Quando surgiram os primeiros mangás e animes?
Saiba tudo sobre este pedaço da cultura japonesa.
LEIA MAIS
– Quais foram os mangás mais importantes da história?
– Como é a rotina de um autor de mangás?
O termo mangá surgiu em 1814, nos hokusai mangá, que trazem caricaturas e ilustrações sobre a cultura japonesa. Já o mangá moderno tem influência dos cartuns ocidentais e de quadrinhos clássicos da Disney; e é basicamente uma criação de Osamu Tezuka, com Shin Takarajima (“A Nova Ilha do Tesouro”), de 1947.
A obra de Tezuka definiu as características do mangá, como expressões faciais exageradas, elementos metalingüísticos (linhas de velocidade, grandes onomatopéias etc.) e enquadramentos cinematográficos para aumentar o impacto emocional. O artista – falecido em 1989 – foi tão influente que é chamado de Deus Mangá.
Na animação, apesar de haver desenhos anteriores produzidos no Japão, Tezuka é considerado o fundador da indústria, com obras que marcaram a cultura nipônica. Astroboy, em 1963, foi a primeira série animada da TV japonesa com história contínua e personagens recorrentes. Outros trabalhos do autor, como Kimba, o Leão Branco e A Princesa e o Cavaleiro, ajudariam a definir, em técnicas narrativas e de animação, o que hoje é tão reconhecido nos animês.
E no Brasil?
O primeiro mangá lançado aqui foi Lobo Solitário, em 1988, pela Cedibra, mas adaptado para a leitura ocidental. Isso invertia as artes originais e quase todos os personagens viravam canhotos. Só quando a Conrad lançou Dragon Ball, em 2000, os mangás passaram a sair no seu formato original, e lidos “de trás pra frente”. Já os animês chegaram nos anos 60 e é difícil precisar qual foi o primeirão. Na leva inicial vieram Homem de Aço, Oitavo Homem, Ás do Espaço, Zoran e outros.
Qual o manga é o anime de maior sucesso no Brasil?
Os animês são exibidos no Brasil há mais de 40 anos, e séries como Don Dracula, Piratas do Espaço, Menino Biônico e Sawamu colecionam fãs. Mas o maior fenômeno foi Cavaleiros do Zodíaco, que, sozinho (e sem esta pretensão), gerou em 1994 o boom dos desenhos japoneses que ecoa até hoje.
A série virou referência, foi reprisada muitas vezes, rendeu muito merchandising e fez outras emissoras, além da finada Manchete (que o exibia), apostar nos animês.
Nos mangás, Dragon Ball Z, da Conrad, continua insuperável. Goku, que já era famoso pelos games e pelo animê, vendia mais de 100 mil exemplares quinzenais no auge.
Qual o tamanho desta indústria no Japão?
É difícil precisar a produção de mangás, mas sabe-se que os quadrinhos representam cerca de 40% do que é impresso no Japão e em 2006 movimentaram mais de 4 bilhões de dólares – é o maior mercado do mundo, com cerca de 750 milhões de exemplares vendidos.
Os maiores mercados estrangeiros para os mangás são os EUA (mais de 200 milhões de dólares em vendas), França e Alemanha.
A produção de animês também é extraordinária: a cada ano, os 400 estúdios de animação japoneses produzem mais de 2 500 episódios, numa indústria que movimenta mais de 1 bilhão de dólares.
Como os mangás são publicados no Japão?
As histórias costumam ser publicadas capítulo a capítulo, em almanaques de até 500 páginas (geralmente em papel reciclado), com cerca de 20 séries diferentes e periodicidade semanal ou mensal.
Esses bitelões são voltados para meninos (como a Shonen Jump), meninas (como a Nakayoshi, de Sailor Moon), crianças (como Koro-Koro, de Pokémon), ou adultos (como a Weekly Morning, de Vagabond). Depois de lidos, os japoneses costumam jogá-los no lixo.
As séries mais populares ganham destaque na capa e nas primeiras páginas. Depois que vários capítulos são publicados, a história é republicada em edições colecionáveis conhecidas como tankohon – o formato no qual a maioria dos mangás sai no Brasil.
Como se produz um mangá?
Primeiro, os editores dos almanaques estudam a preferência dos seus leitores. Afinal, a revista precisa de variedade. Esse retorno é medido por meio de cupons de pesquisa encartados nas revistas.
Então, editor e autor definem os rumos da história. Em seguida, se faz uma prévia do roteiro e um rascunho das páginas. Assim que são aprovados, começa a correria.
Muitos artistas criam mais de 20 páginas por semana e só conseguem porque contam com vários assistentes, que fazem arte-final, inserem retículas (que dão sombra e volume aos desenhos), cenários e balões.
Quem lêe mangás e assiste animês?
Um dos segredos do sucesso dos mangás é a segmentação. Há histórias para meninos (com ação, valorização do trabalho em equipe e perseverança), meninas (romances e tramas cheias de sentimento), adultos e até donas-de-casa (as mais picantes imagináveis). E para cada público existem vários gêneros: terror, suspense, erótico, aventura etc. Nenhum mercado do planeta tem tantas ramificações. Assim, é difícil encontrar no Japão quem não leia quadrinhos.
Os animês são um pouco menos populares, por diversos fatores. A produção é mais cara – um episódio de 30 minutos custa, em média, 100 mil dólares. Os horários de exibição na televisão nem sempre batem com a ocupada agenda dos japoneses. E, por causa do custo elevado, os assuntos tratados nos desenhos não são tão variados como nos mangás. Geralmente, as séries são direcionadas ao público jovem.
A exceção é Hayao Miyazaki, que produz no seu Studio Ghibli longas-metragens para os cinemas. Invariavelmente, cada filme dele é o mais rentável do ano em que é lançado, e animês como Princesa Mononoke, A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado, por seu apelo universal, constam entre as dez produções japonesas de maior bilheteria de todos os tempos. São clássicos em todos os sentidos da palavra.
Todo mundo lê mangás no Japão?
Praticamente. Afinal, trata-se de um entretenimento prático e barato. E, numa sociedade em que as pessoas têm pouco tempo para o lazer e lêem muito, é comum encontrar nos trens mangás nas mãos tanto de executivos quanto de crianças.
Além disso, personagens como Doraemon, o gato-robô azul que vem do futuro, são tão populares e tradicionais quanto Mickey Mouse, e aparecem em livros educativos, campanhas do governo e diversos produtos.
Há propagandas das histórias mais famosas do momento em outdoors, estações de trem e até dentro dos vagões. Nas bancas, que, diferentemente do Brasil, só existem em estações de trem e lojas de conveniência, os mangás aparecem com mais destaque do que os jornais e outros periódicos.
Em quanto tempo um mangá vira animê?
Não há um padrão. Nas principais revistas, logo que o mangá desponta, é comprado por um canal de TV. Aí, ganha uma série semanal em horário nobre (entre 17 e 19 horas), que pode ter centenas de episódios e gerar muito merchandising.
Outra via é quando um estúdio transforma um mangá mais cult em longa-metragem ou numa série para DVD ou TV (em horários menos concorridos, como a madrugada).
E ainda rola o inverso: um animê de sucesso gerar um mangá, como ocorreu com Gundam, o robô gigante mais famoso do Japão.
O que é cosplay?
Ocosplay é um dos destaques das convenções de animê e mangá. Trata-se do ato de se vestir como um personagem e, se tiver coragem, encenar alguma passagem da história da qual ele faz parte.
As convenções são tomadas por centenas de cosplayers. Alguns querem apenas se divertir, sem se importarem com a verossimilhança das roupas. E há os que reproduzem fielmente seus heróis e vilões prediletos.
O cosplay surgiu nos EUA, em convenções de Jornada nas Estrelas, no final dos anos 70. Hoje, no segmento mangás e animês, o Brasil se destaca: em 2006, os irmãos Mônica e Maurício Somenzari Leite Olivas “encarnaram” Rosiel e Alexiel, de Angel Sanctuary, e venceram o World Cosplay Summit, um importante torneio mundial.
O que significa otaku?
Otaku é a versão japonesa do nerd, mas um tipo bem específico: aquela pessoa dedicada ao extremo, fanática mesmo por um assunto, seja ele miniaturas de trens ou aviões, tecnologia, seja, o que é mais comum, animês e mangás.
Na rígida e tradicional sociedade japonesa, a expressão tem uma conotação negativa, e ser chamado de otaku normalmente tem algum grau de ofensa. Mas, no Ocidente, a denominação simplesmente serve para identificar quem curte bastante esse hobby. Uma das maiores convenções dos EUA até assume isso no nome: Otakon.
Qual a receita para se criar um manga de sucesso?
Não basta apenas uma boa idéia ou um desenho bacana, é preciso muito mais
Se atualmente existe uma fórmula de êxito nos mangás, ela está na revista Shonen Jump, que, sob o lema “perseverança, amizade, vitória”, vem criando sucessos mundiais há quase 30 anos. Acompanhe a seguir a “receita” desenvolvida por ela (e seguida por suas concorrentes) no gênero de mangás para meninos.
1. O protagonista
Ao eleger o personagem principal, lembre-se: ele geralmente tem “alma infantil”, é ingênuo, puro de coração, valente e fiel aos amigos. Não desiste nunca e nem teme perigo algum. Exemplos: Goku, Yuusuke Urameshi (YuYu Hakusho), Ruffy, Naruto etc. E ter um visual impactante é fundamental.
2. Objetivos
Nos melhores mangás shonen, o herói é sempre movido por uma grande aspiração, que lhe possibilita mostrar sua determinação e seu valor. Ele quer se tornar o guerreiro mais poderoso do Universo? O maior pirata? O melhor jogador de basquete? Ou o melhor padeiro? (Acredite, isso existe!)
3. Os amigos
Uma lição presente em todos os mangás é o valor da amizade. O que seria de Goku sem Kuririn? Os amigos complementam a personalidade do herói e enriquecem a história. Eles podem até competir entre si, mas é sempre quando atuam lado a lado que superam os maiores desafios.
4. O rival
Nas pesquisas de popularidade das principais revistas, os rivais aparecem sempre no topo. Dois bons exemplos são Vegeta e Sasuke, que fazem Goku e Naruto, respectivamente, darem o melhor de si a todo momento. Um grande rival é quase tão importante quanto um protagonista carismático.
5. O toque do autor
Mas receita nenhuma, por mais tradicional ou inovadora que seja, garante a qualidade ou o sucesso da história. Afinal, cada balão é preenchido com as idéias do autor e, no final das contas, é o talento dele, pessoal e intransferível, que dá sabor à trama e, se for bem-sucedido, cria os clássicos.
Há algum local no Japão destinado à cultura dos mangás?
Nas grandes cidades japonesas, o difícil é justamente fugir dessa cultura. Mas o epicentro do fenômeno está no bairro de Akihabara, em Tóquio. Lá existem dezenas de lojas de mangás (como a Tora no Ana), fliperamas construídos pela própria Sega, quiosques de brinquedos, miniaturas e as mais diversas traquitanas tecnológicas, além de bares e cafés temáticos para todos os gostos e eventos praticamente todas as semanas para o lançamento de diversos produtos, com pocket shows dos artistas favoritos dos fãs.
Essas lojas são todas enormes e ocupam prédios inteiros, com diversos departamentos diferentes. Ou seja, são verdadeiros templos do consumo otaku.
A Asobit City é um bom exemplo. Confira as suas subdivisões, por andar:
Subsolo: jogos de PC e mangás adultos.
Térreo: brinquedos baseados em robôs, principalmente a série Gundam.
Primeiro: videogames e acessórios.
Segundo: brinquedos e modelos baseados em personagens de animês e mangás.
Terceiro: modelos em escala de carros, trens, aviões e outros veículos, inclusive movidos por controle remoto.
Quarto: artefatos para cosplay, camisetas e acessórios com personagens de animês.
Quinto: réplicas variadas de armas, uniformes militares e trajes de caça.
Por que os personagens têm expressões tão exageradas?
Os japoneses têm uma longa tradição de humor baseada em caretas e outras expressões engraçadas – a palavra mangá significa “desenhos irreverentes”. Outra explicação vem da herança que os mangás receberam das caricaturas.
Por isso, os mangás e animês desenvolveram uma linguagem própria para as expressões dos personagens. Confira algumas.
Gotinha: significa constrangimento, muitas vezes por causa de alguma coisa bizarra ou “sem noção” que outro personagem faz.
Olhos brilhando, bochechas coradas: encantamento e sentimento de grande alegria.
Veia saltando: indica a fúria de alguém.
Nariz sangrando: é um sinal utilizado para mostrar que o personagem está excitado.
O que mudou na indústria de animês?
Neon Genesis Evangelion, exibido em 1995 e 1996, foi um marco. Com uma trama de suspense nunca vista num animê sobre robôs gigantes, fez grande sucesso no horário nobre. Por isso, os produtores passaram a ousar nos roteiros e rolou um boom de séries para a TV. Foi até criado um horário para exibir séries cults e adultas: tarde da noite e início da madrugada.
Essas séries foram o principal produto de exportação dos estúdios para o Ocidente, o que compensou a queda nas vendas internas – o país vivia uma recessão nos anos 90.
Além disso, a produção totalmente digital, que dispensa acetato, tinta e outros materiais e permite a inserção de gráficos 3D nos desenhos, barateou as produções. Esse novo fôlego foi vital para manter a animação japonesa na vanguarda mundial.
Fanzines são importantes no Japão?
É inimaginável para um americano vender um fanzine do Homem-Aranha, Batman ou Mickey – um advogado logo estaria no seu rastro. Mas, no Japão, a indústria de mangás e o mundo dos fanzines (chamados de doujinshi) convivem harmoniosamente, e um beneficia o outro.
É comum encontrar fanzines de Doraemon, Gundam, Dragon Ball Z, com novas aventuras dos personagens. Há milhares à disposição.
Os autores e editoras não se incomodam com os fanzines, pois suas tiragens de centenas de exemplares não ameaçam as vendas milionárias dos mangás.
Vários autores de sucesso começaram como fanzineiros, para depois serem descobertos pelos caçadores de talentos das editoras.
Já houve encontros de heróis americanos e japoneses?
É comum nos mangás autores fazerem referências não autorizadas a ícones como Mickey Mouse e Homem-Aranha, mas até hoje não rolou nenhum encontro de personagens numa publicação.
O mais próximo que se chegou disso foram japoneses desenharem histórias para a DC (Batman, Superman etc.) e Marvel (Homem-Aranha, X-Men e outros). Hoje, isso nem é tão raro, como comprovam Tsutomu Nihei, do mangá Blame!, que ilustrou a minissérie Snikt!, do Wolverine, e Kia Asamiya, de Silent Mobius, que fez Batman Mangá.
E a contramão também rola: desenhistas do Ocidente têm publicado no Japão.