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E se… o Brasil inteiro tivesse sido colônia da Holanda?

Teríamos uma realidade mais parecida com a do Suriname e da África do Sul do que com a dos belos canais de Amsterdã. Entenda por quê.

Por Fábio Marton
Atualizado em 26 jan 2022, 12h36 - Publicado em 29 Maio 2020, 16h08

Saída há alguns meses da extenuante quarentena, Pauwelsburg está em polvorosa: é Natal. Apesar da recomendação dos médicos de continuar a evitar aglomerações, nada segura a procissão. Sinterklaas vai sobre seu trenó, em suas roupas vermelhas de bispo e barba branca, pela Pauwelsburg Bowerk, a mais importante avenida da cidade.

É acompanhado por seu ajudante, Zwarte Piet, um homem branco em blackface. Praticamente só há gente branca na procissão. Ao passar pelo Monumento da Independência, uma escultura modernista gravada com o ano de 1985, é interrompida por um protesto, repleto de indianos, indonésios e negros. Eles gritam “WEG MET APARTHEID!”.

Apesar da epidemia, a cidade teve um Natal como todos os anos.

Sinterklaas é o termo em holandês para Papai Noel. De fato, a imagem básica do Papai Noel e seu nome em inglês, “Santa Claus”, vêm da Holanda. Zwarte Piet (“Pedro Negro”) é o ajudante de Papai Noel holandês. Weg met, como usado nos protestos aqui, significa “abaixo”. E apartheid é… apartheid.

A procissão de Papai Noel com Pedro Negro acontece na Holanda do mundo real e causa protestos da comunidade negra no país, que tem sua origem principalmente nas ilhas do Caribe. Mas, neste caso de um Brasil que teve a Holanda no lugar de Portugal, o contexto seria um país à beira do colapso social.

A primeira coisa quase certa sobre uma colonização holandesa é que ela não daria à luz um país desenvolvido.

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A primeira coisa quase certa sobre uma colonização holandesa é que ela não daria à luz um país desenvolvido. Lembre-se: há uma diferença entre colônia de exploração e colônia de povoamento. Na primeira, os colonizadores não criam raízes e tentam tirar o máximo proveito possível. Na segunda, eles chegam para ficar, criando uma extensão de sua terra natal.

A divisão é certeira, e aconteceu independente da cultura e da religião do colonizador. O Reino Unido fundou os EUA e a Austrália, mas também Jamaica e Belize. A França fundou o Québec, que viraria parte do britânico Canadá, e também o Haiti. Em suas incursões coloniais nos trópicos, o propósito dos impérios europeus era obter materiais exóticos em uma terra vista como hostil.

E hostil era: não podiam plantar trigo, odiavam o clima e eram expostos a doenças tropicais letais, como a malária. Ainda por cima, eles estavam em minoria numérica diante dos nativos e escravos. Já em locais de clima temperado, similar ao do Velho Mundo, os europeus podiam simplesmente reproduzir seu modo de vida.

Com a Holanda, fundadora de Suriname e Aruba, não foi diferente. A experiência vista como positiva no nordeste do Brasil aconteceu justamente porque um holandês, Maurício de Nassau, decidiu tratar essa possessão tropical holandesa mais ou menos como colônia de povoamento, e não colônia de exploração – um exceção rara.

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A experiência vista como positiva no nordeste do Brasil aconteceu justamente porque um holandês, Maurício de Nassau, decidiu tratar essa possessão tropical como colônia de povoamento, e não colônia de exploração – um exceção rara.

Nos seus anos governando o litoral pernambucano, entre 1637 e 1643, Johan Maurits van Nassau-Siegen desenvolveu a arquitetura, infraestrutura e até ciência nas cidades de Olinda e Recife, chamando uma missão de pintores naturalistas e construindo um observatório astronômico.  O que fica fora da história por quem idealiza os holandeses: a colônia brasileira não estava sob o domínio do governo holandês – na época, ele era subordinado à Espanha. O Brasil holandês era um empreendimento da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.

Isto é: Nassau estava mais para “CEO” que governador do Brasil holandês. Sua atuação incomum foi por suas pretensões políticas, de ser visto como um grande administrador.

Não deu tão certo. Em 1643, ele acabou removido da posição pelos acionistas da Companhia das Índias – “sua gastança desnecessária”, estaria atrapalhando os lucros da empresa. Com a saída de Nassau, os holandeses voltaram a tratar o lugar como colônia de exploração. Por conta disso, perderam o apoio local. Dois anos depois, começou a Insurreição Pernambucana, que acabaria por levar à retomada do poder pelos portugueses em Recife e Olinda.

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Caso o Brasil holandês tivesse continuado, e se expandido por todo o nosso território atual, talvez tivéssemos virado um Suriname gigante. O menor país da América do Sul, e único a ter holandês como língua oficial, fica encravado entre as guianas, fazendo fronteira com o Amapá e o Pará, e tem apenas 575 mil habitantes. A história do Suriname parece com a do  Brasil em parte: foi um produtor de açúcar vivendo de mão de obra africana.

Mas a semelhança para por aí: o Suriname aboliu a escravidão em 1863 e, depois disso, importou uma grande quantidade de trabalhadores não da Europa, mas da Indonésia e do Sri Lanka (a enorme ilha ao sul da Índia), onde havia colônias holandesas – a ponto de o hinduísmo ser praticado hoje por 22,3% dos surinameses.

Nossa  independência chegaria, mas talvez só no século 20 – como aconteceu no Suriname, a colônia holandesa na América do Sul.

Tem outra diferença: a independência só veio em 1975. O Suriname não era parte da América Espanhola, que foi libertada aproveitando a fraqueza da Espanha após as guerras napoleônicas. Tampouco teria a situação única do Brasil, que viu o Rio de Janeiro se tornar a capital de Portugal com a chegada da corte, em 1808, culminando na paradoxal independência justamente pelo herdeiro do trono português em 1822. Ou seja: nossa  independência chegaria, mas talvez só no século 20.

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Há uma diferença também em miscigenação. Os portugueses e espanhóis que não tinham como voltar para a Europa acabaram por se casar com as nativas. No Suriname, os holandeses se misturaram muito menos: os mestiços no país hoje são só 15% da população. O Suriname manteve um grupo branco minoritário e dominante até sua independência, quando a maioria preferiu fugir para a Holanda.

Na África do Sul, também fundada por holandeses, a história foi diferente. Ainda que a população mestiça sul africana seja, hoje, ainda menor que a do Suriname (8%), lá eles fizeram colônias de povoamento.

O clima é mais frio do que um brasileiro típico imagina: o país fica quase inteiro ao sul do Trópico de Capricórnio, com as partes mais povoadas em latitudes mais próximas às do Uruguai e da Argentina, inclusive passando por neve bem mais que o Brasil. Joanesburgo, a maior cidade do país, é mais fria que qualquer capital brasileira, e a Cidade do Cabo, uma de suas três capitais, tem um clima semelhante a Curitiba, mas ao nível do mar – tem até praia com pinguim nos arredores da cidade.

Assim, no sul do Brasil, talvez a experiência fosse mais parecida com a da África do Sul. Os holandeses perderam o domínio da colônia da Cidade do Cabo durante as guerras napoleônicas, em 1795. Sua história é de conflito com os nativos bantu e com os britânicos, que tomaram o poder da colônia original em 1806.

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Eles fundaram diversas repúblicas pelo interior do país, que terminariam conquistadas pelos britânicos até a derrota final dos holandeses em 1902, e a formação oficial da África do Sul em 1910.

Mas os descendentes dos holandeses seguiram na elite econômica, e implementaram o Apartheid, a brutal política de segregação racial, em 1948. Apartheid é uma palavra em africâner, um idioma local nascido do holandês antigo, que significa “separação”.

Um Brasil inteiramente colonizado pela Holanda, então, teria uma distância social ainda maior entre Sul e Norte, e entre os brancos e a maioria da população. Ou seja: o pior do Brasil estaria aqui, mas ao quadrado.

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