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A imprecisão astronômica da bandeira do Brasil

Para ver o céu que está na nossa bandeira, você precisaria apagar o Sol por alguns instantes.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 19 nov 2020, 11h32 - Publicado em 19 nov 2018, 21h02

“O lábaro que ostentas estrelado” é daquelas frases eruditas do hino nacional brasileiro que costumamos repetir sem questionar muito o sentido. Como não poderia deixar de ser, o trecho da canção faz referência a um símbolo nacional – no caso, as constelações que aparecem em nossa bandeira.

Independente de Portugal desde 1822, o Brasil se tornou uma República Federativa em 15 de novembro de 1889, quando ganhou uma bandeira oficial para substituir a que vinha sendo utilizado na época do Império. Mas ela foi apenas provisória: em 19 de novembro daquele ano, data instituída como o Dia da Bandeira, passamos a adotar o modelo com os dizeres “Ordem e Progresso”, que sofreu pouquíssimas alterações desde então.

Além da frase positivista, o grande diferencial da nova bandeira do Brasil República ficava por conta do círculo azul repleto de estrelas – cada uma representando um estado do país. À época, astrônomos chegaram a ser consultados para determinar com precisão científica a posição que cada estrela deveria assumir no pano. A ideia era recriar o céu do Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1889, eternizando na bandeira as estrelas vistas da então capital do país no dia da Independência.

Por mais nobre que fosse a homenagem astronômica, um carioca que tivesse se atentado ao céu daquele fatídico dia 15 poderia ter ficado frustrado. Isso porque a configuração celeste gravada na bandeira retrata o céu da cidade às 8h30 – sim, da manhã. Historiadores divergem até hoje sobre isso, mas o horário em questão é tido como o momento em que Marechal Deodoro da Fonseca, nosso primeiro presidente, proclamou oficialmente o novo status do país.

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Os pontos luminosos da bandeira brasileira representam, portanto, um céu diurno. Ou seja: caso o momento flagrado fosse às 20h30 da noite, o cenário seria um tanto diferente devido à rotação da Terra. Para que alguém pudesse ver exatamente essa configuração celeste, seria preciso desligar o Sol por um instante.

O problema é que, ainda que isso fosse possível, esta ainda não seria uma representação 100% fiel. Foi feita, ainda, outra alteração importante: o desenho está espelhado. Para ver cada uma das constelações da maneira como aparecem, um observador precisaria estar fora da esfera celeste. Imagine-se segurando um globo com as mãos, olhando tudo do espaço. Os Hemisférios Norte e Sul da Terra estariam invertidos, certo? É esta a imagem gravada na bandeira.

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Um terráqueo que quiser obter uma representação mais precisa (sem precisar fretar um ônibus espacial), pode olhar o verso da flâmula. Enxergar o desenho pela parte de trás corrige essa diferença de perspectiva Terra-espaço. Mesmo assim, há outras adaptações no esquema que impedem uma experiência cientificamente completa.

Criada em 1889 com 21 estrelas, a bandeira representava os 20 estados da época, mais um distrito federal. Depois, outras seis estrelas foram incorporadas, referentes aos seis estados criados nas últimas décadas – o Acre em 1962, Mato Grosso do Sul em 1979, Rondônia em 1981 e Tocantins, Amapá e Roraima em 1988. Desde o final dos anos 1980, a bandeira segue sem incorporar novos elementos.

Atualmente, ela reúne estrelas de nove das atuais 88 constelações reconhecidas pela União Astronômica Internacional. Você pode ver cada uma dessas constelações, marcadas entre parênteses, bem como os nomes das estrelas e suas correspondências federativas, na imagem abaixo.

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(Wikimedia Commons/Reprodução)

Engana-se quem acredita que a faixa branca da bandeira simboliza o Equador celeste – e que a estrela solitária da parte de cima, por causa disso, é Roraima, que concentra a maior parte do território brasileiro no Hemisfério Norte.

Spica, nome da estrela que ocupa a parte de cima do círculo, ilustra, na verdade, o Pará. Antes de Amapá e Roraima tornaram-se unidades federativas, era este estado que contava com a capital mais setentrional do país.

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A afirmação também têm outro problema: a estrela Spica, que integra a constelação de Virgem, é vista no Hemisfério Sul, e não do Norte. Se a relação entre a faixa branca e o Equador fosse regra, a estrela Procyon, da constelação Cão Menor, por sua vez, também estaria na banda errada do círculo: natural do Hemisfério Norte, ela é representada abaixo da faixa branca.

A disposição das estrelas, dessa forma, tende a observar um padrão mais estético que científico. Segundo a Lei federal no 5700, que estabelece padrões de reprodução da bandeira do Brasil, são apenas cinco tamanhos diferentes de estrela na bandeira – diferente, como você deve imaginar, do que se observa na abóbada celeste.

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Um bom exemplo disso é o Cruzeiro do Sul: representado pelos estados do sudeste e a Bahia, ele tem lugar de destaque no centro do círculo, mesmo sendo a menor das 88 constelações. Se as proporções fossem mantidas e seu tamanho original fosse respeitado, o Cruzeiro do Sul teria de ser bem menor que a Constelação de Escorpião, por exemplo, facilmente identificável nas noites de inverno do Hemisfério Sul, e meio apertada no canto direito do céu da bandeira nacional.

A escolha por dar destaque especial ao Cruzeiro do Sul não foi apenas brasileira. Outros países do mundo que ostentam estrelas em seus símbolos nacionais, como os vizinhos de Oceania Austrália, Nova Zelândia e Papua Nova Guiné, também o fizeram. Há apenas um detalhe: nesse casos, a constelação aparece de forma não-espelhada, como é vista da Terra.

Verdade seja dita, nenhum deles se arriscou em representar tantas estrelas de forma tão precisa quanto a nossa. Não que bandeiras precisem ser uma verdadeira carta celeste para embasar o estudo de astrônomos, é claro. Nesse quesito, no entanto, o lábaro estrelado do Brasil é o que carrega mais história.

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