O que Hitler pretendia para o Brasil?
Os nazistas planejavam invadir e redesenhar a América do Sul - mudando, inclusive, o território pertencente ao Brasil.
Os arquivos da Biblioteca Presidencial Franklin D. Roosevelt, instalada na cidade de Hyde Park, no Estado de Nova York, abrigam um mapa curioso. Escrito em alemão, ele divide a América do Sul inteira em apenas cinco territórios: Brasil (que ganharia parte da área da Bolívia), Argentina (englobando o Uruguai e o Paraguai, além do sul da Bolívia), Chile (que subiria rumo norte, engolindo o Peru) e Nova Espanha (uma junção de Colômbia, Venezuela e Equador), mais a Guiana. O presidente Roosevelt recebeu esse mapa do serviço de inteligência britânico em 1940, antes mesmo de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra, no fim de 1941. O desenho foi mimeografado, e por isso o fundo é escuro e as linhas, brancas. A imagem deixa claro: Adolf Hitler tinha uma ideia do que fazer com a América do Sul se vencesse.
Iria fundir países, ocupar os governos e, obviamente, favorecer os alemães “arianos” ligados aos partidos nazistas espalhados pela região. E também explorar nossas riquezas naturais. Afinal, depois de ter dominado parte expressiva do Norte da África em parceria com os italianos, ele poderia facilmente atravessar o Atlântico em busca de controlar os minérios do continente.
O plano alemão não se limitava à teoria. Nos anos de paz de seu governo, o Führer havia enviado uma expedição de dois anos ao sul do Amapá, cruzando rumo à Guiana. O objetivo era mapear a região a fim de conseguir um espaço vizinho às terras dos adversários da Alemanha: a Guiana Inglesa, o Suriname, holandês, e a Guiana Francesa. E, assim, criar uma colônia concorrente na América do Sul.
Então os nazistas se perguntavam: “os alemães puros resistiriam aos trópicos?”. Outra missão científica tentou responder a isso. Concluiu que a resposta era “sim”. De março a maio de 1936, dois pesquisadores do Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo, Gustav Giemsa e Ernst Nauck, visitaram uma região de colonização alemã instalada no Espírito Santo para descobrir se aqueles europeus de nascimento estavam bem adaptados ao ambiente local.
“O debate sobre aclimatação ganhou força no Terceiro Reich, impulsionado pelas ambições coloniais nazistas e influenciado pela higiene racial e pelas disputas institucionais e teóricas no campo da medicina tropical”, escreve André Felipe Cândido Silva, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no artigo Raça, Medicina Tropical e Colonialismo no Terceiro Reich: a Expedição de Giemsa e Nauck ao Espírito Santo em 1936. “O objetivo da expedição foi investigar as condições de vida e saúde da população teuta ali estabelecida, tendo em mira determinar se e em que medida ela poderia ser considerada ‘aclimatada’, ou seja, se havia se adaptado ao local mantendo as características que distinguiriam a ‘raça’ alemã, ou se sofrera degeneração nos trópicos, isto é, modificações negativas ocasionadas pelo ambiente tropical.”
Partidários e espiões
“Degenerados” era como os nazistas viam os descendentes de alemães no Brasil. O País abrigou a maior filial do Partido Nazista fora da Alemanha, com um total de 2.822 filiados. Mas brasileiros, mesmo que filhos de alemães pelos dois lados da família, não podiam pertencer ao partido. Basicamente porque, de acordo com os conceitos do governo alemão, estariam “contaminados” pela miscigenação do País. Ainda assim, os clubes germânicos passaram a ser controlados pelos nazistas, que hasteavam as bandeiras do partido em locais desde a Escola Alemã da Vila Mariana, em São Paulo, ao Clube de Atiradores de Blumenau, na cidade catarinense de Blumenau, passando pelo morro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro.
“Seria possível – do ponto de vista dos partidários – a convivência da chamada raça ariana com as supostas raças ‘inferiores’ onde estariam alocados judeus imigrados, negros e brasileiros em geral residentes neste país tropical?”, pergunta Ana Maria Dietrich em sua pesquisa. Ela responde: “Não. Os alemães do Reich eram considerados ‘alemães puros'”.
Enquanto não chegava a hora de mostrar suas reais cores, a Alemanha nazista investia na espionagem, com agentes ativos principalmente em Buenos Aires e em São Paulo. A principal rede de informantes atuou no que ficou conhecida como a Operação Bolívar.
As ações tiveram início em 1940, a partir do trabalho de uma dupla vivendo na Argentina: Johannes Siegfried Becker (codinome Sargo) e Heinz Lange (que assinava os relatórios com o nome Jansen) atuaram em Buenos Aires. Rapidamente, foram identificados como espiões pelo governo local e fugiram para São Paulo, onde iniciaram uma parceria com Gustav Albrecht Engels (cujo apelido era Alfredo). Engels estava formando uma estação clandestina de rádio para enviar informações de espiões e da imprensa local sobre o cenário político do Brasil e dos demais países da América Latina. Em poucas semanas, o trio estava operando com bastante frequência.
Apesar de todo o esforço, a verdade é que a transmissão via rádio não reunia informações de relevância – em geral, os envolvidos tinham pouco acesso aos bastidores dos governos e se limitavam a reportar o que liam nos jornais, ou, no máximo, boatos não checados ouvidos em jantares e ocasiões sociais. Os espiões chegavam a disparar 15 mensagens por dia rumo a Berlim. Melhor para os Aliados, porque as transmissões eram interceptadas com facilidade pelos serviços de inteligência americano e britânico. Em diferentes ocasiões, as polícias locais foram municiadas com informações e realizaram buscas e prisões nos imóveis dos envolvidos.
A espionagem pode ter dado errado e as expedições, em nada. Mas não há dúvidas: uma vitória alemã transformaria o Brasil em “Brasilien”, com alemães alçados à classe superior e os brasileiros reduzidos à servidão ou escravidão. Talvez ao extermínio.