Rodrigo Cavalcante
Em abril de 1865, um relatório oficial assinado por Filippo Gualtério, então prefeito da cidade de Palermo, na Sicília, usou pela primeira vez o termo “máfia” para descrever uma associação criminosa com ramificações no poder público local. Apesar de ser considerado o primeiro registro policial da palavra, o documento não é considerado a certidão de nascimento da organização. Até porque, de acordo com os historiadores, alguns traços da máfia têm raízes na Sicília medieval.
Ocupando uma posição estratégica, bem no meio do Mar Mediterrâneo, a Sicília sempre foi uma ilha cobiçada por invasores estrangeiros. Por lá passaram os mais variados povos conquistadores: romanos, vândalos, ostrogodos, bizantinos, árabes, normandos e, até o início do século 19, espanhóis da dinastia dos Bourbon. Para nascer, afirmam os especialistas, a máfia teria se aproveitado do sentimento popular de rejeição à lei oficial, historicamente imposta por estrangeiros, e do poder dos inúmeros exércitos privados montados e contratados para proteger as terras de nobres que viviam fora da Sicília.
A partir de meados do século 19, essas milícias privadas transformaram-se em organizações fortes e bem-estruturadas, que cobravam “proteção” dos proprietários locais. Para manter a ferrenha obediência de seus integrantes, esses grupos copiaram da maçonaria seus ritos de iniciação, criando um código de conduta capaz de perpetuá-los como organização criminosa.
A origem do nome “máfia” é controversa. Um dicionário siciliano de 1868 lista como sinônimos de máfia “coragem, audácia, superioridade, vanglória”, reforçando a tese de que o termo descrevia, inicialmente, a atitude individualista e audaciosa da elite siciliana que se recusava veementemente a se submeter à justiça imposta por invasores e forças de ocupação.
Apesar de filmes como O Poderoso Chefão terem reforçado a idéia de que a máfia do passado era composta por “padrinhos políticos” e “justiceiros honrados”, que agiam com menos violência e ganância financeira que o crime organizado de hoje em dia, os historiadores sabem que esse é apenas um dos mitos propositadamente construídos pelos mafiosos. “É sobretudo a máfia que descreve a si mesma como costume e comportamento, como expressão de uma sociedade tradicional”, escreve o historiador italiano Salvatore Lupo, autor do livro História da Máfia: das Origens aos Nossos Dias. “Mas avidez e ferocidade são características tanto das organizações mafiosas de ontem como das de hoje, capazes ambas de massacrar inocentes, mulheres e crianças a despeito dos códigos honoríficos.”
Um bate, o outro assopra
Mafiosos que o ditador Benito Mussolini prendeu foram soltos pelos americanos quando a 2ª Guerra Mundial terminou
CARRASCO DA MÁFIA SICILIANA – PALERMO, 1925
Em seu primeiro século de vida, a temida máfia siciliana não encontrou nas autoridades, muito menos na sociedade civil, uma força capaz de evitar que ela prosperasse. Mas tudo mudou radicalmente em outubro de 1925, quando o ditador fascista Benito Mussolini indicou para prefeito da cidade de Palermo o militar Cesare Mori, delegando-lhe uma missão especial: erradicar a máfia da Sicília por todos os meios que fossem necessários. Mori pôs na rua uma campanha violenta contra os mafiosos, ocupando a comuna de Gangi, base de várias organizações criminosas. Usando os carabinieri (policiais militares) e outras forças de repressão, ele prendeu milhares de criminosos confessos e suspeitos, não hesitando em usar mulheres ou crianças como reféns para obrigá-los a se entregar. Seus métodos renderam-lhe o apelido de “prefeito de ferro”.
DA CADEIA À PREFEITURA – SICÍLIA, 1943
Benito Mussolini entrou pelo cano quando tropas americanas invadiram a Sicília em 1943, durante a 2ª Guerra Mundial. Os invasores encontraram nos mafiosos os melhores aliados do mundo: odiavam o regime fascista tanto quanto repudiavam comunistas. Mussolini caiu. A Itália perdeu a guerra. E os americanos libertaram boa parte dos mafiosos presos. Alguns chefões da máfia até assumiram cargos públicos nesse período, como Calogero Vizzini, o don Calo, (foto), transformado em prefeito da cidade de Villalba, e Giuseppe Genco Russo, que ocupou a mesma posição na cidade de Mussomeli. Os mafiosos sicilianos voltavam à cena com ânimo redobrado, dispostos a recuperar toda a sua influência social e econômica.