Vai dar pra nadar no Tietê um dia?
Provavelmente, não. Mesmo que a despoluição seja um sucesso, dar um tibum no Tietê continuará sendo uma aventura arriscada. Estamos falando, claro, da região em que o rio é um tremendo nojo, próximo à cidade de São Paulo. Depois de 300 quilômetros, em Barra Bonita, a autodepuração natural do rio já consegue eliminar boa parte […]
Provavelmente, não. Mesmo que a despoluição seja um sucesso, dar um tibum no Tietê continuará sendo uma aventura arriscada. Estamos falando, claro, da região em que o rio é um tremendo nojo, próximo à cidade de São Paulo. Depois de 300 quilômetros, em Barra Bonita, a autodepuração natural do rio já consegue eliminar boa parte das impurezas, e a galera nada no Tietê sem problemas, como a gente mostra no infográfico ao lado. Pelas bandas da capital, as braçadas seguirão proibidas por uma razão bem simples: sairia muito caro limpar o rio para a natação. O atual projeto de despoluição – que começou em 1992 e está previsto para terminar no ano que vem – funciona em duas etapas. Na primeira, retiram-se as partes sólidas que vêm com o esgoto, de sofás e pneus a grãos de terra e cocô. Na segunda, a água suja recebe microbolhas de oxigênio, que abrem o apetite de bactérias e outros bichinhos da água que devoram os dejetos lançados no rio. Mas para transformar o rio em piscina, a água tratada precisaria ainda passar por uma terceira etapa, recebendo produtos químicos para retirar o excesso de minerais e outros nutrientes indesejáveis que os microorganismos comedores de cocô produzem. Isso custa uma fábula e está fora dos planos do projeto de despoluição. Decepcionado? Então, saiba que, mesmo sem essa terceira etapa, a despoluição vai trazer vantagens em alguns anos. “A qualidade da água deve melhorar e algumas espécies de peixes, plantas e microorganismos, essenciais para o equilíbrio ecológico do rio, começarão a voltar. Nadar não será possível, mas poderá haver a chamada recreação secundária, como a prática do remo”, diz o biólogo Aristides Almeida Rocha, da Universidade de São Paulo e autor do livro Do Lendário Anhembi ao Poluído Tietê.
Do caos à cura
Rio morre na Grande São Paulo, mas vira piscinão no interior, a 300 km da capital
1 – O rio Tietê nasce como um filete de água a 25 quilômetros do centro de Salesópolis, na encosta da Serra do Mar. Engrossado pelas águas de 30 pequenos afluentes da região, o rio vira atração turística ao passar pela cidade, pois ele ainda tem água cristalina
2 – O rio começa a ficar sujo 40 quilômetros depois da nascente, na cidade de Mogi das Cruzes, onde ele se transforma em depósito de esgoto urbano. A situação já foi pior: hoje, 45% da sujeira jogada no rio recebe algum tratamento. Em 2000, esse índice era de só 0,5%
3 – À medida que o Tietê se aproxima da capital, a sujeira despejada aumenta cada vez mais. Com isso, o índice de oxigênio da água desaba e a vida aquática some. A culpa é dos esgotos vindos de três fontes: das casas, das indústrias e das ruas
4A – O problema do esgoto industrial diminuiu com a despoluição. Na década de 1990, o rio chegava a receber por dia 5 toneladas de esgoto das fábricas. Mas hoje, cerca de 1 200 indústrias, que respondem por 90% da sujeira, tratam seu esgoto antes de lançá-lo no rio
4B – O esgoto doméstico é o maior poluente do rio. Mesmo com cinco novas estações de tratamento e 3 mil km de novos canos de coleta, o rio ainda recebe 500 toneladas diárias de dejetos das casas, grande parte por meio de tubulações clandestinas
4C – O lixo jogado nas ruas responde por um terço (ou 250 toneladas) da sujeira que chega ao Tietê. Entulho, papéis, pneus e até sofás abandonados são carregados pela água das chuvas e, ao caírem na rede de galerias pluviais, seguem direto para o rio, sem nenhum tratamento
5 – Depois dessa overdose de nojeiras, o rio começa a se limpar sozinho. A gravidade leva a sujeira sólida para o fundo e os ventos e a agitação da água injetam oxigênio no rio. Surgem microorganismos e plantinhas subaquáticas, que vão restabelecendo o equilíbrio ecológico
6 – Com mais oxigênio dissolvido na água, os peixes voltam a aparecer. Já dá para pescar em cidades como Salto, Anhembi e Itu, que ficam a cerca de 100 quilômetros da capital. O mérito é do projeto de despoluição, que fez a mancha de esgoto recuar quase 80 quilômetros, possibilitando a pescaria no interior
7 – A água só fica boa para nadar em Barra Bonita, a 300 quilômetros de São Paulo. Já dá para se divertir dentro do rio, mas nem pense em beber a água do Tietê! Mesmo em pequena quantidade, o rio ainda contém microorganismos causadores de doenças, que podem te presentear com uma gastroenterite ou até uma hepatite
Consultoria: Aristides Almeida Rocha, biólogo da USP, e Rubens Russo, engenheiro da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)