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Nativos da Ilha de Páscoa não cometeram ecocídio – e chegaram na América antes dos europeus

Análise de DNA dos Rapa Nui desmonta hipótese de colapso ambiental e revela contato com nativos americanos séculos antes de Colombo.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 23 set 2024, 16h17 - Publicado em 23 set 2024, 16h01

Há mais de 800 anos, os polinésios chegaram a uma das ilhas mais remotas do mundo: Rapa Nui, também conhecida como Ilha de Páscoa, no meio do oceano Pacífico. Desde então, a história desse povo tem se mostrado um quebra-cabeça difícil de ser remontado, mas uma nova análise de DNA trouxe novas respostas – e derrubou uma popular teoria sobre o suposto declínio dessa ilha.

Segundo um novo estudo publicado na revista Nature, o povo Rapa Nui não cometeu ecocídio na Ilha de Páscoa, e nem sequer enfrentou um colapso antes dos europeus chegarem por lá no século 18.

Além disso, esses polinésios famosos pela construção de grandes estátuas chegaram às Américas muito antes do que Colombo – e o contato com os nativos do nosso continente está preservado até hoje em seus genes.

O novo artigo, liderado por pesquisadores da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e da Universidade de Lausanne (Suíça), é a mais nova e uma das mais fortes provas que desmontam a hipótese de que os Rapa Nui podem ter cavado a própria cova. Antes, era muito popular a ideia de que essa população havia causado um colapso na ilha por destruí-la demais e acabar com a vegetação nativa para plantar comida.

Essa suposição de que os polinésios cometeram um “ecocídio” na ilha se popularizou bastante com o livro Colapso, publicado pelo historiador Jared Diamond em 2004. Segundo essa linha de pensamento, a população teria crescido demais no local a partir do ano 1600, cerca de 350 anos depois da chegada dos primeiros Rapa Nui. Por conta disso, os nativos teriam destruído grande parte da vegetação local, exaurindo o solo e causando um grande desequilíbrio ambiental, que, por sua vez, levou à fome em grande escala e ao declínio populacional.

A história toda servia como uma espécie de alerta: mostrava o potencial destrutivo dos humanos ao interagir de forma insustentável e exploratória com a natureza, e com um desfecho apocalíptico. A coisa toda ficou ainda mais popular porque o começo do milênio foi justamente quando os humanos começaram a se preocupar mais com as mudanças climáticas causadas pelo homem.

Acontece que a história real não é bem assim. Nos últimos anos, historiadores colocaram em xeque a ideia de que a ilha passava por um colapso. Na verdade, tudo indicava que o declínio dos Rapa Nui começou depois dos europeus chegarem por lá – e por causa deles.

Apocalipse cancelado?

O novo artigo chega a essa mesma conclusão. No estudo, cientistas analisaram o genoma de 15 indivíduos Rapa Nui, que viveram entre 1670 e 1950 e cujos restos mortais estão num museu em Paris.

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A equipe analisou os DNAs em busca de sinais que apontem para um declínio daquela população. Se a hipótese estivesse certa, isso significaria que a diversidade genética dos Rapa Nui diminuiria em algum momento ao longo dos séculos, pois um declínio populacional significa que menos pessoas estariam trocando genes entre si. 

Os resultados, porém, não revelaram essa tendência em nenhum momento – nem no século 17, quando a hipótese afirmava que seria o começo do colapso dos Rapa Nui por superpopulação e falta de recursos.

“Nossa análise genética mostra uma população em crescimento estável do século 12 até o contato com os europeus no século 18. Essa estabilidade contradiz diretamente a ideia de que um colapso populacional dramático ocorreu antes do contato [com os colonizadores]“, diz Bárbara Sousa da Mota, pesquisadora da Universidade de Lausanne e uma das autoras do estudo.

Isso não significa, é claro, que a chegada dos humanos na ilha não teve nenhum impacto na paisagem. Para construir os moais – as famosas estátuas gigantes que viraram símbolo desse povo –, os Rapa Nui precisavam de muita pedra e muita madeira para transportá-la. Além disso, eles de fato mudaram o solo para praticar agricultura, inclusive porções da ilha. E, quando chegaram de barco, vindos de alguma outra ilha polinésia, trouxeram consigo espécies invasoras de animais, como ratos, que causaram um desequilíbrio ecológico no local.

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Acontece que não há evidência de que nada disso tenha causado um colapso populacional na ilha, como apontava a hipótese anterior. Por outro lado, a população nativa passou sim por uma crise após a chegada dos europeus, que trouxeram com a colonização patógenos letais para os Rapa Nui, violência e exploração.

“Pessoalmente, acredito que a ideia do ecocídio é parte de uma narrativa colonial: a ideia de que esses povos supostamente primitivos não conseguiram administrar sua cultura ou recursos, e isso quase os destruiu”, diz Víctor Moreno-Mayar, pesquisador da Universidade de Copenhague e autor do estudo. “Mas a evidência genética mostra o oposto. Embora seja inegável que a chegada dos humanos mudou dramaticamente o ecossistema, não há evidências de um colapso populacional antes da chegada dos europeus à ilha. Então, podemos deixar essas ideias de lado agora”, conclui.

Antes de Colombo e Cabral

Essa não foi a única conclusão do artigo. A análise de DNA reforçou a hipótese de que os exploradores polinésios não pararam na Ilha de Páscoa – podem ter cruzado milhares de quilômetros do oceano Pacífico para chegar às Américas, e ter tido contato com os nativos daqui.

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A hipótese de que isso tenha ocorrido é debatida entre cientistas há bastante tempo, mas as evidências são poucas. Uma viagem tão longa e perigosa como essa parece ser quase impossível em canoas de madeira, não podemos negar.

No novo estudo, porém, cientistas descobriram que cerca de 10% dos genes dos 15 indivíduos Rapa Nui analisados têm origem nos indígenas americanos. A equipe estima que esse contato sexual tenha ocorrido em algum momento entre os séculos 13 e 15, ou seja, antes da chegada dos europeus no nosso continente (e bem antes da chegada dos colonizadores na ilha, que só ocorreu em 1722).

Já se sabia que os nativos da Ilha de Páscoa possuem genes de origem americana, mas muitos supunham que tinham sido carregados por europeus, que tiveram contato com ambos os povos, e não por conta de relações diretas entre eles. A estimativa de quando esses genes apareceram, porém, contradiz essa ideia.

Embora não dê para ter certeza onde esse sexo tenha ocorrido, o novo estudo reforça a ideia de que os Rapa Nui chegaram sim às Américas. 

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A Ilha de Páscoa fica a dois mil quilômetros da ilha polinésia mais próxima, e a 3,7 mil quilômetros da América do Sul. Atualmente, o local faz parte do território do Chile e tem uma população de pouco mais de sete mil habitantes, da qual mais da metade descende do povo indígena da ilha.

Agora, os pesquisadores do estudo estão debatendo com autoridades para tentar retomar os restos mortais dos 15 indivíduos Rapa Nui estudados para a Ilha de Páscoa.

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