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Condomínio para os peixes

Os recifes de coral são as mansões dos oceanos. Para os animais que não têm essa mordomia, o homem está construindo conjuntos residenciais mais modestos. A técnica, que já deu certo em vários países, começa a ser usada no Brasil.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h00 - Publicado em 31 dez 1998, 22h00

Ivonete D. Lucírio, de Caiobá (PR)

Em pleno oceano, os recifes de coral são verdadeiros condomínios de luxo. Um quarto dos animais marinhos mora nesses inebriantes cenários coloridos. Os mexilhões e as cracas aproveitam sua solidez para fincar raízes, os caranguejos usam as reentrâncias como tocaia contra as presas e os peixes como a garoupa e o badejo nadam ali para se esconder dos predadores.

Mas nem todo mundo tem a sorte de nascer em berço esplêndido. Os animais de classe média, que não conseguem uma vaga nos corais, moram em um condomínio mais simples: as pedras. E há aqueles que têm de se contentar com a areia do solo. Pensando nos necessitados, os cientistas criaram conjuntos residenciais modestos, porém confortáveis: os recifes artificiais, feitos de concreto, metal ou borracha.

Os pesquisadores querem facilitar seu próprio trabalho. É muito mais simples encontrar os peixes se eles tiverem endereço certo. Um desses empreiteiros científicos é o oceanógrafo francês Denis Ody, que fez pós-doutorado no assunto na Universidade de Luminy, em Marselha. Desde 1996, em Port-Cros, no sul da França, ele coordena uma experiência inovadora. “Queremos determinar a geometria ideal dos recifes – pilhas disformes, quadradas, redondas ou piramidais – para atrair mais peixes”, contou ele à SUPER.

No Paraná, o Instituto Ecoplan, uma organização não-governamental, e a Universidade Federal do Paraná já começaram a pontilhar o litoral paranaense com iglus de cimento. A idéia é criar três grupos de novos ecossistemas que protejam o litoral contra a pesca de arrasto e ofereçam aos turistas belos mergulhos submarinos. E, de quebra, que forneçam uma base para os oceanógrafos fazerem pesquisa. Se tudo der certo, a experiência pode virar um projeto de repovoamento em larga escala. Uma reforma habitacional no mar.

Iglu dentro d’água

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Entre os módulos mais comuns de abrigo para animais marinhos estão as cúpulas arredondadas. O desta foto foi colocado na costa da Flórida, nos Estados Unidos. Tem várias entradas e saídas para facilitar a locomoção dos peixes. Modelos idênticos estão sendo instalados na costa do Paraná

Recifes artificiais, feitos de barras de concreto, montados perto de Port-Cros, no sul da França, recebem uma visita de inspeção do oceanógrafo Denis Ody

O sonho da casa própria molhada

No Brasil, só no Nordeste existem recifes naturais. Mas o pessoal do Sul e do Sudeste não se conforma. Outros pontos da costa logo estarão salpicados de conjuntos residenciais submersos. Dos projetos em andamento em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, o último é o mais adiantado.

A pedra fundamental foi lançada em fevereiro de 1998, quando, em frente à cidade de Caiobá, no Paraná (veja no mapa), foram afundadas vinte estruturas retangulares, distribuídas em três pontos. Os primeiros resultados deixaram os biólogos animados. “Em um ano já estavam povoadas”, conta Ariel Scheffer da Silva, da Universidade Federal do Paraná. Um dos primeiros peixes a tomar posse foi um mero de meio metro de comprimento. Ficou amigo dos mergulhadores e sempre dá as boas-vindas a quem desce para inspecionar o local.

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No final deste mês, o assentamento começa para valer. Cerca de 100 recifes com a forma de iglu serão instalado junto aos retangulares. “Queremos descobrir como a corrente marinha que vem do centro do Atlântico carregada de nutrientes interfere nas várias regiões da costa”, conta Scheffer.

O condomínio paranaense vai dar guarida para as espécies que habitam os 80 quilômetros do litoral do Estado. Elas ganharão proteção contra a pesca predatória. Longe dos recifes, os peixes têm poucas chances de driblar as vastas redes de arrasto que matam uma infinidade de filhotes. “Com o tempo, queremos criar áreas interditadas a esse tipo de pesca”, diz Fabiano Brusamolin, superintendente da Ecoplan. Ao mesmo tempo, a abundância de animais ao redor dos recifes melhorará as condições para a pesca artesanal, que agride menos o ambiente marinho.

Abrigos submersos

O litoral do Paraná reúne boas condições para o povoamento dos recifes artificiais. Sobretudo com a corrente fria que chega no verão.

Firme e forte

Os iglus ficam presos ao chão graças ao formato. A água entra pelos lados e sai por cima, criando uma força que empurra para baixo.

Recorte no litoral

O retângulo indica a área mostrada no infográfico abaixo

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Um oásis na areia

Com exceção de duas ilhas, o chão do oceano é de areia pura. Sobre ela, as larvas de peixes, depositadas no estuário da Baía de Paranaguá, ficam desamparadas. Os recifes fornecerão um refúgio providencial. De quebra, os animais terão uma mesa farta de plâncton trazidos pela corrente de água fria vinda do centro do Atlântico.

Os prédios e seus endereços

Cem recifes serão colocados em grupos de trinta em três pontos da costa.

Vizinho exibido

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O mero adotou como casa os recifes quadrados afundados a 11,2 quilômetros da costa. Por ser um peixe típico de rochas, ele se adaptou muito bem a esse arremedo de pedra. Chega a posar para os fotógrafos.

Pesado como chumbo

Os recifes pesam de 500 a 1 000 quilos. Levar isso para baixo é uma operação de guerra, feita por um navio da Marinha.

Titanic chinês

Antes de ser afundado em Hong Kong, em 1998, este navio teve todo material que pudesse causar poluição, como os motores, retirado. A embarcação tomou um bom banho para perder o óleo. Foram feitos buracos no casco para facilitar o afundamento e abrir entradas para os peixes

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Do ar para o mar

Em 1993, um Boeing aposentado foi afundado no litoral da Flórida, nos Estados Unidos, para vivificar o ecossistema marinho

Bem camuflado

O peixe-leão arrumou um bom disfarce no meio do recife de concreto. Sua cor se mistura com a do ambiente

Toca de peixe

Dentro da abertura, os animais marinhos se protegem dos predadores maiores. Ficam também abrigados das correntes marinhas e gastam menos energia nadando.

Plataforma, pneu velho e navio-fantasma

Os biólogos sabem muito bem que todo objeto sólido jogado no mar vira casa de peixe. As plataformas submarinas de petróleo são um caso típico. É só montar que os animais chegam.

O Japão foi o primeiro país a usar recifes artificiais para aumentar os recursos pesqueiros, nos anos 70. No começo, criaram ambientes marinhos com sucata. Os peixes sem-recife não recusaram a oferta, mas a poluição do método não compensou. O metal dos carros velhos enferruja rápido e libera óxidos que poluem a água.

Pneus são uma alternativa razoável que tem sido muito empregada. “Mas eles não têm peso suficiente para resistir a tempestades”, nota Todd Barber, presidente da empresa americana Reef Ball, umas das maiores fabricantes de recifes do mundo. Muito leves, as moradias de borracha acabam dando na praia sempre que o mar se agita. Foi o que aconteceu em março de 1998, nas Filipinas, quando muitos dos 70 000 pneus espalhados na costa foram parar em terra firme.

O material mais eficiente é mesmo o concreto, como os caixotes e iglus brasileiros, e, depois, o metal de aviões e navios em fim de carreira, que recebem um tratamento antioxidante antes de serem afundados. Um deles o governo chinês instalou, em fevereiro de 1998, no solo da Baía de Hong Kong. Um ano depois, os chineses estão exultantes com o número de peixes errantes que adotaram o barco-fantasma como lar. Na verdade, é fácil agradá-los. Eles não exigem luxo. Só uma casa livre da poluição e protegida da pesca predatória.

Para saber mais

Na internet: https://www.soc.soton.ac.uk/SUDO/RES/EARRN/index.html

https://www.reefball.com

Uma casa esburacada

É difícil saber quem chega primeiro aos cômodos esburacados. Mas dá para ter uma idéia.

No primeiro mês há cerca de dez espécies. Os colonizadores são cracas, anêmonas e animais microscópicos.

Depois de cinco meses, a quantidade de espécies triplica. Aparecem animais maiores, como peixes e caranguejos, em busca de comida.

Em um ano, não há mais vagas nos recifres. Com a lotação esgotada o condomínio terá mais de 100 tipos de moradores.

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