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Quem é que paga a política?

Um grupo de desbravadores quer mudar a lógica da política usando crowdfunding e blockchain para bancar campanhas. E aí? Topa financiar um candidato?

Por Denis Russo Burgierman
Atualizado em 11 mar 2024, 11h33 - Publicado em 7 set 2016, 15h45

Comecemos pelo óbvio: a política brasileira faliu.

Todos os grandes partidos estão na mira da polícia. A mastodôntica Operação Lava-Jato flagrou-os todos recebendo bufunfa de grandes empresas, que em troca ganham “boas relações com o governo”. Essa grana preta é o que financia as campanhas eleitorais do PMDB, do PT, do PSDB e de muitos outros.

Diante desse quadro, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão surpreendente no ano passado: proibiu que empresas financiem campanhas eleitorais. “Chegamos a um quadro absolutamente caótico, em que o poder econômico captura de maneira ilícita o poder político”, justificou na época o ministro Luiz Fux, do Supremo. Nenhuma empresa poderá doar um centavo para os candidatos que disputarão as eleições municipais de 2016.

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Financiamento Politico Pranchas

Fazer campanha é coisa cara. Em São Paulo, um candidato a vereador gasta em média R$ 1 milhão numa eleição – os que se elegem gastam R$ 2,7 milhões. E isso é um vereador.

Não é só que é caro: fica cada dia mais caro. Os candidatos a deputado federal haviam gasto, juntos, R$ 191 milhões na campanha de 2002. Corrigindo pela inflação, isso dá R$ 462 milhões. Em 2014, torraram R$ 1 bilhão – o que dá R$ 1,2 bilhão em dinheiro de hoje.

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Como é caro, não é para todo mundo. Pouca gente tem bala na agulha para arcar com uma eleição. Por isso, quem quer disputar acaba indo bater na porta dos poucos que têm. Apenas três empresas pagaram 65% dos gastos das eleições presidenciais de 2014 – todas as candidaturas somadas. Só dez empresas doaram para 70% dos deputados que acabaram eleitos. Adivinha se essas empresas são bem tratadas pelo governo.

Muitas delas são justamente as mesmas que estão aparecendo nas investigações da Lava-Jato, que encontrou indícios de que elas tomam de volta dos governos o que doam aos políticos.

Enquanto isso, a eleição municipal se aproxima. Se essas empresas não puderem doar para os candidatos, quem então vai bancar as eleições? Você?

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Se depender do engenheiro argentino Ariel Kogan, sim. É ele que está à frente do desenvolvimento do Voto Legal, um sistema que vai permitir que qualquer candidato receba doações individuais, de cidadãos comuns (por lei, cada brasileiro pode doar a candidatos 10% de sua renda bruta do ano anterior). “É uma revolução que estamos vendo começar”, disse Ariel.

O Voto Legal não será só um site: será um sistema de transferência de recursos – financeiros ou não – para permitir que a própria sociedade financie eleições. “Estamos começando a construir as bases do que será um grande ecossistema”, diz Thiago Rondon, fundador da App Cívico, a empresa de tecnologia que se uniu a Ariel nessa tarefa. Rondon refere-se à lógica de programação que eles escolheram usar: o blockchain. Significa que os registros das transações financeiras não ficarão centralizados em lugar algum: serão distribuídos pela rede, como acontece com moedas digitais tipo o bitcoin. E os dados serão abertos, podendo ser usados por qualquer um, sem custo.

No início, o Voto Legal não será muito diferente de qualquer site de crowdfunding: uma página para cada candidato, um vídeo no qual ele explica por que merece seu dinheiro, um sistema de pagamento mais simples e rápido do que preencher um cheque (lembra?). O dinheiro vai integralmente para o candidato – o Voto Legal é financiado por fundações e será lançado pelo MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), a rede de entidades da sociedade civil que esteve por trás da lei da Ficha Limpa.

Claro que é improvável que pobretões como eu ou você consigam compensar a falta que o dinheiro da Odebrecht e da JBS vão fazer – ainda mais num país com pouca tradição de doações e baixa reputação da política. Mas, de moeda em moeda, o pré-candidato americano Bernie Sanders conseguiu juntar mais de US$ 200 milhões para disputar as primárias das eleições presidenciais americanas.

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Mas espera aí, vamos devagar. Também não é assim que o povo vai financiar a política, a corrupção vai evaporar e de uma hora para outra os políticos brasileiros vão virar suecos. “Tenha certeza de que as pessoas que têm interesse em que as coisas continuem como eram estão agora pensando no que fazer para que o dinheiro saia da sua fonte tradicional e chegue ao seu destino tradicional”, diz o economista Caio Tendolini, um dos criadores do Update, um projeto que pesquisa inovação política.

“A lei eleitoral brasileira está cheia de defeitos que vão dificultar a mudança”, diz Caio. Há os defeitos de sempre e há também alguns novos. Por exemplo: a campanha foi encurtada. Já era pequena (90 dias), caiu pela metade, graças à “reforma política” que os deputados tramaram sob a presidência de Eduardo Cunha, no ano passado. “É uma medida que serve para favorecer quem já está no cargo”, diz Caio. Com uma campanha curta, não é fácil tornar alguém novo conhecido. E é mais difícil ainda colocar de pé uma campanha de crowdfunding – que normalmente leva meses para angariar apoio social e levantar dinheiro.

Caio é um dos articuladores da Bancada Ativista, um grupo de cidadãos paulistanos que, a exemplo de grupos semelhantes em várias grandes cidades brasileiras, montou um comitê para apoiar voluntariamente nove candidatos novatos a vereador com fortes laços com causas importantes da cidade. “A única estrutura da sociedade autorizada a fazer campanha é o partido – existe um monopólio da representação política”, diz ele. O plano da Bancada é colocar em disputa esse monopólio: formar um coletivo de cidadãos que apresente uma agenda nova. “Inevitavelmente a sociedade civil se move mais rápido que instituições.” Os candidatos da Bancada precisam ser filiados a um partido para disputar eleições, mas têm agenda própria. E vão financiar as campanhas com o Voto Legal.

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Mais de 800 candidatos de 26 Estados já aderiram ao Voto Legal. De início, o plano era lançar o site com o mínimo de funcionalidades apenas em São Paulo, como um piloto do que poderia operar no Brasil todo em 2018. “Mas, como houve muito interesse de candidatos de outras cidades, decidimos abrir para o País inteiro”, disse Luciano Santos, codiretor do MCCE. “Nosso plano, no longo prazo, é que o Voto Legal seja adotado pelo tribunal eleitoral, e transforme-se no sistema oficial unificado para gerenciar doações.”

A maioria dos candidatos que vão usar o Voto Legal está em partidos pequenos, que estão de fora dos grandes esquemas de financiamento, seja na esquerda ou na direita: Rede, PSOL, Partido Novo. Mas há políticos de todas as legendas – e de todas as estaturas.

“Acho muito positivo”, diz Eduardo Suplicy, pré-candidato a vereador pelo PT de São Paulo, veterano de quase 40 anos de eleições. Encontrei-o em sua impressionante biblioteca, nos Jardins, e ouvi-o rememorar histórias de velhas campanhas, feitas com uma casa emprestada por um amigo, um slogan cedido por outro e um jipe quebrado “alugado” por um terceiro ao custo de consertá-lo. “Acho que esta campanha vai voltar um pouco àquela característica.”

Tanto em termos de experiência política quanto de posição no espectro ideológico, Suplicy está bem distante de Janaína Lima, pré-candidata do Partido Novo, disputando sua primeira eleição. Mas sua animação com a possibilidade de uma campanha barata é semelhante. “Quem vai fazer a campanha são os amigos, os amigos dos amigos e aqueles que forem tocados pela nossa mensagem”, disse ela. “Tenho certeza de que a política está voltando a ser ocupada pelas pessoas de bem.”

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Pode ser. Mas ela também continua ocupada por gente com bom tino comercial. Fazer política no Brasil é um bom negócio. Tem muito dinheiro correndo pelo nosso sistema partidário, mesmo com a proibição do financiamento por empresas.

O Estado brasileiro vai depositar na conta dos partidos a bagatela de R$ 819 milhões em 2016 – um aumento astronômico em relação aos R$ 200 milhões de 2010 (corrigidos pela inflação, R$ 297 milhões) . Trata-se do Fundo Partidário, um mecanismo que transfere dinheiro do contribuinte para sustentar os partidos.

Todos os partidos, até os mais nanicos, têm direito a R$ 1,2 milhão por ano do Fundo (o Partido Novo anunciou que vai gastar toda a sua cota numa campanha contra o próprio Fundo). Mas o grosso da grana é distribuído entre os partidos grandes, já que a verba que cada um recebe é proporcional ao número de deputados e senadores que tem no Congresso – partidos como PT, PMDB e PSDB recebem cerca de R$ 100 milhões por ano, cada um. Cada deputado rende ao seu partido R$ 1,5 milhão – e vários constroem suas carreiras negociando esse cacife.

A intenção do financiamento público é propiciar um contrapeso para o poder bilionário das empresas. Mas, do jeito que ele foi desenhado, acaba sendo um incentivo para a proliferação de partidos-negócios e para impedir que gente da sociedade civil, que não tem o controle de máquinas partidárias, tenha chance de disputar de igual para igual com os políticos tradicionais.

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O Transparência Hacker funciona numa garagem no bairro da Luz, no centro de São Paulo. Cheguei lá e encontrei uma mesa rodeada por seis jovens com o rosto mergulhado em seus laptops. Um deles era Pedro Markun, que quer ser vereador em São Paulo. Perguntei por quê. “Para continuar fazendo isso aqui”, ele respondeu.

A garagem fica sempre aberta, e é frequentada todos os dias por desenvolvedores, designers e interessados em cultura hacker e cultura livre. Cada um lá está trabalhando num projeto diferente: apps de aplicação cívica, jogos, cursos, alguns projetos remunerados, outros não.

Markun fez as contas: cada vereador recebe R$ 120 mil por mês para manter seu gabinete rodando. “Com isso, eu faço um exército”, disse, animado. “Vamos usar esse dinheiro para hackear o Estado e criar brechas de participação. É o contrário de um aparelhamento: vamos pegar recursos que deveriam ser usados para o bem público mas não são, e usá-los para o bem público.”

Markun está no Voto Legal, mas sem tanta convicção. “Tenho que confessar que ainda não entendi para que precisa de dinheiro para fazer campanha”, disse, às risadas. Com amigos trabalhando voluntariamente e tudo online – nenhum papel impresso -, ele pretende gastar perto de zero.

Enquanto Markun planeja derrubar o sistema, José Police Neto trabalha todos os dias no sistema. Aliado de Gilberto Kassab, foi presidente da Câmara dos Vereadores de São Paulo e ajudou a fundar o governista PSD. Ele também vai estar no Voto Legal. “Financiamento de campanha é o centro do problema da política no Brasil. É onde mora a suspeição que paira acima de todos os políticos.” O peessedista acha que o financiamento individual tem o poder de mudar a lógica da política. “Hoje, o dinheiro das campanhas está cercado de vergonha. O candidato esconde seu doador e o doador esconde que doou – porque, se o rival ficar sabendo, vai querer também”, diz. “Agora, os políticos vão ter orgulho de receber dinheiro – vão querer contar quantas pessoas apoiaram. E as pessoas vão ter orgulho de colaborar com projetos em que acreditam.”

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Talvez.

Mas muita coisa pode dar errado nestas eleições. A proibição da doação por empresas não acaba com um problema histórico: o caixa 2. A maior parte do dinheiro corre por fora, clandestina. E o caixa 2 não vai acabar.

Sem a competição do dinheiro de empresas, talvez fique mais fácil para criminosos influenciar o resultado eleitoral – nos tribunais eleitorais, circulam boatos de que o Primeiro Comando da Capital, a maior organização criminosa do País, lançará centenas de candidatos.

Outra consequência indesejada pode ser o aumento ainda maior da influência de organizações religiosas sobre o Estado. Igrejas não podem doar, mas podem reunir milhares de pessoas físicas e pedir dinheiro para elas – o tradicional dízimo eleitoral de setembro.

“A lei tem muitas falhas”, diz a ativista Alessandra Orofino, cofundadora da Rede Nossas Cidades. Alessandra lamenta a falta de compreensão do mundo digital expressa na legislação. Ela preferiria que plataformas já estabelecidas de crowdfunding pudessem também financiar eleições (o Supremo decidiu em contrário porque não pode haver intermediário entre doador e político).

“Mas é um começo”, diz. “Hoje, do jeito que é, quem começa a carreira política acaba tendo que pedir dinheiro para quem não quer. E muita gente legal acaba nem entrando.” Agora eles podem pelo menos começar. Basta encontrar por aí gente suficiente para apoiá-los. 

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