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Queijo mais antigo do mundo tem DNA sequenciado pela primeira vez

O queijo ancestral foi encontrado na cabeça de uma múmia chinesa. A análise genética reescreve a história do kefir na Eurásia

Por Bela Lobato
25 set 2024, 18h00

Há 3,5 mil anos, uma mulher jovem morreu e foi enterrada na Bacia de Tarim, um deserto no que hoje é a região de Xinjiang, no noroeste da China. Envolta por couro bovino e diante da seca do deserto, seu corpo ficou preservado e descansou em paz por alguns milênios. 

Há menos de 20 anos, seu túmulo foi aberto e revelou um corpo naturalmente mumificado vestindo um chapéu de feltro, um casaco de lã com franjas e botas de couro. Além das vestes pomposas, ela portava um adereço especial no pescoço e na cabeça: um colar de uma substância esbranquiçada que se provou ser o queijo mais antigo do mundo.

No começo do século passado, exploradores europeus buscavam por antiguidades na Ásia central que pudessem ser vendidas nos mercados do Velho Continente. Em uma dessas explorações, eles trombaram com vestígios humanos e até algumas múmias: era o cemitério Xiaohe, na China, onde havia mais de 300 túmulos de mais de três mil anos.

O cemitério e suas múmias guardavam chaves para vários mistérios, revelando detalhes sobre o fluxo da migração humana e as práticas sociais da Idade do Bronze. Infelizmente, centenas dos sepultamentos do cemitério Xiaohe foram saqueados antes que os trabalhos arqueológicos começassem. 

Já faz algumas décadas que os pesquisadores estudam minuciosamente as múmias que sobraram, tentando montar um quebra-cabeça de quem eram essas pessoas, como viviam e como chegaram ali

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Agora, uma descoberta acrescenta uma nova peça ao quebra-cabeça e reescreve uma parte da história do kefir na Ásia. Pela primeira vez, cientistas fizeram o mapeamento genético desse resto de queijo que tem entre 3,3 e 3,6 mil anos.

Já faz alguns anos que os cientistas desconfiavam que se tratava de kefir, um alimento fermentado à base de leite. Agora, a análise do DNA das amostras confirmou a suspeita e oferece informações preciosas sobre o leite, os animais utilizados e até sobre a origem desse povo. Os resultados foram publicados hoje (25) no periódico Cell.

“Essa é a amostra de queijo mais antiga já descoberta no mundo”, diz Qiaomei Fu, paleontóloga chinesa e a principal autora do estudo. “Itens alimentícios como o queijo são extremamente difíceis de preservar por milhares de anos, o que torna essa oportunidade rara e valiosa. O estudo detalhado do queijo antigo pode nos ajudar a entender melhor a dieta e a cultura de nossos ancestrais.”

Os DNAs de vacas e cabras encontrados no queijo apontam que a receita chinesa de kefir era um pouco diferente da que era feita no Oriente Médio e na Grécia. Os lotes eram separados de acordo com o leite do animal, sem misturar leite de cabra e de vaca, por exemplo.

Mas a descoberta mais importante foi feita a partir do sequenciamento genético das bactérias e fungos utilizados na fabricação do kefir. Esses microrganismos funcionam como o fermento biológico em uma massa: são aplicados ao leite cru e promovem a fermentação. Eles são conhecidos como “grãos de kefir”, porque formam coágulos que podem ser reutilizados em várias levas de fabricação do alimento.

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A análise genética desses microrganismos dá importantes informações para decifrar como eles evoluíram nos últimos três mil anos. Os autores analisaram uma espécie de lactobacilo encontrada no queijo da múmia que é utilizada até hoje nos queijos kefir.

A Lactobacillus kefiranofaciens hoje se divide em dois grupos principais – como se fossem cepas diferentes. São pequenas variações dentro de uma mesma espécie. Um desses grupos vem da Rússia e outro do Tibete. O tipo russo é o mais usado globalmente e industrialmente – e isso bate com uma história que coloca a origem do kefir dois mil anos atrás nas montanhas do Cáucaso, na atual Rússia.

Entretanto, as amostras chinesas desafiam esse paradigma: seus lactobacilos estão mais intimamente relacionados ao grupo tibetano. O kefir da múmia, então, é mais antigo e vem de outro lugar: é uma reviravolta completa no que se sabe sobre a história desse alimento. “Nossa observação sugere que a cultura do kefir tem sido mantida na região de Xinjiang, no noroeste da China, desde a Idade do Bronze”, diz Fu.

A análise genética também revelou que essa espécie de lactobacilo evoluiu ao longo do tempo para melhorar a sua capacidade de fermentação do leite e se adaptar melhor ao organismo humano. Segundo os autores, as versões atuais dessas bactérias têm menos probabilidade de provocar uma indigestão no intestino humano. É um exemplo de uma relação de mutualismo entre espécies, e tudo indica que o L. kefiranofaciens se adaptou para viver melhor com os hospedeiros humanos.

Até agora, nenhum pesquisador ousou provar o sabor do queijo mais curado do mundo. Pode ser que eles se desapontassem: em 1930, pesquisadores franceses coletaram algo que suspeitavam que fosse queijo em uma tumba egípcia de 5 mil anos. Nunca foi possível fazer uma prova genética do que de fato era o alimento, como foi feito com o kefir chinês, mas os pesquisadores fizeram várias outras análises. A textura era sólida e quebradiça, e um pesquisador corajoso notou: “sem cheiro e com gosto de poeira.”

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