Os romanos tivessem descoberto o Novo Mundo?
O Colombo romano, tendo por base a Ibéria ou a Britânia, poderia ter sido qualquer um deles.
Voltaire Schilling
Numa data imprecisa – suponhamos que entre os séculos II a.C. e I d.C. –, um grupo de pescadores aborígenes, onde bem mais tarde seria o leste do Canadá atual, foi surpreendido por uma visão extraordinária. Estupefatos, depararam-se com um estranho barco enquilhado nas areias, muito maior que as canoas que eles usavam. Era uma galera com a vela recolhida para cima no mastro, onde avistavam-se, numa placa, quatro símbolos de cujo significado eles não tinham a menor idéia: SPQR (Senatus Populusque Romanus, ou Senado do Povo Romano). Bem perto dela, acampados ainda na praia, uma roda de marinheiros ao redor de um fogo assava carne de morsa. Sim, 900 anos antes dos vikings, 1 400 antes de Colombo, teriam sido os romanos que, fiéis ao lema Navigare necesse est (Navegar é preciso), chegavam ao Novo Mundo.
A única direção em que lhes fora possível aproar – visto que com suas naus seria impossível atravessar o oceano na sua parte mais larga – era a rota do Atlântico Norte, com mais de 6 000 quilômetros de extensão. Partindo da Escócia rumo à Islândia, ultrapassando a seguir o sul da Groenlândia, iluminados pelo Sol da Meia-Noite, a tripulação chegara, por fim, exausta, à atual costa canadense.
O chefe dessa notável e hipotética façanha poderia ter sido Cipião Emiliano, neto do famoso Cipião, o Africano, que subjugou a Ibéria em 133 a.C. A partir desse território, teria sido possível planejar o espantoso épico. Com o auxílio de um piloto grego, um provável descendente de Piteas – explorador e astrônomo que, no século IV a.C., conseguiu navegar do Mediterrâneo à Noruega –, Cipião Emiliano teria se lançado às águas de algum lugar da costa espanhola em direção ao canal da Irlanda, iniciando o grande périplo que o levaria ao Novo Mundo.
Outros dois fortes candidatos ao assombroso feito – só que dois séculos depois de Cipião – poderiam ter-se associado no empreendimento, visto que viveram próximos um do outro. O primeiro deles seria Plínio, o Velho, ilustre nome da ciência antiga, autor de uma impressionante História Natural, e que também era almirante. Ele fora indicado pelo império como Praefectus classis, isto é, chefe de esquadra, e também aventurara-se a desbravar as ilhas do Mar do Norte. O outro era Júlio Agrícola, o governador da Britânia, que, depois de submeter os bretões, entre 75 e 77, viu-se livre para explorar a passagem pelo Atlântico Norte. O Colombo romano, tendo por base a Ibéria ou a Britânia, poderia ter sido qualquer um deles.
Quais nomes os conquistadores dariam às vastidões de terra descobertas integradas ao império? Se fosse Cipião o descobridor, talvez ele se sentisse tentado em batizar o Novo Mundo com o nome da sua família: Cordélia. Ou, num acesso de egolatria, como Cipiônia mesmo. Plínio e Agrícola teriam feito a viagem sob os auspícios do imperador Vespasiano (69-79) e não teriam hesitado em chamá-lo de Vespasiânia.
Dominando o litoral da nova terra com seus fortins, em pouco tempo boas estradas pavimentadas começariam a rasgar o interior. Milhares de germanos e celtas seriam estimulados por eles a procurar os portos romanos na Europa. Embarcados na Ibéria ou na Bretanha, os imigrantes seriam trazidos às levas para as novas paragens – operação demorada mas que livraria o império de, mais tarde, ser soterrado pela maré bárbara. O destino dos milhões de nativos do Novo Mundo não teria sido diferente dos demais povos submetidos pelos romanos. Dificilmente a escravidão e os trabalhos forçados deixariam de ser o seu fado.
Com o passar dos séculos, uma nova civilização romano-germana iria espalhar-se pelas duas partes do Novo Mundo, a do Norte e a do Sul, tendo como ligação o istmo de Nova Corinto. Sim, porque, essa teria sido a forma de os romanos homenagearem o seu piloto grego, o homem que, lendo as constelações boreais e seguindo a Ursa Menor, os traria ao Novo Mundo, lembrando a ele sua terra natal, ao tempo em que lá no alto do Corcovado, até hoje estaria a estátua de Júpiter, ameaçando os invasores com seus tenebrosos raios.