com essas pequenas propriedades, mas talvez não fôssemos o “celeiro do mundo”. Isso porque a tomada da Amazônia e do Cerrado pelo agronegócio, que usou essas áreas para se expandir, tem a mão da Ditadura. Os militares defendiam a ocupação das duas regiões.

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Sem a Ditadura, o regime de trabalho também seria outro. Em 1966, os militares criaram o FGTS, uma opção à estabilidade no trabalho após dez anos prevista pela lei trabalhista de então. Naquela época, muitas empresas demitiam os funcionários antes que completassem dez anos de casa (ou então não poderiam mais demiti-los). Ao fazer isso, pagavam indenização de um salário para cada ano trabalhado. Obviamente isso trazia uma insegurança social, já que as pessoas esperavam pelo desemprego após dez anos de casa. O FGTS acabou com essa distorção. 

O Brasil não teria a rodovia Transamazônica, que começou a ser feita em 1972, dentro da política de ocupação de território defendida pelos militares. Mas talvez tivéssemos uma usina nuclear, como a que os militares construíram em Angra dos Reis (no governo JK, o País já caminhava nesse sentido).

Muita música não teria sido composta. Mas Chico e Caetano, que foram exilados, entre tantos outros, fariam sucesso da mesma forma. Já a TV seria diferente. A Rede Globo começou a transmitir durante a Ditadura, em abril de 1965. Mas havia um escândalo: ela recebeu investimento de US$ 300 milhões do grupo americano Time-Life, o que era ilegal. Uma CPI foi aberta e deu parecer contrário à Globo.

Mas os militares engavetaram o caso. E a Globo cresceu rápido, abocanhando mercado. Em 1970, a TV Excelsior, em crise financeira e malvista entre os generais, foi declarada falida e lacrada por agentes do governo. A Tupi definhou até 1980, quando, diante de dívidas com o governo, teve sua concessão cassada. Na sua vaga, entrou o SBT de Silvio Santos.

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