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O lado B do Olimpo

No Olimpo, também havia ladrões, malucos e simples agregados.

Por José Francisco Botelho
10 abr 2020, 10h16

O palácio dos deuses no Monte Olimpo era uma visão de beleza e majestade supremas. “O vento e a chuva jamais fustigam a mansão eterna; o firmamento sem nuvens se estende ao longe e uma grande radiância brilha por todos os lados nesse mundo superior, onde os deuses vivem em gozo eterno”, descreveu Homero na Odisseia. No grande salão do palácio, os deuses faziam banquetes diários com as deliciosas iguarias divinas: o néctar e a ambrosia. Ao redor da mesa, havia 12 lugares para os 12 maiores deuses da Grécia.

Mas nem todos seus ocupantes haviam entrado no Olimpo pela porta da frente. Alguns conquistaram seu lugar ao sol por meio de trapaças e loucuras. Outros quase foram expulsos por desagradar os soberanos Zeus e Hera. Além disso, havia as divindades menores – os cortesãos e agregados do monte divino. Alguns deles
você vai conhecer agora.

O malandro mensageiro dos deuses

Em uma caverna no alto do monte Cilene, na tranquila região da Arcádia, Zeus foi um dia visitar a tímida ninfa Maia, de longos cabelos cacheados. A visita foi tão
interessante que durou a noite inteira. Na mesma caverna, Maia deu à luz o fruto daquele encontro. Exausta pelo trabalho de parto, ela envolveu o recém-nascido
em faixas e adormeceu. Nem bem a ninfa caíra no sono, a criança abriu os olhos.

E então, um prodígio: livrando-se das faixas que o envolviam, o bebê cresceu num instante, até ter as feições e o tamanho de um rapazinho de seis ou sete anos. Sem perder tempo, saiu correndo em busca de aventuras. Assim era Hermes (Mercúrio, entre os romanos), um dos deuses mais queridos e venerados entre os antigos gregos: trapaceiro, simpático e engenhoso.

Ao pé do monte Cilene, o deus-menino avistou um casco de tartaruga. Segurou o objeto, sentiu seu peso. Olhou-o de um lado e de outro. Depois, ao longo da manhã, catou vários talos de junco em uma lagoa próxima, fixou-os ao casco e então se pôs a dedilhar. Agora, era meio-dia. Hermes nascera havia apenas algumas horas e já criara seu primeiro invento: a lira.

Em seguida, ele passou à proeza seguinte. Com pés ligeiros foi até a cidade de Fera, na Tessália. Lá, em um curral atrás de um templo, estava guardado um rebanho de bois que pertencia a seu irmão, Apolo. Enquanto o Sol se punha, Hermes tangeu a boiada alheia em direção à Arcádia, escondendo os rastros. E então relaxou, fazendo um assado. Mas Apolo descobriu o esconderijo e foi exigir satisfações. Nesse momento, o versátil Hermes lançou mão de outro talento: a lábia. Pediu desculpas pela trapaça e pôs-se a dedilhar a recém-inventada lira, entoando uma canção em homenagem à beleza, à inteligência e à modéstia de Apolo. O irmão mais velho ficou encantado com a letra da música e também com o melodioso instrumento criado por Hermes.

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“Vamos fazer negócios, meu rapaz”, disse Apolo. “Pode ficar com meus bois, em troca desse maravilhoso artefato”. Hermes sorriu, concordando, e entregou a lira a Apolo. Além do gado, Apolo lhe deu de presente o caduceu – bastão mágico, cujo poder era induzir o sono e os sonhos. Desde então, os dois irmãos são os melhores amigos um do outro.

Deliciado com as façanhas e astúcias do filho, Zeus lhe deu o cargo de mensageiro dos deuses. Como sinais de seu ofício, Hermes recebeu duas sandálias aladas e um chapéu também dotado de asas. Agora, ele já tinha a aparência de um rapaz alto e forte. Mesmo adulto, conservou para sempre feições de moleque e nunca deixou crescer a barba. “Hermes parece um garoto na primavera da vida, com a sombra do primeiro buço escurecendo o lábio superior”, descreve Homero na Odisseia.

Além de carregar as mensagens e decretos divinos, Hermes era adorado como deus dos ladrões, dos viajantes, dos mercadores e dos diplomatas. Acima de tudo, era o deus da eloquência: um trapaceiro de bom coração, que odiava a guerra acima de todas as coisas e preferia resolver problemas com a força das palavras.

O Hino a Hermes, poema anônimo escrito por volta do século 7 a.C., transforma em elogio os talentos malandros da mais jovial das divindades: “Salve Hermes dos muitos truques, sutilmente astuto, ladrão e trapaceador, ele que traz os sonhos, ele que espreita à noite e se esgueira pelas portas – o deus de muitos feitos, que nasceu ao amanhecer, inventou a lira ao meio-dia, e roubou gado ao pôr do sol”.

Nos bosques da Arcádia, vivia o mais indolente e despreocupado dos deuses. Chamava-se Pã.Sua aparência estava mais próxima à de uma criatura selvagem que de um deus olímpico. Tinha chifres e pés de cabra, pernas cobertas por lã, barbas e cabelos desgrenhados. Filho de Hermes e da ninfa Dríope, não se interessava pelas intrigas do Olimpo. Passava o tempo andando pelos bosques, namorando ninfas e tocando a flauta-de-pã – instrumento inventado por ele.

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Para os gregos, Pã era a representação do mundo selvagem e de tudo que escapa às complicações da civilização. Além disso, foi o único caso de um deus que morreu. Certo dia, um navio cruzava as águas no litoral da ilha de Paxi, no Mar Jônio, quando os marinheiros escutaram uma voz misteriosa que ecoava: “Espalhem a notícia: o grande deus Pã está morto!” Ninguém sabe como ou por que Pã morreu. Mas a notícia foi recebida com tristeza: todos gostavam daquele excêntrico.

Ares, o sanguinário deus da guerra

Se Hermes era o mais querido dos deuses, Ares (ou Marte, para os romanos) era um dos mais detestados. Filho de Zeus e Hera, ele herdou o gênio violento da mãe. Porém, nem mesmo Hera gostava de seu brutal e impiedoso rebento. Deus da guerra, Ares amava acima de tudo o rugido das batalhas e o gemido dos agonizantes.

Tão logo um combate começava em algum lugar da Terra, ele pegava sua gigantesca lança, vestia uma armadura reluzente e subia em sua carruagem de combate. Então, mergulhava na batalha, distribuindo golpes até ficar coberto de sangue humano. Não premiava os bravos nem punia os covardes.

Lançava-se à carnificina, simplesmente, sem escolher um lado e sem defender causa alguma. Às vezes, favorecia um lado do combate, às vezes passava subitamente para o outro. Quem seria o vencedor, quem seria o derrotado eram coisas que não lhe importavam. Desde que houvesse guerra e desde que homens sofressem e morressem, Ares estava feliz. Quase todos os deuses o odiavam – até mesmo seu pai. Em certa ocasião, após ver o caos que Ares espalhava pelo mundo, Zeus exclamou: “Se não fosse meu filho, você teria sido há muito tempo expulso do Olimpo!” Mas a mente deturpada de Ares habitava um corpo musculoso e elegante.

Seu charme feroz seduziu Afrodite – e o caso ardente entre a deusa do sexo e o senhor da guerra levou ao maior escândalo já registrado no Olimpo, como você pode ver à esquerda.

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Com um de seus inventos, Hefesto puniu o amor de Afrodite e Ares. Os amantes nus foram presos em uma rede de fios inquebráveis. (Adams Carvalho/Superinteressante)

Escândalo no Olimpo

A contragosto, a mais bela das deusas teve de se casar com o mais feio dos deuses. Sempre que Hefesto se enfurnava em sua oficina, Afrodite corria ao encontro de seu amante, Ares. Certa manhã, contudo, eles foram avistados na cama por Hélios, o Sol – que, sem tardar, correu até Hefesto para fazer a fofoca. O ferreiro divino tramou vingança. Forjou uma rede com fios de bronze – finos como teias de aranha, mas indestrutíveis. Pendurou a armadilha no dossel de sua própria cama. Então, escondendo a raiva, disse a Afrodite que iria partir em viagem. Nem bem o marido se retirou, Afrodite chamou Ares e os dois se atiraram sobre o leito.

Num instante, contudo, estavam presos na inquebrável rede de Hefesto. O ferreiro manco chamou todos os deuses para testemunhar tamanha indecência. O escândalo foi geral. As risadas também. O caso entre Ares e Afrodite foi encerrado, e o deus da guerra voltou às batalhas e às matanças.

Dioniso, o Deus louco

Filho de Zeus e da princesa Semele, Dioniso (ou Baco, entre os romanos) teoricamente não era um deus. Afinal de contas, sua mãe era apenas uma mortal – o que fazia dele um herói semidivino, mas não um ser olímpico. As ambições de Dionsio, contudo, eram infinitas. Ele queria conquistar um lugar no Olimpo – e fez isso por meio da embriaguez e da loucura.

Após seu nascimento, Dioniso foi criado pelas ninfas do Monte Nisa – longe dos olhos de Hera, que costumava perseguir os filhos bastardos de Zeus. À tardinha, o jovem semideus costumava passear pelas encostas do monte. Em uma de suas andanças, colheu alguns cachos de uva. Levou-as para a gruta onde vivia e lá fez sua grande invenção: o vinho. Provou um pequeno gole – e soube imediatamente que naquela bebida estava seu caminho para a glória.

Armado com seu grande trunfo, Dioniso partiu pelo mundo em busca de fama e grandeza. Queria ser venerado como um deus vivo. Conseguiu. Aonde fosse, era seguido por um cortejo de bêbados e desvairados. Nas profundezas das florestas, os seguidores de Dioniso se entregavam a orgias que duravam noites inteiras. A louca jornada se estendeu da Europa até a Índia. Ao longo de todo o trajeto, Dioniso espalhou o cultivo do vinho e se tornou conhecido como o deus da embriaguez e de todos os excessos. Parecia uma divindade dedicada apenas às coisas boas da vida, mas ele também tinha um lado perigoso: suas delícias podiam levar à destruição e à morte.

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“Dioniso representava, entre os gregos, a ambiguidade do prazer”, explica Viktor Salis, especialista em fenomenologia dos mitos pela Sorbonne. “Ao contrário do cristianismo, os gregos pagãos não relacionavam o prazer à culpa. Mas tinham consciência de que o prazer tem um lado destrutivo. É preciso, portanto, saber lidar com ele: inebriar-se sem enlouquecer”.

O filho de Semele ganhou tanta fama entre os homens que acabou sendo aceito no Olimpo. A popularidade que ganhou ao redor do mundo, por conta do vinho, acabou convencendo Zeus e companhia a aceitá-lo em sua mesa. Ou seja, foi o primeiro deus eleito pelo povo.

Dioniso conquistou seu lugar no Olimpo por meio da loucura e dos excessos. O vinho foi sua grande arma. (Adams Carvalho/Superinteressante)

Hefesto, o enjeitado ferreiro divino

As constantes infidelidades de Zeus haviam gerado um clima de permanente guerra civil em seu matrimônio. Despeitada, Hera resolveu gerar um filho sozinha, sem auxílio do divino esperma de Zeus. Durante meses, a rainha do Olimpo carregou no ventre um filho sem pai. A criança finalmente veio à luz. Mas em vez de um deus formoso, Hera ergueu nas mãos um bebê proverbialmente feio. Os joelhos eram tortos, e uma perna era maior que a outra. Com um grito de raiva e repulsa, Hera arremessou o recém-nascido do alto do Olimpo. O enjeitado bebê divino caiu no mar.

As ninfas do oceano sentiram pena e criaram, com afeto, o feioso Hefesto (ou Vulcano, entre os romanos). À medida que ele crescia, a feiura aumentou. Mas também surgiram grandes talentos: nenhuma criatura em todo o Universo tinha mãos mais hábeis. Em pouco tempo, ele se tornou o maior de todos os artesãos.

Foi viver na cratera de um vulcão, na ilha de Lemnos, e lá construiu uma oficina de ferreiro. Passava o dia junto à bigorna, desferindo golpes com seu martelo, e criando obras extraordinárias. Na oficina de Hefesto, as próprias mesas e cadeiras andavam sozinhas. E as ajudantes do ferreiro divino eram belas moças feitas de ouro, que se mexiam e falavam como se fossem humanas.

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Além de nada atraente, Hefesto tinha um gênio rabugento: era caladão, introspectivo e um tanto rancoroso. Jamais esqueceu a rejeição da mãe e, um dia, teve sua vingança. Enviou ao Olimpo um belíssimo trono de ouro cravejado de joias – um presente para a rainha dos deuses. Mas nem bem Hera havia se sentado na cadeira reluzente, correntes inquebráveis saltaram do assento e a envolveram. A armadilha de Hefesto era indestrutível: nenhum dos outros deuses conseguiu libertar Hera.

Irritado com mais aquele estorvo em sua vida doméstica, Zeus enviou Hermes com uma mensagem a Hefesto. “Nobre ferreiro”, disse o deus com língua de mel, “o que você deseja para libertar a rainha dos deuses?” “Uma coisa, só”, respondeu Hefesto, parando de golpear a bigorna e enxugando o suor da testa. “Quero uma esposa. E não qualquer esposa. Exijo casar com Afrodite”.

Ao levar a notícia ao Olimpo, Hermes conteve um sorriso. Já previa que aquele casamento ainda causaria imensos tumultos. E, como sempre, Hermes estava coberto de razão.

A corte olímpica

No Olimpo, até os copeiros eram deuses

Oficialmente, os grandes deuses do Olimpo eram 12. Mas os gregos nem sempre incluíam os mesmos deuses nesse grupo. Todos concordavam com os 11 primeiros: Zeus, Hera, Palas Atena, Apolo, Ártemis, Ares, Hefesto, Deméter, Poseidon, Hermes e Afrodite. Quanto ao 12º, havia discordância: alguns incluíam Dioniso; outros, Héstia. Hades, que raramente deixava sua morada escura, jamais era contado entre as 12 divindades olímpicas.

Além dos deuses mais poderosos, havia no Olimpo uma vasta corte de divindades menores – cada qual com suas funções. Hebe, filha de Zeus e Hera, era deusa da juventude e servia a ambrosia à mesa divina. O belo Ganimedes era o copeiro pessoal de Zeus. Íris era a criada de Hera. As Horas eram ninfas que controlavam a passagem do tempo e guardavam os portões do Olimpo. Já as Musas – deusas inspiradoras das artes – cantavam e tocavam instrumentos para adoçar os banquetes divinos.

 

 

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