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Quem é quem na mitologia nórdica?

Um bate bola jogo rápido para entender quem é quem na fila do pão de Asgard

Por Reinaldo José Lopes
Atualizado em 23 jul 2018, 19h55 - Publicado em 23 jul 2018, 19h51

Conta-se que, quando Midgard e os demais Nove Mundos enfim ficam prontos, Odin Pai-de-Todos, acompanhado dos demais Æsir, dirige-se para a bela planície de Idavoll, em Asgard, e lá constrói o primeiro de todos os templos do Universo, com um assento para si próprio e 12 tronos para os demais deuses.

Outro santuário é construído exclusivamente para as deusas, e a ligação entre Asgard e o reino dos homens é estabelecida por meio de Bifrost, a Ponte do Arco-Íris – a qual, para os escandinavos da Era Viking, tinha só três cores, e não as sete que nós atribuímos tradicionalmente a esse fenômeno atmosférico. Snorri Sturluson conta que parte da ponte é feita de fogo, para que os gigantes do gelo e outros monstros não se atrevam a invadir Asgard cruzando-a. É claro que isso não será capaz de deter os “filhos de Muspell” – Surt e seus asseclas – quando chegar o fim dos tempos, já que o fogo é o elemento deles.

Além de se unir à própria Terra e gerar Thor (imaginado pelos escandinavos como um brutamontes de barba ruiva), Odin se casa ainda com a deusa Frigg, que dá à luz Balder, o mais belo e justo dos deuses, e a seu irmão Höður, quase tão forte quanto Thor, mas cego de nascença. Não sabemos quase nada sobre as origens de outros Æsir, mencionados apenas de relance nas nossas fontes medievais, mas dá para imaginar que muitos deles também foram gerados por Odin.

Tudo parecia caminhar no maior sossego para os deuses de Asgard, entretidos com seus templos, seus palácios e seus tabuleiros de xadrez com peças de ouro, quando a primeira guerra de proporções cósmicas foi deflagrada: os Vanir, cuja origem não conhecemos direito, desafiam os Æsir pela supremacia divina. Só temos algumas pistas esparsas sobre como esse conflito teria se desenrolado, mas tudo indica que foi coisa séria: como vimos no caso de Ymir, os seres primordiais da mitologia nórdica também eram sujeitos à popular “morte matada”.

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Há especialistas que enxergam, no mito sobre a guerra, um embate hipotético entre duas etnias diferentes que acabaram se encontrando na antiga Escandinávia: cada um desses povos seria adorador de um grupo diferente de deuses, e um teria tentado dominar o outro politicamente.

O certo, de todo modo, é que, ao menos no plano mitológico, finalmente as duas famílias divinas chegam a um acordo e resolvem dividir de modo pacífico suas esferas de influência sobre o cosmos. Como parte do tratado de paz, alguns dos Vanir se tornam cidadãos de Asgard: Njord e seu casal de filhos, Freyr e Freyja. Com a chegada dos três, ficam definidos os habitantes mais importantes da cidadela dos deuses.

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Concluída a guerra entre Asgard e os Vanir, acho que vale a pena traçar alguns perfis brevíssimos das principais divindades (ou Poderes, como também são chamados em islandês antigo) para que a gente não fique perdido nas próximas páginas. Vamos a elas, portanto.

Conheça os habitantes de Asgard

Se você quer ter uma imagem mais ou menos confiável de Odin na cabeça, esqueça de vez os quadrinhos ou os filmes da Marvel e pense em… Gandalf. Não, eu não enlouqueci – a questão é que as roupas cinzentas e desgastadas, o chapéu pontudo e de abas largas, o cajado e a barba do mago da Terra-Média são basicamente o look adotado com mais frequência pelo Pai-de-Todos, principalmente quando ele decidia dar um passeio por Midgard, ajudando certos heróis e guerreiros de sua predileção – ou passando a perna em outros, a depender do que lhe dava na veneta.

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Esse último ponto, claro, mostra que Odin não é nem de longe tão bonzinho quanto o Mago Cinzento criado por Tolkien. Dono de uma imensa variedade de nomes e apelidos, hábil em alterar sua aparência, caprichoso, temperamental e amante da guerra, ele é um deus sanguinolento, a quem eram dedicados os mortos em batalha e os enforcados.

Dois bichos devoradores de carne e de carniça, os corvos e os lobos, são seus símbolos e seus companheiros – tanto que uma dupla de corvos, Hugin e Munin, Pensamento e Memória, voam mundo afora e lhe trazem notícias pousando em seus ombros, enquanto os lobos Freki e Geri se sentam aos pés de Odin em seu palácio de Valhalla e são alimentados pelo deus com carne de javali. O chefe dos Æsir não se deleita com essa iguaria: seu único alimento é o vinho.

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Além de guerreiro, o Pai-de-Todos é um sábio e um xamã. Já vimos como ele trocou um de seus olhos pela sabedoria do Poço de Mímir. Isso, porém, não é nada perto das circunstâncias por meio das quais Yggdrasil ganha sua designação, que significa “cavalo de Ygg” (Ygg, “o Terrível”, é um dos nomes de Odin). Ao atar seu corpo aos galhos da Árvore do Mundo por nove dias e nove noites, sem receber comida ou bebida de qualquer tipo, ferido por uma lança, Odin oferece um sacrifício de sua própria vida a si mesmo, como os enforcados que os escandinavos dedicavam ao deus.

Ao fim desse período de suplício indizível, as cordas se rompem e ele cai da árvore de posse do conhecimento místico das runas e dos feitiços que podem ser realizados por meio delas. Um dos textos da Edda Poética, o Hávamál (“Os Ditos do Altíssimo”), lista 18 dessas magias poderosas dominadas por Odin (talvez não por acaso, 18 = 9×2, os nove dias e nove noites do sacrifício na Árvore do Mundo).

Entre elas: a capacidade de escapar de qualquer tipo de corrente ou prisão, de deter o voo de qualquer flecha, de trazer a paz entre guerreiros que se desentendem, de ordenar ao mar que se acalme, de fazer falar um cadáver enforcado ou de conseguir que qualquer mulher o deseje.

Odin também é o responsável por abrigar os Einherjar, os guerreiros mortos convidados a passar seus milênios de pós-vida lutando e se banqueteando ao lado do deus em Valhalla. É por isso que às vezes um lutador de primeira acaba sendo derrotado por seus inimigos: o Pai-de-Todos resolveu chamá-lo. A função de trazer os mortos gloriosos para a mansão de Odin cabe às valquírias, donzelas guerreiras armadas de cota de malha, lança e escudo que, em Valhalla, servem a esses heróis.

O palácio onde eles festejam tem escudos dourados no lugar de telhas e 540 portas – de cada uma delas sairão 800 Einherjar (um total de 432 mil guerreiros, portanto) quando heróis humanos e deuses se unirem para enfrentar as forças do caos no fim dos tempos. Enquanto essa hora não chega, Odin e seus homens se banqueteiam com a saborosa carne do javali Saehrimnir, que é devorado na hora do jantar, mas ressuscita todas as noites para ser comido no dia seguinte. Já a bebida oferecida aos guerreiros mortos é o hidromel que jorra perpetuamente das tetas da cabra Heidrun. Do alto de seu assento elevado, o Hlidskjalf, Odin é capaz de enxergar tudo o que acontece nos Nove Mundos.

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Thor, como já vimos, é o primogênito ruivo e barbudo de Odin. Informação que não vai deixar ninguém surpreso: sim, ele é a encarnação da força e (às vezes) do mau humor dos trovões – essa é a tradução mais aceita para o seu nome –, mas também parece ter sido encarado como um Poder importantíssimo para a fertilidade das colheitas e dos próprios casais humanos, ao abençoar a união de homem e mulher.

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O símbolo de sua força é o martelo Mjölnir (lógico!), a arma mais temida pelos gigantes que ameaçam a humanidade e o equilíbrio cósmico – não é à toa que os escandinavos da Era Viking costumavam usar pequenas réplicas da arma como pingentes, mais ou menos como os cristãos usam crucifixos pendurados no pescoço. Há pesquisadores que acham que a prática cristã influenciou o hábito nórdico.

Mas Thor tem outros apetrechos mágicos além de Mjölnir, com nomes ainda mais impronunciáveis: Megingjard, o cinto que, quando afivelado, é capaz de conferir ao deus o dobro de sua força normal; e as manoplas de ferro Járngreipr, que lhe permitem manejar seu martelo (cujo único “defeito de fabricação” é o cabo meio curto) e segurar objetos quentíssimos sem se queimar.

Diferentemente dos demais deuses de Asgard, que possuem cavalos velocíssimos, Thor prefere andar a pé ou, se tem pressa, usa uma carruagem puxada por dois bodes, Tanngrisnir e Tanngnójst (os nomes significam “o que mostra os dentes [de raiva]” e “o que range os dentes”), e por isso o deus é também chamado de “Condutor da Carruagem”. Sua esposa é a linda Sif, dona de cabelos literalmente feitos de ouro, e seus filhos, dois rapazes e uma moça, chamam-se Móði (“o Corajoso”), Magni (“o Forte”) e Thrúð (“Força”). Inteligência não é exatamente o forte de Thor – embora nenhuma das nossas fontes medievais diga isso com todas as letras, é o que se depreende do comportamento do deus em algumas ocasiões…

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Podemos dizer exatamente o contrário de Loki, a figura mais ambígua entre os Poderes (embora Odin não fique tão atrás assim nesse quesito). Segundo Snorri, Loki é o Difamador dos Deuses, a Fonte de Todos os Enganos, a Vergonha de Deuses e Homens. “Loki é agradável e mesmo belo de se contemplar, mas sua natureza é malévola, e nele não se pode confiar”, escreve o erudito islandês.

“Mais do que todos os outros, ele possui aquele tipo de sabedoria conhecido como astúcia, e é traiçoeiro em todos os assuntos. Coloca os deuses em dificuldade constantemente e, ao mesmo tempo, é comum que resolva os problemas deles de modo matreiro.” Loki pode ser tremendamente assustador, divertido ou meio ridículo – às vezes, tudo isso de uma vez só. Assim como Odin, ele é capaz de mudar de forma com considerável facilidade.

Faz sentido que as origens de uma divindade com esse caráter sejam bastante nebulosas. Não sabemos exatamente como Loki foi parar em Asgard, embora conheçamos os nomes de seus pais, o gigante Fárbauti e a deusa (será? As fontes não dão certeza sobre esse ponto) chamada Laufey. Aliás, entre todos os deuses, Loki é o único “filho da mãe”, literalmente, porque ele costuma ser chamado de “filho de Laufey”, e não de Fárbauti.

Tampouco sabemos quando e por que o deus matreiro fez um pacto de amizade com Odin e se tornou seu “irmão de sangue” – quem sabe esse seja o único motivo que impede que Loki seja chutado para fora de Asgard por tanto tempo (embora não indefinidamente, como veremos). Loki se casa com Sigyn e tem com ela dois filhos, Vali e Narfi – além de ter dado ao menos uma pulada de cerca com consequências funestas para o futuro de deuses e seres humanos, que será explicada no devido momento.

Já falamos um tiquinho da família dos Vanir que viraram asgardianos. Njord governa os ventos, podendo acalmar tanto o mar quanto as chamas de um incêndio. Se você quer navegar ou pescar, é para ele que deve pedir ajuda, e também não custa fazer um ou dois sacrifícios em honra do patriarca dos Vanir se você estiver com o limite do cartão de crédito estourado, porque Njord é riquíssimo e pode trazer riqueza para seus devotos também.

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Seus dois filhos, Freyr e Freyja (nomes que significam “o Senhor” e “a Senhora”), estão entre os mais belos de todos os Poderes. Freyr faz com que chuva e dias ensolarados venham na medida certa para quem planta e colhe, além de trazer paz e prosperidade, a exemplo de seu pai. Também é um grande lutador, capaz de matar gigantes mesmo desarmado.

Já a deslumbrante Freyja, “a mais esplêndida das deusas”, de acordo com Snorri, viaja numa carruagem puxada por dois gatos. Problemas no amor? Freyja traz a pessoa amada em três dias ou seu carneiro sacrificado de volta, crianças. Seu pescoço é adornado pelo Brisingamen, o mais famoso dos colares, forjado pelos anões. Ao mesmo tempo, a Senhora tem alguns atributos de divindade guerreira, às vezes escolhendo para si parte dos heróis que morrem em combate, mais ou menos como faz Odin.

Embora ninguém vença Thor e seu martelo, Tyr é o verdadeiro deus da guerra entre os asgardianos, o mais corajoso e o que sempre está na primeira fileira das batalhas. Tyr também é sábio e costuma cumprir sua palavra (ao contrário de Odin ou Loki, por exemplo). Igualmente fiel, Heimdall, conhecido como “Deus Branco”, é a sentinela dos deuses, montando guarda perpétua ao lado de Bifrost, para que nenhum inimigo de Asgard ouse cruzar a Ponte do Arco-Íris.

Dizem que nove irmãs o geraram simultaneamente. Para os olhos de águia de Heimdall, tanto faz se é noite ou dia, e ele consegue enxergar tudo o que acontece num raio de 100 léguas (ou 600 km, se você prefere uma medida menos antiquada). Sua audição é tão apurada que ele é capaz de ouvir a grama crescendo ou os fios de lã de uma ovelha a crescer também. Entre seus apetrechos está o chifre Gjallarhorn, usado como trombeta, ou berrante de boiadeiro – quando soprado, seu som pode ser ouvido em todos os Nove Mundos.

Terminamos nossa lista com um casal. Bragi é eloquente, domina as palavras como ninguém e é o patrono dos poetas (outra hipótese interessante é que, na verdade, ele seria uma versão divinizada de um poeta escandinavo de carne e osso, também chamado Bragi). Sua mulher, Idunn, realiza uma função essencial: é a guardiã das maçãs mágicas dos deuses, as quais, quando comidas, ajudam a manter a eterna juventude dos habitantes de Asgard.

Por incrível que pareça, houve uma época em que Thor ainda não era o dono do martelão Mjölnir. A mais importante arma dos Æsir foi forjada graças a Loki – aliás, como efeito colateral de uma das trapaças mais ousadas do filho de Laufey.

Este conteúdo foi originalmente publicado no livro Mitologia Nórdica, do jornalista Reinaldo José Lopes. Ele também é autor de Os 11 Maiores Mistérios do Universo e Deus – Como Ele Nasceu, ambos lançados pela SUPER.

 

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