Na Antiguidade, quando o imenso véu colorido irrompia a noite, era sinal de fúria divina. Atualmente, é reflexo da fúria do Sol. O segredo do fenômeno e do fascínio que ele exerce está na mesma palavra: magnetismo. É justamente o campo magnético terrestre que faz a fúria solar incendiar a noite.
A II Guerra Mundial consumia a Europa e a Ásia em setembro de 1941. Nos Estados Unidos, os cidadãos da Califórnia, na costa oeste, temiam um ataque japonês. Inesperadamente, no meio de uma noite escura, o céu ficou vermelho. Pânico, alerta geral: aquilo só podia ser o início da invasão. E era. Mas nenhum japonês estava por trás daquela luz. Ela vinha de outro lugar e o “campo de batalha” situava-se a cerca de cem quilômetros de altura. Os californianos estavam presenciando uma aurora polar.
Nada a ver com o raiar do dia. A aurora polar acontece mesmo no meio da noite. É um fenômeno luminoso produzido por partículas energizadas vindas do Sol. São prótons e elétrons que, viajando a 1,4 milhão de .quilômetros por hora, penetram pelas linhas magnéticas da Terra criando os mais variados efeitos luminosos. É como se a atmosfera terrestre fosse um gigantesco tubo de televisão, pois em ambos os elétrons energizados emitem luzes, e assim, criam imagens. Se for uma aurora polar, pode ser, por exemplo, uma cortina brilhante que se estende por centenas de quilômetros. Ela se move lentamente. Em sua base, insinua-se um verde, depois um vermelho, como se fosse a barra do tecido, que pulsa e ondula.
Na Antiguidade, quando nem se suspeitava que o Sol emitisse matéria, a ocorrência de uma aurora polar era sinal da ira divina, prenúncio de catástrofes e guerras, castigo certo. O terror se espalhava entre os espectadores. Aquilo só podia ser coisa de Deus. Ou do diabo. Passaram-se muitos séculos até que a ciência começasse a entender o espetáculo. Aqui, a partir da próxima página, você também vai saber como acontece a aurora polar. Calma, o céu não está pegando fogo. A aurora polar, como o cinema, é só ilusão.
Três séculos para desvendar o mistério
Em 1621, um homem que investigava o movimento dos astros começou a explicar o que antes apenas apavorava a humanidade. Já que, por algum motivo que ele não suspeitava, a luminosidade noturna quase sempre ocorria no norte da Europa, ele começou batizando o fenômeno de “aurora boreal” (de Bóreas, o deus grego do vento norte). Aquele sábio italiano, de tanto estudar, compraria uma briga feia com a Igreja Católica, por ter descoberto que a Terra, humildemente, girava em tomo do Sol. Seu nome era Galileu Galilei e a expressão que ele inventou para designar a aurora polar é usada por muita gente até hoje. Mas não é a mais correta. No século seguinte, o navegante inglês James Cook, descobridor da Austrália, presenciaria no Oceano Índico a aurora de Galileu, mas na direção do pólo sul. Chamou-a de aurora austral. A partir daí, ficou claro que ela não pertencia exclusivamente ao norte, mas às duas regiões polares do planeta. Veio daí o nome aurora polar.
Um sujeito que entrou para a história na cauda de um cometa, o astrônomo Edmond Halley (1656-1742), foi o primeiro a ligar a ocorrência das auroras polares ao campo magnético terrestre, sua principal área de estudo.
No entanto, foi apenas no fim do século XVIII que outro pesquisador, o americano Elias Loomis, daria um passo decisivo para transformar o mistério da aurora em ciência, ao investigar a atividade solar. Ele percebeu que ao ocorrer uma erupção solar (súbito brilho na superfície do Sol que dura menos. de duas horas), 20 a 40 horas mais tarde tinha-se notícia de uma espetacular aurora em regiões próximas à latitude 77°, no norte do Canadá e dentro do círculo polar ártico. Não por acaso, desconfiou Loomis, o pólo magnético da Terra, para onde todas as bússolas se dirigem.
A atmosfera é uma lâmpada fluorescente
Mas que relação pode existir entre uma erupção solar, auroras polares ocorrendo dois dias depois (a 149 milhões de quilômetros de distância do Sol) e, o campo magnético terrestre? Essa relação é dada pelo vento solar, uma descoberta que ainda não completou meio século, No fim da década de 50, os cientistas perceberam que, além de luz e calor, o Sol também emite grandes quantidades de matéria, ou, mais exatamente, prótons e elétrons, Deu-se o nome de vento solar a este fluxo de prótons e elétrons carregados eletricamente, Ele é ininterrupto, mas quando há uma erupção solar toma-se mais violento. É esse vento solar que explica o fato de as caudas dos cometas estarem sempre no sentido contrário ao Sol – como o vento comum aqui da Terra empurra as caudas dos papagaios e das pipas da garotada. A hipótese do vento solar apareceu em 1957, a partir de um trabalho do físico americano Newman Parker. No ano seguinte, o satélite americano Explorer 1 anunciava a entrada dos Estados Unidos na corrida espacial e comprovava, com seus instrumentos, a veracidade da idéia de Parker.
Quando o vento solar entra em contato com o campo magnético terrestre, parte das partículas é atraída para onde existe maior atividade magnética, ou seja, nos pólos. Imagine-se aqui a Terra funcionando como um gigantesco ímã: sua maior força de atração está nos pólos. Com o movimento de rotação da Terra, formam-se nestas regiões linhas de magnetismo em forma de espiral. É ali que as partículas vindas do Sol serão aceleradas. Em contato com o oxigênio e nitrogênio livres na alta atmosfera, as partículas aceleradas emitem luz, como se estivessem num tubo de lâmpada fluorescente. Essa a teoria que atualmente explica a ocorrência das auroras polares.
Pelo telefone você descobre quando ver
As auroras polares podem surgir na forma de manchas, raios, arcos/faixas ou véus. Umas têm movimentos suaves, outras pulsam, formando um quadro mutante. Sempre a cem quilômetros das nossas cabeças, no mínimo. A distância é providencial, pois a formação da aurora polar libera energia da ordem de um milhão de watts (o que produz, no pico, a Usina de Sobradinho, no rio São Francisco). Mesmo assim, de longe, elas provocam tempestades magnéticas tão fortes que costumam afetar os rádio – transmissões, o movimento das bússolas, a ação de radares e até mesmo a rota de alguns satélites.
Quanto mais próximo o observador estiver dos pólos magnéticos (que não coincidem exatamente com os pólos geográficos), maior a chance de ver o fenômeno. Como o pólo magnético no nosso hemisfério sul está em pleno oceano (veja ao lado), o mais indicado é o norte do Canadá, entre 60° e 77° de latitude, longe das luzes da cidade e, de preferência, de 20 a 40 horas depois de uma erupção solar. Parece coisa de doido mas, nos Estados Unidos, existe um serviço para astrônomos amadores que informa a ocorrência de erupção solar. Para quem estiver realmente disposto a conhecer ao vivo o panorama oferecido por estas páginas, o mapa da mina é esta espécie de “Disque Aurora”: 001-303-497 3235. É o Space Environmental Service Center, que fica no estado do Colorado.
Enquanto se sabe tão pouco sobre a influência das tempestades magnéticas no metabolismo humano, algumas agências de turismo japonesas continuam vendendo viagens pelo Círculo.
Polar Ártico para casais que não conseguem ter filhos. Dizem que fazer amor debaixo de uma aurora polar aumenta a chance de concepção. Nada de científico. Talvez seja puro magnetismo.