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E se o tráfico negreiro não houvesse existido?

E se Portugal, Inglaterra e outros países europeus não tivessem buscado mão-de-obra na África a partir do século 15?

Por José Eduardo Costa
Atualizado em 18 nov 2016, 00h18 - Publicado em 31 jan 2004, 22h00

Vários milhões de africanos e descendentes teriam sido poupados do horror da escravidão. Essa seria a mais óbvia – e talvez a mais relevante – das mudanças que ocorreriam caso Portugal, Inglaterra e outros países europeus não tivessem buscado mão-de-obra na África a partir do século 15. Mas isso não afetaria apenas os negros: o mundo inteiro seria diferente. Tente imaginar como seria, por exemplo, Salvador – cidade onde cerca de 80% de população é negra – sem os tambores, o candomblé, os afoxés e os trios elétricos que animam o Carnaval ao som de grupos de axé. Lá e em todo o Brasil a folia seria parecida com a de Veneza, na Itália. Pessoas sem o mínimo jogo de cintura bailariam ao som de violões. “Toda a nossa musicalidade vem do contato com o africano. Onde houve um trabalhador escravo nas Américas, se ouviu um tambor”, diz o historiador da música José Ramos Tinhorão.

A culinária do Brasil também seria bem menos rica. Nada de acarajé ou feijoada completa: nos limitaríamos às sardinhas, ao bacalhau e aos doces dos portugueses e à comida dos imigrantes. Ingredientes comuns na cozinha brasileira, como o feijão-preto, o azeite-de-dendê, a pimenta-malagueta e o quiabo – introduzidos aqui pelos negros– seriam caras iguarias. E o futebol? Certamente teríamos demorado mais para inventar o gol de bicicleta. Foi Leônidas da Silva, o Diamante Negro, quem popularizou a acrobacia. O fato é que o nosso futebol seria mais europeu – sem dribles desconcertantes como os do mestiço Garrincha. E, claro, Pelé nunca nasceria em Três Corações para se tornar o melhor do mundo em Santos.

Se não houvesse o tráfico negreiro, a distribuição de força dos países seria menos desigual. A África subsaariana seria mais desenvolvida, próxima do patamar alcançado pelo México ou pelo Brasil. Isso porque durante o período do tráfico negreiro, entre os séculos 16 e 19, o continente perdeu um contingente enorme de sua mão-de-obra – cerca de 12 milhões de homens. “Até o século 15, a África tinha o mesmo grau de conhecimento e desenvolvimento dos europeus e muito mais riquezas minerais”, diz Selma Pantoja, professora de história da África da Universidade de Brasília. Não fosse o sistema escravocrata, a Guerra Civil americana não teria ocorrido. Assim, os Estados Unidos perderiam um importante impulso para a conquista das terras do oeste, que contribuiu para o crescimento da economia e o desenvolvimento do capitalismo no país. Sem falar na música americana: o jazz, o blues e o rock simplesmente não existiriam. Alás, a música popular seria diferente no mundo todo.

O povo brasileiro seria majoritariamente branco, como o argentino ou o uruguaio. Os índios, escravizados em massa, teriam seus dias contados. “Hoje, talvez não tivéssemos um único exemplar de qualquer tribo que fosse”, afirma a historiadora Adriana Lopez, da USP. Isso porque a população nativa era composta por grupos esparsos e pouco organizados – bem diferente do cenário no México ou no Peru, que ainda mantêm uma forte identidade indígena.

Sem poder contar com a mão-de-obra africana, seria inviável para os portugueses o plantio da cana-de-açúcar nas grandes propriedades do Nordeste brasileiro – o que os teria forçado a recorrer ao uso de mão-de-obra paga desde o início da ocupação territorial. Provavelmente, seriam trazidos chineses, como ocorreu na Califórnia no século 19. O Brasil viraria uma colônia de povoamento com pequenas propriedades. Em vez de plantar um único produto, em larga escala e voltado à exportação, teríamos um mercado consumidor interno emergente. Supondo que os portugueses fossem competentes o suficiente para manter a unidade da colônia, teríamos grandes chances de ser hoje um país desenvolvido. Caso contrário, a terra portuguesa na América se partiria em um punhado de pequenas repúblicas independentes. Em resumo: o Brasil poderia não existir.

Um carnaval europeu em Salvador

Sem os negros,capital baiana não teria axé,candomblé nem acarajé

BOLA MURCHA

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Quase todos os gênios do futebol brasileiro – Pelé, Garrincha, Ronaldo – têm ascendência africana. Sem eles, nosso jogo seria tão emocionante quanto o inglês ou o alemão

SUINGUE ZERO

Sem a presença negra, os tambores do samba e o gingado brasileiro nunca existiriam. Nosso Carnaval, animado com instrumentos de corda e sopro, seria parecido com o de Veneza

ORIXÁS DE FORA

Os cultos afros, como o candomblé e a umbanda, não fariam parte da vida espiritual do brasileiro. O catolicismo seria ainda mais forte

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MASSA BRANCA

Se não tivessem trazido os negros, os portugueses teriam dizimado os índios e, provavelmente, buscado trabalhadores na Ásia. Até uma cidade como Salvador seria majoritariamente branca

NADA DE DENDÊ

Imagine a Bahia sem acarajé. Não fossem os negros, nossa comida seria semelhante à portuguesa, com forte influência da cozinha dos imigrantes europeus e asiáticos

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