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Social – Do exílio às sandálias ecológicas

Depois de fugir da prisão política no Vietnã pós-guerra e ser resgatado em um navio da Petrobras, Thai Nghia tornou-se o rei dos calçados feitos de pneu usado

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h19 - Publicado em 9 Maio 2012, 22h00

Willian Vieira

Foi com o idealismo de seus 18 anos que Thai Nghia, filho de comerciantes, passou a vociferar contra o regime socialista que tomou o poder no Vietnã do Sul após a guerra (1964-1975) que devastou o país. Afinal, o governo confiscou os bens da família de comerciantes e prendeu parentes. Foi o caos. “Eu falava o que pensava. Que eles iriam acabar com o que tinha sobrado do nosso país.” Era o começo de uma longa e difícil jornada.

Em 1975, foi mandado para um campo de concentração. Passou fome até escapar em um dos tantos barcos que zarpavam dos portos de Saigon, agora batizada Ho Chi Minh, rumo ao mar aberto – e a um destino longe das imposições políticas. Como ele, 130 mil sul-vietnamitas fugiram. Foram tantos que uma crise humanitária se instalou mundo afora, com refugiados aportando aos montes na Austrália, EUA e Europa. Mas, para Nghia, o que importava era sobreviver enquanto fugia no barco pesqueiro, junto com mais de 60 outros. “Foram 4 dias ali. A comida tinha acabado. A água estava acabando. Achei que ia morrer.”

A sorte veio a navio. Especificamente o navio Jurupema, da Petrobras, que salvou os vietnamitas e os deixou em Cingapura para enfrentar a burocracia exigida pelo regime militar brasileiro. Levou 4 meses até que regularizasse os documentos e obtivesse a autorização para receber o visto de permanência no Brasil. Foi uma festa.

Mas, quando tudo parecia estar dando certo, Nghia viu que ainda era cedo para comemorar. O exílio no Brasil não viria regado a feijoada e caipirinha numa praia deserta. “Colocaram a gente numa favela no Rio de Janeiro. Éramos 37 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Ninguém sabia o que ia acontecer. Foi terrível.”

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Só que, depois de ter passado pelo campo de concentração, Nghia ganhara uma perseverança sem limites. Deixou o morro carioca – cujo nome ele não se lembra – para tentar a vida em São Paulo. O primeiro lugar aonde foi levado, um albergue na baixada do Glicério, abrigava moradores de rua. “Era como se eu fosse surdo, cego e mudo. Eu não tinha qualificação nenhuma, não falava português, não conhecia ninguém. Mas não adiantava chorar. Então fui à luta.”

Nghia comprou dicionários usados de português nos sebos. Aos poucos, com ajuda de colegas, foi bolando um dicionário vietnamita-português, que viria a publicar. Fez cursos profissionalizantes. Conseguiu um emprego num banco. Trabalhou com computadores. Virou até católico, devoto de Nossa Senhora de Lourdes, apesar de não ter largado o budismo. “E rezava todos os dias pedindo uma bênção.”

Quando perdeu o emprego, rezou. E acabou indo trabalhar vendendo bolsas para um amigo com fábrica na 25 de Março, rua de comércio popular de São Paulo. “Eu era bom de negócio e ganhava um bom ágio. Fiz muito dinheiro”, conta, rindo.

Tanto que juntou alguma grana e toda sua dedicação para abrir o próprio negócio. Em 1986, Nghia montou sua fabriqueta de bolsas – ele fazia os cortes em casa mesmo e mandava para a costura em oficinas tercerizadas. O negócio prosperou.

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Mas ainda era pouco. Nghia quis cursar a universidade e se formou em administração de empresas no Mackenzie. Cheio de orgulho por ter chegado tão longe na vida, decidiu fazer uma viagem de dois meses, visitando os parentes pelo mundo, especialmente no Vietnã. Nada seria o mesmo desde então.

“Lá eu percebi que os gringos compravam as sandálias que nós vietnamitas improvisamos durante a guerra”, conta. Eram feitas com tiras de pneu que sobravam de jipes e caminhões. Foi uma sacada e tanto – não apenas comercial. “Aquilo simbolizava a superação de um povo que, mesmo sem recursos, seguiu independente e se virando”, diz. “Pra mim, a resistência de um povo estava naquela sandália.”

De volta ao Brasil, Nghia aproveitou o fato de o país produzir quase 60 milhões de pneus por ano e cerca de 500 milhões de pares de sandália de dedo. O cálculo foi óbvio. “Todo mundo usa sandália. E todo mundo usa carro – e, logo, pneu. Pneus viram muito lixo, um lixo com grande qualidade como matéria-prima. Só liguei uma coisa à outra”, conta. Nghia adaptou ainda a fórmula para torná-la mais confortável, adicionando 30% de borracha natural aos pneus triturados.

A empresa, que surgiu com o nome Goóc – “raiz” em vietnamita -, produz hoje 3 milhões de pares de sandália por ano, com exportação até para a França, além de bolsas e mochilas. Nghia, aos 54 anos, casado e com 3 filhos, já passou o bastão para a filha mais velha, que participa ativamente do negócio. “Vamos deixar um legado verde”, diz, sorrindo.

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