Sérgio Amaral Silva
Uma farsa que perdurou por mais de dois séculos na história do Brasil acabou de ser desvendada. Em 1789, um dos principais líderes da Inconfidência Mineira, o advogado e poeta Cláudio Manuel da Costa, foi encontrado morto na prisão. Segundo a versão oficial, ele havia se suicidado. Cerca de 20 anos mais tarde, surgiu em Vila Rica (hoje Ouro Preto) alguém que afirmava ter sido um dos médicos que examinaram o corpo. Ele afirmava que o laudo original, de assassinato, havia sido mudado para suicídio a pedido do governador, o visconde de Barbacena. Como essa testemunha era conhecida apenas pelo apelido de Paracatu, o caso foi tratado como lenda por gerações de historiadores, até nossos dias. Depois de pesquisar o assunto por mais de 25 anos, descobri a chave do mistério em um livro de 1911, Igrejas e Irmandades de Ouro Preto, do historiador Joaquim Furtado de Menezes. Ele faz uma referência ao projeto de construir uma capelinha ao lado da casa do cirurgião-mor Caetano José “Paracatu”. Tratava-se de Caetano José Cardoso, um dos responsáveis pelo laudo cadavérico de Cláudio. Ou seja, o tal Paracatu existia mesmo.
Por que então isso não foi considerado pelos estudiosos? A resposta é simples: como aquele livro não tratava da Inconfidência, não foi usado como fonte. A identificação, confirmada por Paulo Gomes Leite, historiador da PUC de Minas Gerais, restaura a credibilidade da confissão do legista e desmonta a tese do suicídio. A exemplo do jornalista Vladimir Herzog em 1975, Cláudio não se matou, mas foi assassinado. O provável mandante foi o visconde de Barbacena, cujo envolvimento na Inconfidência é pouco conhecido, mas que temia ser incriminado se Cláudio fosse ouvido pelo vice-rei no Rio de Janeiro. Cláudio, como Tiradentes, pode agora ser visto como uma vítima da repressão à Inconfidência.
Os personagens do crime
A vítima
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)
Advogado e poeta nascido em Mariana (MG). Foi várias vezes secretário de governo da capitania de Minas Gerais. Por isso o governador achava que ele “sabia demais”.
A testemunha
Caetano José “paracatu” (1749-1826)
Português, chegou ao Brasil com 22 anos. Seu apelido vinha de trabalhar como médico em Paracatu (MG) e em Vila Rica. Tinha uma biblioteca com mais de 400 volumes, uma das melhores da época.
O acusado
Visconde de Barbacena (1754-1806)
Luís Antônio Furtado de Mendonça nasceu em Lisboa. Governou Minas Gerais e era sobrinho do responsável pelo processo contra os inconfidentes, o vice-rei Luís de Vasconcellos.