O futuro é (quase) uma equação
Dados estatísticos, séries numéricas e fórmulas matemáticas são a base dos futurólogos mais confiáveis da atualidade. Só falta combinar com o acaso
Texto Pedro Burgos
O americano Orley Ashenfelter é um economista apaixonado por vinhos, mas sem um paladar sofisticado como o dos enólogos famosos. O mercado de vinhos movimenta milhões todo ano, e as críticas favoráveis de especialistas fazem o preço de um Bordeaux disparar. Orley queria entender o que fazia um vinho ser tão bom e caro. Sabia que, quando a uva cresce em um verão bem quente e a colheita acontece numa temporada sem chuvas, as frutas são menos ácidas e o suco mais concentrado, perfeito para o tipo de vinho da região francesa. Descobriu que o valor estimado da bebida 10 anos depois de sua produção podia ser expresso por uma fórmula matemática: 12,145 + (0,00117 x taxa de chuvas no inverno) + (0,0614 x temperatura média durante o crescimento) – (0,00386 x taxa de chuvas na colheita). Que é estranho, é. Mas a equação tem feito o cara acertar, com pouca margem de erro, o preço de todas as safras desde 1986.
Para Orley, os números falam alto. Assim como para Paulo Vinícius Coelho, o maior expoente brasileiro dos comentaristas esportivos da nova geração. Quando todo mundo apostava na vitória da Argentina sobre o Brasil na final da Copa América do ano passado – chegamos lá capengando, enquanto os hermanos jogavam um futebol vistoso –, PVC olhou para as estatísticas. Lembrou que a maioria dos argentinos estava cansada pelo final da temporada. Além disso, eles só faziam gols no 2º tempo – e de noite, em temperatura amena. Estava claro: na final, marcada para as 3 da tarde num calor de 36 °C, não haveria 2º tempo para a Argentina. Seus jogadores pregariam. O Brasil ganhou, contrariando os macacos velhos da crônica esportiva. Mas não os números.
PVC e Orley são, nas respectivas áreas, “futurólogos”. Eles estão substituindo os antigos especialistas intuitivos, craques na arte do “achismo” como fonte de opiniões. Ian Ayres, econometrista da universidade americana de Yale, acredita que, como PVC e Orley, há cada vez mais pessoas baseando suas previsões e decisões em equações, estatísticas e números. Em seu best seller Supercrunchers (algo como “Supermastigadores”, sem tradução para o português), Ian identifica a tendência e dá a causa: hoje, há uma quantidade absurda de informações catalogadas e de fácil acesso.
Certo. Mas já que as previsões mais confiáveis agora são matemáticas, por que não despejar todo esse trabalho nos computadores, mais rápidos, precisos e baratos do que sabichões de carne e osso? A grande sacada é que nem toda previsão é igual, como descobriu Michael Mauboussin, estrategista de investimentos e professor da Columbia Business School, nos EUA (é dele o quadro abaixo). Analisando prognósticos em diversas áreas, Michael concluiu que o futurólogo mais adequado depende do tipo de problema a ser resolvido. Quando as relações de causa e conseqüência são bem claras – uma análise de crédito, por exemplo –, aposte no computador. A empresa de entretenimento Harrah’s usou a informática para identificar que os apostadores mais rentáveis em seus cassinos eram os fiéis que toda semana perdiam uns poucos dólares (e não os super-ricos, como insistiam os especialistas da área).
Tem outro tipo de prognóstico que aposentou os especialistas. Se a idéia for prever o resultado de um evento com relações de causa e conseqüência com alto grau de imprecisão – o comportamento do mercado financeiro, por exemplo –, os futurólogos mais confiáveis são, acredite, o povão. Eles costumam acertar mais do que os especialistas nesse tipo de problema, defende o jornalista americano James Surowiecki, autor de A Sabedoria das Multidões. Lembra-se do Show do Milhão, aquele quiz show em que o participante podia pedir ajuda aos especialistas ou à audiência quando não soubesse responder a uma pergunta? Pois bem: James esmiuçou a versão americana do programa e descobriu que a platéia acertou em 91% dos casos. Os especialistas, em apenas 65%. A explicação para o sucesso da inteligência coletiva estaria em 3 fatores: a independência (os indivíduos não são influenciados pelos demais), a diversidade de opiniões (acrescenta novas informações e inteligência às decisões) e a descentralização (as decisões não são tomadas de cima para baixo).
Empresas como Google e Microsoft já possuem grupos para antever com maior precisão as taxas de venda e os lucros. Nem sempre funciona: quando a multidão não conhece muito sobre o assunto, é difícil acertar. Vários desses grupos de previsão erraram redondamente ao afirmar que seriam encontradas armas de destruição em massa no Iraque. Aí, o negócio é deixar a tarefa com os especialistas – os “mastigadores de números”, não os “achistas”, defende Ian Ayres. Eles também são os mais indicados se a previsão precisar de conexões criativas entre números ou informações, como o desenvolvimento estratégico de uma empresa ou uma inovação na linha de produção, por exemplo. Nesses casos, não há computador ou multidão capaz de superar as previsões de um bambambã no assunto.
Decidir com a ajuda de números e fórmulas pode até ser uma bola dentro. Só não dá para esquecer que, às vezes, tudo isso dá zebra. A humanidade sempre estará sujeita a uma coisinha nada insignificante chamada acaso, diz Nicholas Nassim Taleb, matemático autor de Black Swam (“Cisne Negro”, sem tradução para o português). A estatística de Orley para os vinhos não prevê, por exemplo, a concorrência de vinícolas australianas e sul-africanas, que podem derrubar o preço dos Bordeaux. E, sim, o Brasil ganhou da Argentina. Mas e se o zagueirão Ayala não tivesse feito aquele gol contra quando os hermanos ameaçavam reagir?
O futuro é democrático
Para cada tipo de evento, um futurólogo diferente
Exemplo de evento – Análise de crédito
Características – Regras claras de causa e conseqüência
Melhor previsão – Computadores
Exemplo de evento – Desenvolvimento estratégico
Características – Necessidade de articulação criativa de informações
Melhor previsão – Especialistas mastigadores de números
Exemplo de evento – Mercado financeiro
Características – Alto grau de incerteza
Melhor previsão – Grupos
Fonte do quadro: artigo What Are Good Experts?, de Michael Mauboussin. Publicado originalmente na revista Harvard Business Review de fevereiro de 2008.