Liberdade. Um raro prazer
Eu sustento o meu vício, pago meus impostos e consumo um produto legal, regulamentado e taxado.
Jardel Sebba
Eu fumo, com muito prazer. Há 12 anos, o cigarro é parte fundamental do meu dia. Minhas pequenas rotinas só estão completas depois de algumas baforadas. Não tenho a menor vontade de parar de fumar. O cigarro me concentra, me acalma, me faz companhia, me consola e alivia a minha tensão. Fumar é um prazer. Um prazer destrutivo, inútil e arriscado, alguém há de apontar. Sim, como só os grandes prazeres da vida podem ser. Como caminhar pela cidade de madrugada ou amar uma mulher. Não existe prazer sem risco.
Eu sustento o meu vício, pago meus impostos e consumo um produto legal, regulamentado e taxado. Mas sou tratado como um cidadão de segunda classe em função de um patrulhamento humilhante e abusivo que avança justamente sobre duas coisas que me são tão caras: o cigarro e, em especial, o direito a uma vida menos chata e sem graça. Nos últimos anos, essa esquadra dos bons hábitos transformou o mundo num lugar insuportável. É proibido fumar em avião. É proibido fumar em restaurante. Os maços de cigarro vêm com aquelas imagens ameaçando: “Se você fumar, eu te pego lá fora”. Basta! Hoje eles proíbem o cigarro, amanhã vão querer banir o açúcar, o café, o doce de coco, a Fanta Uva, o cine-privê dos motéis, até o dia em que todo mundo vai acordar tomando açaí na tigela e fazendo 50 abdominais.
Viver mais, assim, para quê? Posso ser acusado de ser um idiota sujeito a câncer de boca e de pulmão, mau hálito, perda dos dentes e impotência sexual. Mas alguém que preza, acima de tudo, o direito de ser o idiota que quiser ser.
A fumaça do meu cigarro incomoda. Mas esse não pode ser um argumento definitivo para que o direito alheio prevaleça sobre o meu. Isso não pode servir para justificar a intolerância, porque há uma convivência possível entre as partes que exige apenas um ambiente arejado e boas doses de bom senso. Se o meu cigarro incomoda, há uma série de coisas que também não me agradam muito, como pessoas que falam sem parar, axé music ou mulheres vestidas em desacordo com a sua faixa etária. Mas parto do pressuposto de que somos adultos o suficiente para sermos ridículos cada qual à sua maneira, falando sem parar, requebrando de modo frenético atrás de um trio elétrico, ou se vestindo de forma caricata. Ou fumando.
“Crianças começam a fumar ao verem os adultos fumando.” É verdade. Mas crianças também começam a agredir quando vêem os adultos agredindo e a beber quando vêem os adultos bebendo. Seria o caso de confinar a realidade que não nos agrada num fumódromo do lado de fora? Ou de educar nossos filhos apropriadamente, para que eles olhem o mundo com o devido juízo de valor? A responsabilidade pelo discernimento do que é certo ou errado das crianças que começam a fumar é de seus respectivos pais. Não é minha, nem da Souza Cruz ou da Phillip Morris. Pouco me importa se o meu filho será fumante ou não-fumante. Me importa, sim, a compreensão que ele vai ter de valores como a tolerância e o convívio com as diferenças. Tão em falta em hordas antitabagistas.
Nas propagandas de cigarro enganam o consumidor. A lei nº 10.167, de dezembro de 2000, proíbe a propaganda de cigarro, mesmo sendo este um produto legal. Supostamente para evitar a má influência dessas peças publicitárias sobre os mais jovens. Seguindo esse raciocínio brilhante, seria importante prestar alguns esclarecimentos que, espero, não estraguem o dia de ninguém: energético não faz voar, cerveja não atrai mulher bonita e panetone não reata laços familiares rompidos. Se o governo tem problemas com propaganda enganosa, poderia ter começado a resolvê-los no próprio quintal há três anos, quando lançou uma propaganda desrespeitosa em que a figura de um traficante estabelecia um paralelo absurdo entre o cigarro e as drogas ilícitas. O tráfico de entorpecentes, até onde eu sei, não gera 5,5 bilhões de dólares aos cofres públicos por ano em impostos, dinheiro que, ao que parece, não faz mal à saúde financeira de nenhum Estado.
A partir do ano que vem, de acordo com essa mesma lei, eventos culturais patrocinados pela indústria do cigarro também estarão proibidos. Vistos como meras peças publicitárias (bobagem, todo mundo sabe que o que menos se fumava no Hollywood Rock era cigarro…), festivais relevantes como o Carlton Dance e o Free Jazz estão com os dias contados. Mas festival patrocinado por marca de uísque pode. Há diferença? Claro. No décimo cigarro, você sente um leve pigarro. Na décima dose de uísque, você está sujeito a não ir trabalhar, a bater na mulher, a entrar na contramão…
E depois nós, fumantes, é que somos os ignorantes.
Jardel Sebba é editor da revista VIP
Frase
“A campanha contra os fumantes transformou o mundo num lugar intolerante”