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O último grande sertão

Uma vasta região, quase desconhecida, entre os Estados de Tocantins, Bahia, Maranhão e Piauí, esconde pedaços ainda intactos do cerrado brasileiro.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h13 - Publicado em 30 set 1998, 22h00
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  • Texto e fotos de Maria Dania Junges

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    Quem diria, o sertão já foi mar. Há 350 milhões de anos, quando começou a se formar, o Jalapão era o fundo enrugado de um oceano. Há 280 milhões de anos o esfriamento da temperatura da Terra aprisionou a água congelada nos pólos e rebaixou o nível dos mares. Surgiram continentes, montanhas e, no leste da América do Sul, uma vasta superfície aplainada. Durante milênios, a erosão desgatou esses terrenos, gerando as serras baixas típicas do Planalto Brasileiro. Então, lentamente, no Período Cretáceo, há 60 milhões de anos, emergiram o Espigão Mestre e a Chapada das Mangabeiras, delimitando, no seu interior, o Jalapão.

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    Se a Geologia caprichou, a História também deu uma boa mão. A região foi pouco alterada nos 500 anos de formação do Brasil e chegou quase despovoada aos dias de hoje. Tem só 26 000 habitantes. A densidade demográfica é de 1,3 indivíduo por quilômetro quadrado, igual à do Estado do Amazonas. Uma erva abundante, a Jalapa-do-Brasil (Operculiona macrocarpa), deu o nome a um território de 34 113 quilômetros quadrados, maior que o Estado de Alagoas.

    A paisagem é aquela descrita pelo escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) em Grande Sertão: Veredas, considerado um clássico da literatura universal: bela, rude e grandiosa. Apesar das queimadas, o Jalapão é tão grande que ainda contém santuários ecológicos com animais selvagens, rios transparentes e inúmeras cachoeiras. Tem chapadões de 800 metros de altura e dunas de areia. O solo, árido, pouco apropriado para a agricultura, sustenta savanas, matas de galeria (aquelas que crescem nas margens dos rios), e palmeirais de buriti. Não faltam lagos, pedras bizarras esculpidas pelo vento, canyons profundos e até pinturas rupestres, nunca estudadas, de povos indígenas pré-históricos. Cenário para qualquer escritor ficar deslumbrado.

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    Grandes chapadões com escarpas de até 800 metros de altura dominam a paisagem. Eles já foram o fundo do mar

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    Os tucanuçus (Ramphastos tuca) de bico amarelo colorem o cerrado

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    A Cachoeira da Velha, com 25 metros de altura, no Rio Novo, tem grande volume de água mesmo na estação da seca

    As Dunas do Jalapão, no sopé da Serra do Espírito Santo (ao fundo), são uma paisagem rara no cerrado

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    O arisco veado-campeiro (Ozotocerus bezoarticus) se esconde no pasto alto das savanas

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    A onça-pintada (Panthera onca) fica nos ermos, escondida. Está ameaçada de extinção

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    A arara-canindé (Ara araruana) costuma voar sempre em par

    A bela flor do pequi (Caryocar brasiliensi) é uma das espécies nativas mais típicas da região O Rio Novo, com águas azuis e transparentes, forma belas praias nos meses secos (de abril a setembro)

    O Rio Novo, com águas azuis e transparentes, forma belas praias no meses secos (de abril a setembro)

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    A frágil esponjinha (Calliandra haematocephala) cresce nos campos, perto de nascentes

    As sempre-vivas (Helichrysum braceatum) abundam no cerrado

    A Pedra da Baliza, esculpida pela erosão e pelo vento, é a sentinela da fronteira entre o Tocantins e a Bahia A travessia do

    Rio do Sono é feita numa balsa rudimentar

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    Só boiadas cortam o horizonte largo e solitário das estradas empoeiradas

    Os primeiros a povoar a região foram migrantes nordestinos

    A travessia do rio do Sono é feita numa balsa rudimentar

    As famílias dos mumbucas descendem de ex-escravos negros expulsos da Bahia pela seca

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    Pinturas rupestres pré-históricas, nunca estudadas, cobrem as faces do Morro do Homem

    Com tecnologia rústica, a população vive de pecuária extensiva e agricultura de subsistência

    Um oásis esquecido pela História

    Alheio às agitações da História, o Jalapão conserva muitas belezas naturais, embora já tenha perdido algumas. Apesar da caça não-fiscalizada, ainda há onças-pintadas, tamaduás-bandeiras, veados-campeiros, antas, emas, capivaras, lobos-guará e lagos repletos de jacarés. Entre as aves, destacam-se tucanos e araras azuis.

    O solo é pobre, mas o subsolo possui reservas de urânio, ferro, manganês e ouro. A maior riqueza, no entanto, é o potencial hidrelétrico de dezenas de cachoeiras e rios de água cristalina que deságuam no Rio Tocantins. E o turismo, que mal começou.

    Um refúgio para exilados da seca

    Os primeiros povoadores do Jalapão foram migrantes nordestinos que chegaram ao vale do Rio do Sono em 1863. Em pouco tempo estabeleceram a pecuária extensiva como ocupação econômica na vasta região despovoada. Hoje o rebanho ultrapassa 300 000 cabeças de gado. No verão, os criadores tocam fogo no pasto para rebrotar o capim nativo. As queimadas torram pelo menos um terço do Jalapão (11 100 quilômetros quadrados) todo ano. São grandes os prejuízos à flora e à fauna.

    Atrás dos vaqueiros, em 1908, chegaram os mumbucas, uma comunidade de negros, ex-escravos remanescentes de quilombos, fugidos da grande seca baiana daquele ano. Instalaram-se no município de Mateiros, formando uma comunidade fechada. Hoje, são 22 famílias. Os seus rituais de cultura afro-brasileira estão sendo progressivamente abandonados e substituídos pela culto evangélico da Assembléia de Deus, levado por pastores de confissão batista. As mudanças são lentas no Jalapão. Mas também acontecem.

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