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Tudo está interligado

O físico austríaco Fritjof Capra, autor de O Ponto de Mutação, diz que é possível mudar sistemas econômicos a partir do estudo das células.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h23 - Publicado em 31 jan 2003, 22h00

Rodrigo Cavalcante

O que alguém pode esperar de um físico de partículas influenciado pelos movimentos de expansão da consciência da década de 1960 e que teve a coragem de usar essas experiências em suas pesquisas?

Ao escrever O Tao da Física, em 1972, o austríaco Fritjof Capra respondeu essa pergunta traçando paralelos entre a física moderna e a filosofia oriental. Capra tornou-se um dos precursores do movimento New Age (Nova Era) no mundo científico, ganhou popularidade entre o público leigo, mas pagou um preço alto pela ousadia: foi praticamente banido dos departamentos de física das universidades européias. Dez anos depois, em O Ponto de Mutação, ele fez uma crítica aos cientistas que ainda defendiam o que ele chama de um “modelo mecanicista e cartesiano da ciência”, prevendo uma integração maior entre os campos do conhecimento e o aumento da consciência ecológica no planeta.

Vinte anos mais tarde, vivendo nos Estados Unidos na era George W. Bush, ele reconhece que a nova economia terminou solapando as esperanças de um mundo melhor. “Não podia prever o impacto que as novas tecnologias teriam na economia”, diz Capra. “E o resultado foi a ascensão desse desastroso modelo de mercado global.” Foi exatamente para criticar esse modelo que Capra esteve, no mês passado, no Brasil, convidado para ser um dos palestrantes do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Um dia antes de embarcar para a capital gaúcha, ele falou com a Super na sede da consultoria empresarial Amana-Key, em São Paulo.

Quando exatamente você teve a idéia de traçar um paralelo entre a física moderna e a filosofia oriental?

No fim da década de 1960 eu estava em Paris trabalhando com física de partículas. A cultura ocidental estava descobrindo o Oriente, George Harrison aprendia cítara com Ravi Shankar… Foi nesse momento que entrei em contato com a filosofia oriental, especialmente o zen-budismo, e percebi muitos pontos em comum com os conceitos da física moderna que estudava. Foi assim que nasceu o meu primeiro livro, O Tao da Física.

Você sofreu algum preconceito por ter se desviado da física tradicional?

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Na realidade, tive praticamente de largar a física, porque os departamentos universitários não financiavam esse tipo de pesquisa, sequer consideravam o tema. De 1970 a 1975, fui meio período físico, meio período escritor. E tinha de ganhar dinheiro com outros trabalhos, pois não conseguia nenhuma bolsa de pesquisa na área.

Você ainda se considera um físico?

Desde O Tao da Física minhas idéias evoluíram consideravelmente. Dez anos depois, em meados dos anos 1980, já não era mais um físico propriamente. Me interessei pelas mudanças de conceitos em várias áreas, não apenas na física, mas em biologia, medicina, psicologia, economia. Percebi que em todas essas áreas nós estamos lidando com sistemas vivos, seja a economia, a saúde, a psicologia ou a ecologia. Tudo lida com a vida. E a física tem pouco a dizer sobre os sistemas vivos.

Em seu último livro, Conexões Ocultas, você sugere que esse estudo de sistemas vivos pode nos ajudar a mudar até mesmo o modelo econômico atual. Como isso seria possível?

Conexões Ocultas é uma espécie de O Ponto de Mutação do século 21. Nesse livro, expus as três dimensões da vida: a biológica, a cognitiva e a social. E o conceito central no qual me baseei é o conceito de redes, que nos permite comparar sistemas biológicos com sistemas ecológicos e sistemas econômicos. A interdependência é a base de organização de todos os sistemas vivos. A mesma comparação pode ser aplicada às redes sociais.

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Apesar de concordarem com a necessidade de uma visão integrada da ciência, alguns cientistas dizem que essa visão holística não se traduz em pesquisas de laboratório. Como você responde essas críticas?

Concordaria com isso há cerca de 20 anos, quando escrevi O Ponto de Mutação. Hoje não. Já existem modelos com os quais trabalhar, sabemos que perguntas fazer. Várias pessoas estão trabalhando em modelos integrados, como a biomatemática, que usa modelos matemáticos para descrever, por exemplo, o crescimento de uma planta.

Então, por que os cientistas ainda resistem tanto em levar a sério esses novos campos de estudo?

Se você trabalhou durante 20 ou 30 anos em uma teoria, é natural que tenha resistência à mudança. A próxima geração de cientistas é que vai, provavelmente, aceitar melhor essas mudanças.

Você acredita que é realmente possível construir um novo sistema econômico baseado nesses modelos?

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Primeiro é preciso reconhecer que o atual modelo econômico não funciona. Ou melhor, funciona apenas para especuladores financeiros, profissionais de alta tecnologia e uma elite cada vez mais rica. A diferença entre ricos e pobres cresce cada vez mais, tanto dentro dos países quanto entre os países do sul e do norte. O estudo dos modelos celulares, sistemas interdependentes, pode nos indicar como desenvolver modelos econômicos em que todos saiam ganhando, não apenas alguns.

Trinta anos atrás, os críticos do sistema capitalista eram representados pelos marxistas. Você acredita que os partidos verdes já estão preparados para ocupar esse espaço?

Não tenho dúvidas de que isso deve acontecer. O capitalismo que surgiu depois da Revolução Industrial seguia um modelo mecanicista. Muitas das críticas de Marx feitas para esse modelo ainda são válidas hoje, mas toda a sua estrutura teórica não. Depois, os partidos verdes entraram em cena, nos anos 80, numa fusão ou numa síntese da esquerda, congregando seguidores do movimento ecológico, do movimento pacifista, do movimento feminista. Esses movimentos são cada vez mais globais e podem, juntos, gerar cada vez mais alternativas concretas para um novo modelo.

No livro O Ponto de Mutação, você antevia uma nova era de consciência ecológica e social no planeta. Como se sente 20 anos depois nos Estados Unidos do governo de George W. Bush?

Em 1980, não podia prever a revolução da tecnologia de informação e o capitalismo global que emergiu com a chamada nova economia. Até o fim dos anos 80 havia uma consciência ecológica muito forte e crescente. Mas ficamos fascinados com o mundo dos computadores, da internet, e essa tomada de consciência foi interrompida. A administração de Bush representa um retrocesso ainda maior, já que ele é o símbolo de um capitalismo mais antigo, da era Reagan no começo dos anos 80. Acho que Marx e Hegel estão certos nesse ponto: a dialética existe. Bush foi selecionado para ser presidente, mas ele nem de fato é um presidente eleito, uma vez que o resultado das últimas eleições foi escandaloso, com uma contagem de votos suspeita. Mesmo assim, acho que a situação vai virar.

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Você está otimista?

Estou otimista que haverá, de fato, uma mudança. Mas estou pessimista na forma que ela vai acontecer. O que provavelmente vai tirar George Bush da Casa Branca será a quebra da economia americana, exatamente como aconteceu com a saída do pai dele do governo. Se ele optar pela guerra contra o Iraque, estima-se que serão necessários nada menos que 200 bilhões de dólares somente no primeiro ano de confronto, num momento em que os indicadores econômicos estão fragilizados. Já no Brasil, acredito que há uma oportunidade única da criação de um novo modelo de governo que leve em consideração a dignidade humana e a sustentabilidade econômica. Todos querem ajudar Lula a ter sucesso e é por isso que, assim como eu, essas pessoas vieram para Porto Alegre.

Fritjof Capra

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• Mora em Berkeley, Califórnia.

• Gosta de jogar tênis e esquiar – chegou a ser instrutor de esqui quando era estudante na Áustria.

• Adora jazz e MPB – incluindo João Gilberto, Tom Jobim e Gilberto Gil.

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