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O ministro da castidade

No governo Bush, Jeff Trimbath é o responsável pelos programas que ensinam jovens a se manter virgens até o casamento.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 31 jan 2007, 22h00

Teté Ribeiro, de Washington

Desde que assumiu seu primeiro mandato como presidente dos EUA, em 2001, George W. Bush fez da abstinência sexual uma das bandeiras morais de seu governo. O republicano, identificado com grupos conservadores e religiosos, mandou avisar que iniciativas que pregavam a abstinência como único método anticoncepcional e de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis seriam pre­feridas sobre aquelas que defendiam o uso de preservativos. Dito e feito. Apesar de especialistas em saúde e educação advertirem para os riscos do programa, muito restritivo e pouco esclarecedor, os menos de US$ 50 milhões que o último ano de Bill Clinton dedicou à abstinência pularam para os atuais US$ 175 milhões – nunca projetos do tipo haviam recebido tanto dinheiro no país. Quem toma conta da dinheirama toda é Jeff Trimbath, diretor da divisão de Administração para Crianças e Famílias (ACF, na sigla em inglês). Sua função é gerenciar os recursos – a maior parte é doada para organizações não-governamentais, hospitais e igrejas que assumem a organização das ações pró-abstinência. Trimbath é um sujeito tran­qüilo, que se casou virgem aos 30 anos de idade. Ele se “esconde” numa salinha sem graça de um típico prédio do funcionalismo público de Washington, numa área da capital americana que fica atrás da Casa Branca e reúne repartições do tipo. Ali, sempre em voz muito baixa, ele falou com exclusividade à SUPER.

Como você se envolveu com programas pró-abstinência sexual?

Sempre me interessei por assuntos de família, sempre acreditei que o núcleo familiar era muito importante. Então, assim que me formei na universidade, no começo dos anos 90, comecei a trabalhar em ongs que apoiavam programas de famílias no meu estado natal, a Pensilvânia. Sempre tive a certeza de que uma criança tem melhores chances na vida se for criada em uma família com pai e mãe, casados. E acredito que a abstinência sexual entre os jovens é a melhor maneira de prevenir que uma criança venha ao mundo em condições difíceis. Então comecei a trabalhar em ongs que promoviam o conceito de abstinência sexual entre os jovens até que eles se casem, até que fui convidado para coordenar esse programa do governo, 6 anos atrás, e aceitei.

Como os jovens americanos recebem essas informações?

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Não há uma fórmula única de como conscientizar jovens a esperar pelo casamento para fazer sexo. Pode ser uma palestra, um acompanhamento semanal, uma terapia. Depende de cada organização – e por isso é importante que o dinheiro vá tanto para universidades, que têm acesso a muitos jovens, quanto aos pequenos grupos de bairro, gerenciados por quem conhece bem a comunidade. O importante é o jovem ter acesso às informações sobre a abstinência e que ele não tenha de procurar por elas, e sim o contrário.

Por que a educação sexual deve ser um assunto de governo, e não da família?

Eu concordo plenamente que essa é uma questão familiar. Mas, como muitos outros assuntos que deveriam ser tratados em família, esse tem implicações sociais. Crianças nascidas fora do casamento são um problema para o Estado. Muitas vezes acabam abandonadas e o Estado é responsável por ir atrás do pai, estabelecer a paternidade com testes de DNA caros e coletar dinheiro para a educação da criança até que ela complete 18 anos. Isso tudo custa bilhões de dólares todos os anos ao governo. Portanto, nosso programa existe porque é necessário, e não simplesmente porque acreditamos que é melhor para os jovens que eles se mantenham virgens até casar.

Mas a abstinência sexual não é a única maneira de prevenir problemas como esse. Por que o programa não ensina aos jovens métodos de contracepção? Os dois conceitos não podem conviver harmoniosamente?

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O governo dos EUA tem uma lei dizendo que esse dinheiro só pode ser usado para programas que promovam exclusivamente a divulgação do conceito de abstinência. Há outros programas financiados pelo governo que promovem o uso de contraceptivos, e eles também têm ótimos resultados. Mas acredito que os dois conceitos não podem ser ensinados ao mesmo tempo, um é o oposto do outro. O nosso ideal é que os jovens esperem até o casamento para fazer sexo. Então não fazemos campanha contra o uso de contraceptivos. Os jovens americanos podem aprender a usar camisinha ou então outras formas de contracepção, mas isso não acontecerá dentro dos nossos programas de abstinência.

O programa não corre o risco de ficar limitado, se o único assunto é evitar que jovens façam sexo?

Não, porque isso não é verdade. O título de abstinence-only (“apenas abstinência”) dá mesmo essa impressão, mas a verdade é que queremos ajudar os jovens a fazer boas escolhas de vida, não apenas em relação ao sexo. Queremos que eles não usem drogas nem álcool, que façam planos para o futuro, que escolham uma profissão, que tenham relações amorosas saudáveis.

A crítica mais freqüente ao programa é que os jovens vão fazer sexo de um jeito ou de outro, e que não ensinar a usar camisinha ou outras formas de contracepção aumenta o risco de gravidez não desejada e de transmissão de doenças. Você discorda?

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Essa crítica vem recheada de preconceitos sobre os jovens. Nosso programa se baseia em estudos que mostram que, se você elevar o padrão de expectativa em relação aos jovens, na maioria das vezes eles não vão decepcioná-lo. Se você começa um programa acreditando que os jovens não vão fazer a escolha certa, é quase certo que não vai ser bem-sucedido. Nosso programa se recusa a baixar o padrão de expectativa. Cada vez há mais jovens que se mantêm virgens – e esse número só vem aumentando. Então por que deveríamos mudar nossos métodos?

A professora Clara Haignere, Ph.D. da Universidade Temple, argumenta que o método da abstinência é difícil de usar por um período longo de tempo, além de requerer negociação entre os parceiros. Ela alega ainda que até 86% dos jovens que tentam adotar a abstinência acabam falhando no processo.

A professora Clara está confundindo duas coisas: uma é a educação da abstinência, outra é a abstinência em si. Se ela dissesse que devemos estudar outros métodos de divulgar a abstinência entre os jovens, eu concordaria. A abstinência em si é 100% efetiva, mas só se for usada corretamente – assim como outros métodos de concepção. Quanto a ser necessária uma negociação, tudo relacionado à intimidade entre duas pessoas requer negociação. O uso da camisinha também requer negociação.

Mas um jovem que adota a abstinência não precisa lutar simplesmente contra seus desejos e hormônios. Ele também tem de brigar contra o que vê na TV, no cinema, nas revistas. Toda a cultura popular usa o sexo como atração.

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Sexo está em todo lugar mesmo, é natural, faz parte da vida. US$ 175 milhões certamente não são suficientes para fazer com que os jovens deixem de pensar em sexo. Aliás, nenhum dinheiro é suficiente para isso, o desejo é natural. Mas o desejo também é controlável. É mais fácil adotar a abstinência se o jovem acreditar que ela será temporária, que ele um dia vai ter uma profissão, formar uma família e ser um bom pai. E claro que é dificílimo que jovens não façam sexo até quase 30 anos, mas sou a prova de que é possível. Eu e minha mulher nos casamos aos 30 anos e éramos virgens. Não foi fácil, mas foi possível.

A recente eleição de um Congresso com maioria democrata pode atrapalhar os programas que você gerencia?

Espero que não. Pouca gente sabe, mas quem assinou a primeira lei aumentando o financiamento de programas de abstinência foi o presidente [democrata] Bill Clinton. Na época, as verbas do programa cresceram 300%. Então acredito que este é um tema com o qual os dois partidos concordam.

O número de adolescentes grávidas diminuiu nos últimos anos. Qual é a razão, em sua opinião?

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Não existe uma única razão, mas com certeza os programas de abstinência têm mérito nisso. Não há, porém, como garantir que o número de grávidas tenha diminuído apenas porque os jovens decidiram esperar até o casamento para fazer sexo. Pode bem ser porque eles estejam usando métodos preventivos com mais sucesso. Mas, se nossos programas não podem levar todo o crédito, temos pesquisas que provam que o a proporção de jovens adotando a abstinência cresceu nos últimos 15 anos. De 1991 a 2000, o número de jovens no colegial que fazem sexo caiu de 54% para 47%. É uma queda considerável.

A ACF tem um programa específico para adolescentes negros e hispânicos, que teriam índices de atividade sexual acima da média. Isso é mesmo verdade?

É. Não sabemos o motivo, mas comunidades negras e hispânicas têm maior atividade sexual entre jovens. Creio que a razão para isso possa ser a ausência dos pais. Essa é uma tese estudada por sociólogos, e eu sou apenas um burocrata, mas os números mostram esses dois fatos: em comunidades negras e hispânicas é mais comum que os jovens cresçam sem a figura do pai. E jovens que crescem sem o pai tendem a fazer sexo mais cedo.

Um santo para cuidar do sexo

O programa de abstinência tal como imaginado pelo governo Bush é polêmico desde o início. Faz parte de uma iniciativa maior, que mistura princípios religiosos e decisões de Estado, muito criticada pela oposição democrata e mesmo pela ala mais liberal do partido governista, o Republicano. Afinal, não só as entidades que defendem a abstinência sexual recebem mais dinheiro, mas aquelas que defendem o uso da camisinha, por exemplo, acabam discriminadas. Mesmo as ongs que não lidam com jovens, caso das que atuam contra a aids entre adultos, viram o dinheiro destinado a elas diminuir nos anos de governo Bush. A última polêmica aconteceu no final de novembro do ano passado. Foi quando o republicano indicou o médico Eric Keroack para comandar o Escritório de Assuntos Populacionais, também subordinado ao Departamento de Saúde, com um orçamento de US$ 280 milhões e que supervisiona programas federais como testes de gravidez, exames de câncer no seio e distribuição de pílulas anticoncepcionais para 5 milhões de pessoas de baixa renda todos os anos. Acontece que o dr. Keroack vem de uma organização ultraconservadora, a Woman’s Concern, que entre outras coisas se recusa a dar pílulas anticoncepcionais mesmo a mulheres casadas. Isso fez com que líderes democratas protestassem contra a indicação dele ao cargo, argumentando que suas decisões seriam influenciadas por seu trabalho anterior. Até a conclusão desta edição, a polêmica continuava.

Jeff Trimbath

• É considerado o “czar da abstinência” do governo Bush. Está no cargo desde o início do primeiro mandato do republicano.

• Concorda que é quase impossível que os jovens continuem sem fazer sexo até os 30 anos, mas diz ser a prova de que é possível. Ele e a mulher se casaram aos 30 anos – ambos virgens.

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