Somos filhos da África
O continente negro é a terra natal da humanidade, de onde nos espalhamos em ondas sucessivas para enfim dominar a Terra.
Texto Reinaldo José Lopes
Algumas pesquisas intrigantes sugerem que, independentemente da cultura, a maior parte das pessoas prefere exatamente o mesmo tipo de ambiente natural: nada de praia ou mata fechada, mas, sim, uma mistura suave de gramado aberto e árvores esparsas, de preferência com fontes d’água por perto. Reconheceu a descrição? Lembra a savana africana. Pode ser coincidência, mas parece que a mente humana moderna ainda sonha com seu ambiente de origem.
Acredite: cada um de nós é africano até a raiz dos cabelos, por mais louro que pareça. Tanto o DNA quanto a anatomia mostram que o homem moderno não passa de uma espécie de grande macaco africano, primo em 1o grau dos chimpanzés.
Tudo indica que os nossos ancestrais começaram a trilhar um caminho diferente há cerca de 6 milhões de anos, quando aparecem os primeiros fósseis de grandes macacos que teriam aprendido o truque de andar com duas pernas. O quadro, porém, só começa a ficar mais claro uns 4 milhões de anos atrás, com os primeiros australopitecos – criaturas cujo cérebro era só um pouquinho maior que o de um chimpanzé. Mesmo assim, eles começaram a trilhar um caminho lento e seguro para longe da mata fechada, arrastados pelas mudanças climáticas que faziam as florestas úmidas da África se contrair e se expandir cada vez mais conforme as eras glaciais iam e voltavam no planeta.
Homo, mas não sapiens
Em algum ponto desse trajeto, os primeiros membros do gênero Homo (o nosso próprio gênero; lembre-se de que nosso nome científico é Homo sapiens) finalmente colonizaram a savana aberta, já armados com toscas ferramentas de pedra. Em dado momento, é possível que 2 ou mesmo 3 tipos de Homo tenham vivido juntos. “O que vemos não parece ser uma evolução linear e gradual de uma espécie na outra”, conta a antropóloga Susan C. Antón, que trabalha na Universidade de Nova York.
Seja como for, um sujeito cujo corpo já era praticamente igual ao nosso, mas cujo cérebro era um terço menor, saiu vitorioso. Há 1,7 milhão de anos, o Homo erectus se espalhou pela Ásia. Daí em diante, a história se repetiu pelo menos duas vezes. Seres bípedes com cérebro ainda maior – primeiro o Homo heidelbergensis, nosso possível “avô”, e depois os primeiros humanos modernos – voltaram a deixar a África e invadir vastas áreas da Eurásia.
Cada uma dessas ondas levava consigo a última palavra da tecnologia em pedra, mas a dos Homo sapiens, que parecem ter deixado a terra natal há uns 60 mil anos, era diferente. Carregava as primeiras marcas da humanidade plena: arte, adornos corporais, o hábito de enterrar os mortos – e a mente capaz de entender tudo isso (veja texto na página 56). É o que parece ter feito a diferença: o DNA de todos os povos do mundo é, na prática, só uma variante desse grupo relativamente recente de africanos imigrantes. Somos uma espécie jovem – e muito pouco desigual.
Uma pitada de sangue velho?
Pouca gente duvida que a imensa maioria dos genes das pessoas de hoje venha do pequeno grupo que deixou a África. Mas o resto do mundo não era um vazio de gente: havia outros tipos de humanos, como os neandertais europeus e até alguns Homo erectus tardios. Para alguns, como o arqueólogo português João Zilhão, algum tipo de mistura teria sido inevitável.
Esses cientistas apontam alguns traços esquisitos do esqueleto dos mais antigos europeus – como as pernas muito curtas e detalhes do crânio – como sinal de que houve cruzamento entre as “humanidades”. Já o DNA, pelo menos até agora, parecia sugerir grande diferença entre os velhos neandertais e Homo sapiens, por exemplo.“Até agora” é a palavra-chave. Estudos recentes sugerem que um gene essencial para o desenvolvimento do cérebro teria entrado no genoma H. sapiens via humanos arcaicos. Assim, poderíamos ter absorvido justamente a melhor parcela biológica de nossos primos ao tomar o lugar deles.