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Quando a arma era de papel

Diplomatas e funcionários de consulados e embaixadas de várias nações arriscaram o pescoço para salvar um número incalculável de pessoas, sobretudo judeus.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 mar 2023, 17h06 - Publicado em 14 abr 2012, 22h00

Texto Moacir Assunção

O mais célebre herói humanitário da 2a Guerra foi Oskar Schindler, que inspirou um premiado filme de Steven Spielberg. O empresário usou suas fábricas na Polônia como pretexto para empregar o maior número possível de judeus considerados cruciais para o esforço de guerra alemão – mesmo que velhos, crianças e doentes. Na iminência da “solução final”, preparou uma lista com mil pessoas, poupadas das câmaras de gás. Outros civis pouco conhecidos, porém, foram tão ou mais importantes. Entre eles se destacam, até pela natureza de sua profissão, os diplomatas.

O Schindler português salvou 30 mil pessoas

QUEM
ARISTIDES DE USA MENDES

NASCIMENTO
LISBOA (PORTUGAL)

ONDE ATUOU
BORDEAUX (FRANÇA)

POR QUE É HERÓI?
DISTRIBUIU 30 MIL PASSAPORTES, 10 MIL DELES PARA JUDEUS

O feito de Aristides de Sousa Mendes supera e muito o daquele com o qual costuma ser comparado – o austro-húngaro Oskar Schindler. Nada menos que 30 mil pessoas, entre elas cerca de 10 mil judeus, não foram enviadas aos campos de concentração graças a seus salvo-condutos. Vindo de uma família aristocrática portuguesa, Aristides era funcionário do governo de Antonio Salazar, ditador alinhado com Adolf Hitler. Como cônsul em Bordeaux, na França ocupada, ele desobedeceu à ordem de não conceder vistos de entrada em Portugal a “estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos judeus expulsos dos países de sua nacionalidade ou daqueles de onde provêm”. Em 1940, declarou que assinaria vistos e passaportes de todos os que os pedissem: “Já não há nacionalidade, raça ou religião. Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus”. E assim o fez, aos milhares, entre os dias 17 e 20 de junho. Salazar ordenou que outros funcionários o expulsassem da chancelaria. Aristides então liderou uma coluna de refugiados em direção à Espanha. Apesar do fechamento da fronteira, conseguiu fazer o grupo chegar a Portugal ao enganar os guardas. Foi punido com a perda das funções e dos rendimentos, teve cassado o direito de exercer sua profissão de advogado e até de dirigir. Ele e seus filhos (teve 14) passaram a viver com a ajuda da comunidade judaica de Lisboa. Recebeu o título de Justo entre as Nações em 1966, e 20 árvores foram plantadas em sua homenagem no Museu do Holocausto em Jerusalém. Dois de seus filhos participaram do Dia D. Morreu pobre, em 1954.

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Vistos da janela do trem

QUEM
CHIUNE SUGIHARA

NASCIMENTO
YAOTSU (JAPÃO)

ONDE ATUOU
KAUNAS (LITUÂNIA)

POR QUE É HERÓI?
DEU 6 MIL VISTOS PARA JUDEUS POLONESES

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Cônsul de seu país em Kaunas, na Lituânia, ocupada pelos nazistas, o japonês Chiune Sugihara emitiu milhares de vistos para judeus poloneses (fala-se em 6 mil) que passavam pelo país báltico mesmo depois que o Ministério dos Estrangeiros japonês determinou que ele parasse. Último diplomata estrangeiro a abandonar Kaunas diante do avanço dos soviéticos, continuou concedendo vistos até da janela do trem. Ao voltar a Tóquio, foi criticado pelo governo e forçado a renunciar ao cargo. Passou a ganhar a vida como tradutor e representante de uma empresa japonesa em Moscou.

Abrigou 15 mil e desapareceu

QUEM
RAOUL WALLENBERG

NASCIMENTO
ESTOCOLMO (SUÉCIA)

ONDE ATUOU
BUDAPESTE (HUNGRIA)

POR QUE É HERÓI?
PROTEGEU 15 MIL JUDEUS

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O diplomata sueco Raoul Wallenberg estava na Hungria em 1944, quando os nazistas, em fuga por causa da invasão soviética, se preparavam para levar aos campos de concentração milhares de judeus húngaros do gueto de Budapeste. Na luta para libertar prisioneiros dos alemães, Wallenberg chegou a seguir, de automóvel, comboios de refugiados alegando que eles estavam sob a proteção da embaixada de seu país. Emitiu milhares de passaportes suecos falsos idênticos aos originais e passes protetores. Também conseguiu manter 15 mil judeus em 31 casas de proteção sob guarda da embaixada sueca – o país era neutro na guerra. Frustrou conspirações para explodir o gueto de Budapeste às vésperas de sua libertação pelos Aliados. Já perto do fim do conflito, entretanto, o benfeitor sueco foi capturado pelos russos e acusado de ser um espião americano. Jamais foi visto novamente. O título de Justo entre as Nações lhe foi outorgado em 1946.

O falso Embaixador

QUEM
GIORGIO PERLASCA

NASCIMENTO
COMO (ITÁLIA)

ONDE ATUOU
HUNGRIA

POR QUE É HERÓI?
FINGIU-SE DE DIPLOMATA ESPANHOL E DEU VISTOS A JUDEUS HÚNGAROS

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O comerciante de carnes italiano Giorgio Perlasca trabalhava em uma importadora de Budapeste quando tomou uma atitude ousada: criou uma falsa identidade, assumiu o cargo do embaixador espanhol e passou a emitir passaportes para judeus húngaros. Admirador do ditador espanhol Francisco Franco (para quem lutou como voluntário na Guerra Civil Espanhola) e entusiasta do fascismo, Perlasca perdeu a crença no regime depois de 1938, quando a Itália apoiou a perseguição aos judeus. Em 1943, seu país assinou o armistício com os Aliados e ele foi preso pela polícia nazista húngara. Foi socorrido pelo embaixador espanhol Ángel Sanz-Briz. Giorgio falsificou seus documentos e se tornou Jorge Perlasca, um “legítimo” cidadão espanhol. Com a aproximação dos soviéticos, foi a vez de Sanz-Briz salvar a própria pele e deixar a cidade. Não indicou substituto ao cargo.

O governo nazista pediu a mudança da embaixada para Sopron, perto da fronteira com a Áustria. Perlasca convenceu os nazistas de que Sanz-Briz estava em missão oficial e que o havia nomeado como substituto. Eles acreditaram. Usando os papéis e carimbos do embaixador fugitivo, ele emitiu milhares de documentos em favor dos judeus húngaros. Por garantia, registrava-os com data anterior à saída do embaixador.

Depois de salvar 5218 pessoas, Perlasca queimou seus falsos documentos espanhóis e retornou à Itália, onde viveu modestamente – e sem revelar suas ações humanitárias a ninguém durante décadas. Encontrado pela comunidade judaica no fim dos anos 80, declarou: “Não pude resistir à visão de um povo que era marcado como animal, a ver crianças assassinadas. Não creio que eu tenha sido um herói”. Recebeu o título de Justo entre as Nações em 1989, três anos antes de morrer.

Um só documento para mil pessoas

QUEM
CHARLES LUTZ

NASCIMENTO
SUÍÇA

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ONDE ATUOU
HUNGRIA

POR QUE É HERÓI?
CRIOU “PASSAPORTES COLETIVOS” PARA ILUDIR OS ALEMÃES

Representante da neutra Suíça em Budapeste, Charles Lutz atuava em nome dos interesses dos EUA, da Grã-Bretanha, de El Salvador e de outros 13 países. Em maio de 1944, quando soube de iminente deportação de judeus húngaros para campos de concentração, passou a recolher judeus em casas de proteção e distribuiu documentos de cidadania salvadorenha emitidos em Genebra. Ao lado de Raoul Wallenberg, de quem era próximo, criou os chamados passaportes coletivos, que agrupavam os nomes de até mil judeus sob o mesmo número de inscrição. A manobra dificultava a verificação da validade de cada documento pelas autoridades húngaras e alemãs. Lutz salvou das garras nazistas 62 mil judeus na Hungria.

Roupa de mulher

QUEM
HIRAM BINGHAM 4º

NASCIMENTO
CAMBRIDGE (EUA)

ONDE ATUOU
SUL DA FRANÇA

POR QUE É HERÓI?
AJUDOU 2 500 PESAS A DEIXAR A FRANÇA

Vice-cônsul americano em Marselha, na França, Hiram “Harry” Bingham 4º, vindo de uma aristocrática família de Connecticut (seu pai descobriu as ruínas de Machu Picchu, no Peru), era o encarregado dos vistos quando o cerco nazista se fechou sobre o país. Dedicou-se a fornecer vistos para refugiados no sul da França – artistas, cientistas e políticos antinazistas. Foi repreendido – o governo dos EUA queria manter boas relações com a República de Vichy (a França ocupada) – e obrigado a deixar o posto em Marselha, em 1941, depois de ajudar 2 500 pessoas. Uma delas foi o escritor Lion Feuchtwanger, enviado a um campo de concentração pelo governo colaboracionista. Bingham o teria sacado da cela disfarçado de mulher. Foi enviado a Portugal e depois à Argentina como castigo por sua insubordinação. Lá ajudou a caçar nazistas, mas logo renunciou ao serviço diplomático. Passou o resto da vida como agricultor, artista e inventor.

Sob a proteção da Cruz Vermelha

QUEM
JOSÉ ARTURO CASTELLANOS

NASCIMENTO
EL SALVADOR

ONDE ATUOU
GENEBRA (SUÍÇA)

POR QUE É HERÓI?
EMITIU 40 MIL PASSAPORTES SALVADORENHOS PARA JUDEUS

O negociante judeu George Mandel (que mudaria o sobrenome para Montello para soar mais latino), nascido na Transilvânia, sugeriu ao amigo José Arturo Castellanos, cônsul-geral de El Salvador em Genebra (Suíça) entre 1942 e 1945, que emitisse certificados de cidadania salvadorenha a judeus de diversas partes da Europa. Castellanos já havia livrado o próprio Mandel e sua família dos campos de concentração. E abraçou a ideia. Com a ajuda de Mandel, iniciou a produção em massa de certificados (gratuitos ou a preços simbólicos) que garantiam a seus portadores o direito de permanecer sob a proteção da Cruz Vermelha Internacional. Estima-se que entre 25 mil e 40 mil judeus (especialmente búlgaros, tchecos, húngaros, poloneses e romenos) tenham escapado das garras da Gestapo e da SS na operação, posteriormente conhecida como Ação de El Salvador. Mandel foi novamente perseguido e preso pela Gestapo, na Iugoslávia, acusado de fornecer documentos falsos. Conseguiu escapar. Castellanos foi transferido para Londres. Aposentado, retornou a El Salvador e viveu de forma discreta até morrer pobre na capital, San Salvador, em 1977.

“Prefiro desobedecer a uma ordem dos homens a uma ordem de Deus.”
Aristides de Sousa Mendes

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