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A verdadeira reorganizacão das escolas é colocar o aluno no centro

Como uma proposta equivocada do governo de São Paulo pode abrir caminho para uma grande transformação positiva na educação pública brasileira.

Por Denis Russo Burgierman
Atualizado em 4 nov 2016, 19h06 - Publicado em 16 dez 2015, 17h00

“Aprendi mais neste mês do que na minha vida escolar inteira.” A frase virou lugar-comum entre os estudantes que ocuparam mais de 200 escolas públicas paulistas a partir de novembro de 2015. Todos dizem que estão tendo uma experiência educacional espetacular, com aprendizados que levarão para a vida toda.

Quer um exemplo? No final de novembro, chegou aos ouvidos dos estudantes que vários artistas queriam apoiá-los. Surgiu daí a ideia de organizar um grande festival de música. Os garotos não tinham nem um centavo e impuseram-se um prazo impossível: sete dias e meio. Graças à internet, milhares de profissionais rapidamente se ofereceram para trabalhar de graça. Os estudantes trabalharam junto: instalando equipamento, lidando com os artistas, coordenando tarefas, planejando tudo. O festival, chamado de Virada Ocupação, aconteceu no dia previsto em 11 palcos simultâneos, com line-up estelar.

Organizar um evento real, com as limitações do mundo real (orçamento zero, prazo sete dias e meio) e receber como feedback a resposta de gente real é uma experiência educacional completa. Não só centenas de estudantes poderão colocar no currículo que têm “experiência em grandes eventos”, mas eles concretamente aprenderam economia, planejamento, colaboração, negociação, serviço, eletrônica, comunicação.

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Além de organizar eventos, garotas e garotos administraram prédios, planejaram a segurança, geriram cozinhas, fizeram faxina, cuidaram uns dos outros, traçaram estratégias. Tudo em grupo, sem hierarquia. Cada um desses aprendizados vale ouro no mercado de trabalho. Quem participou sairá do ensino médio melhor qualificado do que costuma acontecer nas nossas normalmente pavorosas escolas públicas.

Leia mais: Quatro escolas públicas pobres e excelentes.

 

As melhores escolas do mundo hoje – sejam instituições privadas ou escolas públicas de países como a Finlândia – adotam o conceito de “educação por projetos”. Em vez de socar conhecimento na cabeça de alunos desinteressados, instigam-nos para que executem projetos ambiciosos. No caminho, vão apresentando conteúdos do currículo. Pesquisas neurocientíficas comprovam que esse método propicia um aprendizado mais profundo e forma pessoas mais capazes de trabalhar em equipe e de lidar com as questões complexas do século 21. Também gera gente mais prática, que vai lá e faz, em vez de esperar que alguém faça, tipo o governo.

A tal reorganização ia no sentido contrário desse conceito. Primeiro porque não envolveu os alunos na decisão – e a premissa da educação por projetos é colocar o aluno no centro e na origem de tudo. A única tentativa de persuasão do governo envolveu cassetetes e gás lacrimogênio. Segundo porque, ao fechar escolas, transferir centenas de milhares de alunos e diminuir o tempo que cada um passa em cada escola, ela aprofundava aquela que é uma das falhas mais graves da educação pública brasileira: a desconexão da escola com o mundo real em volta dela.

Só que os erros governamentais acabaram surtindo um efeito inesperado: eles colocaram para os alunos um projeto. De repente, as pobres escolas públicas de São Paulo passaram a funcionar num sistema de “educação por projetos”, como as melhores do mundo.

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Mas a maior surpresa dessa história foi a quantidade colossal de gente que ofereceu ajuda. Quando os alunos apareceram diante da sociedade com um projeto, milhares de pessoas quiseram participar. Ex-alunos reapareceram em suas antigas escolas, profissionais em crise com seus trabalhos redescobriram o prazer de fazê-lo até de graça, ergueu-se uma montanha de doações.

Percebendo que os alunos estavam comendo mal, o chef Bruno Alves criou uma página no Facebook e pediu ajuda. Logo 20 de seus colegas profissionais apareceram com suas facas e 150 amadores ofereceram-se para descascar cebolas e cortar batatas. Centenas de quilos de comida foram doados. Era tanta comida e tanta gente que Bruno precisou pedir cozinhas emprestadas aos vizinhos – a operação se espalhou por várias casas e alimentou 25 escolas.

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Outra plataforma que surgiu para apoiar os estudantes foi o site Doe Uma Aula, que recebeu a oferta de mais de 5 mil horas de aulas – de programação de computadores, física teórica, mediação de conflitos, redação, horta comunitária, trigonometria, Fernando Pessoa, xadrez, meditação, direito, percussão corporal…

A Virada Ocupação também teve apoio maciço. Por meio do site Minha Sampa, 900 artistas, 700 produtores e 500 comunicadores ofereceram trabalho. O Minha Sampa também pediu voluntários para serem “guardiões” das escolas – ficar de sobreaviso em caso de ação sorrateira ou violenta da polícia. Mais de 3 mil apareceram, incluindo centenas de advogados. “Percebemos que tem uma grande demanda social para se engajar nas escolas”, disse Anna Arida, diretora-executiva do Minha Sampa. Isso é um alento depois de anos escutando que brasileiros não se interessam em participar da educação. Afinal, outro traço das melhores escolas é a grande participação social no ensino.

No mundo todo, as boas escolas atraem os membros da comunidade que mais têm a ensinar – os empreendedores, os especialistas, os heróis, os detentores dos saberes práticos, os conhecedores das histórias locais. Bem diferente do que costuma ser nas nossas escolas públicas, que geralmente têm muros altos e dão as costas à sociedade, até por preocupações com a segurança.

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Enfim, ao impor uma reorganização ruim, o governo acabou criando condições para que o sistema se reorganizasse sozinho – só que aí, sim, de um jeito bom, porque passou a ter os estudantes no centro, como deve ser. Agora o desafio é manter esses avanços.

Como permitir que os alunos continuem empreendendo projetos? Como manter a conexão com a sociedade, para que eles aprendam com os melhores, sem custos? Como derrubar os muros das escolas e integrá-las às cidades, até para a sociedade ficar de olho, zelando pela segurança e prestando ajuda permanente? Como espalhar essas boas práticas pelo Brasil todo? Tanto os alunos quanto os voluntários se dizem dispostos a manter o que construíram. Resta torcer para que o Estado não faça o que se acostumou a fazer quase sempre na educação pública: atrapalhar.

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Qual país tem a melhor educação do mundo?

 

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