Os ossos de São Tiago
Os supostos restos mortais do apóstolo estão em uma catedral na Espanha. Mas pode ser que Tiago nunca tenha ido à Península Ibérica
Tatiana Achcar e Maria Fernanda Almeida
A rota de peregrinação mais famosa do mundo leva à catedral de Santiago de Compostela – famosa por guardar os ossos de São Tiago, o padroeiro da Espanha. Mas como teria o corpo do apóstolo chegado à região conhecida pelos romanos por Finis Terra, o fim do mundo? São Tiago pode nunca ter pregado o Evangelho na península Ibérica. A sepultura na Galícia talvez não abrigue seus restos mortais.
Conta a tradição que Tiago foi pregar os ensinamentos de Cristo na Espanha, logo após a morte e ressurreição de Jesus. No ano de 44 d.C., já de volta a Jerusalém, o apóstolo foi decapitado; dois discípulos recolheram seus restos mortais e os transportaram num barco para a Espanha. Milagrosamente, apenas sete dias depois da partida, a embarcação teria chegado a Iria Flávia, então capital da Galícia, onde puderam sepultá-lo.
Com o passar do tempo, o cemitério foi abandonado e caiu no esquecimento. Até que, no século 9, um eremita avistou uma chuva de estrelas e, guiado por luzes, encontrou o túmulo do apóstolo. Este local passou a ser conhecido como Compostela (corruptela de campo estelar). A descoberta deu início às peregrinações, vindas de toda Europa.
Mais tarde, durante as guerras de Reconquista contra os muçulmanos, o rei Afonso II evocou a figura de São Tiago como padroeiro da Espanha para incentivar seus exércitos na luta contra os infiéis. Ainda segundo a lenda, em 844, na decisiva Batalha de Clavijo, o santo apareceu num cavalo branco e, de espada em punho, comandou o exército cristão à vitória. Esta lenda deu origem à imagem de Santiago Matamoros , em que Tiago é representado como um guerreiro.
Mas muitos teólogos questionam os feitos de São Tiago. Até o século 9, nenhum documento fez menção às pregações de Tiago na região noroeste da Espanha. A dúvida também paira sobre a autenticidade dos restos mortais e do túmulo de Compostela. Há teólogos que sustentam que o apóstolo teria sido enterrado na igreja de Saint-Saturnin, em Toulouse, na França. Outros são defensores da tese de que as relíquias sagradas tenham sido divididas entre as duas igrejas. Numa bula decretada em 1884, o papa Leão XIII (1878-1903) manifestou-se pela autenticidade dos ossos enterrados em Compostela.