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A proibição do Airbnb em Barcelona e o fenômeno das cidades ocas

Mundo afora, investidores adquirem imóveis em regiões centrais de grandes cidades para fazer Airbnbs – o que pressiona aluguéis para cima e força a população local a se mudar. No Brasil, esse fenômeno é só a pontinha de um problema urbanístico muito pior.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
9 Maio 2025, 12h00

Barcelona decidiu que não vai mais renovar as licenças para operação de Airbnbs, que duram cinco anos. O número de apês disponíveis na plataforma cairá gradualmente até novembro de 2028, quando a última autorização vai expirar e o serviço desaparecerá de vez da cidade.

A razão: o número de imóveis disponibilizados para turistas – hoje, são aproximadamente 10 mil – cresceu tanto que faltam moradias na cidade para os próprios habitantes. Com muita procura e pouca oferta, os aluguéis vão às alturas e a parcela mais pobre da população local é forçada a se mudar do centro. A alta nos boletos foi de 14% só em 2023.

Essa talvez seja a medida mais agressiva já tomada contra a hotelaria informal, mas não é a única. Nova York, desde setembro de 2023, só permite Airbnbs e afins se o dono do imóvel permanecer na unidade ao longo de toda a estadia do hóspede. Você pode oferecer um quarto, mas não a casa toda. Atenas, por sua vez, interrompeu a emissão de novas licenças em três distritos centrais, e aumentou os impostos sobre os proprietários.

Será que a severidade se justifica? Ou aluguéis de curto prazo não são o cerne do problema e estão servindo de bode expiatório? Há defensores dos dois pontos de vista, é claro. Mas a maioria dos urbanistas e especialistas em políticas públicas concorda que Airbnbs fazem mais mal do que bem – ainda que bani-los não seja um passe de mágica contra a gentrificação.

Os esforços para colocar a crítica em números ainda são incipientes, mas um relatório publicado em 2023 pela AirDNA – uma empresa especializada em coletar e analisar dados sobre esse tema – resume bem as conclusões até agora.

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Pesquisas mais antigas chegaram a detectar um aumento alarmante de 17% a 20% no valor dos imóveis em Nova York em uma janela de quatro anos, quando o número de SRTs dobrou (essa é a sigla de short-term rentals, que significa “aluguéis de curto prazo” e é usada no meio acadêmico para se referir a Airbnbs e similares).

Posteriormente, estudos mais detalhados em várias cidades concluíram que o efeito era de apenas 1% a 4% e concentrado em áreas de turismo forte. Uma análise da França como um todo, por exemplo, só detectou altas de preços associadas a SRTs em Paris, onde o fluxo de estrangeiros é maior. E sempre há casos em que o incentivo à economia – afinal, turismo gera grana – compensa as desvantagens.

Em resumo, SRTs não são sempre um problema, mas têm potencial para se tornarem um. Por isso, é importante que as autoridades se mantenham a par do fenômeno (por meio da emissão de licenças, por exemplo, que permitem acompanhar de perto a evolução dos números) e tomem providências quando necessário.

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Uma cidade pode crescer de dois jeitos: para cima ou para os lados. Metrópoles verticalizadas aglomeram apês e serviços em quarteirões densos, que favorecem deslocamentos a pé, de bicicleta ou de metrô. Circular em carros particulares é improdutivo: a velocidade máxima é baixa, as ruas são estreitas e há restrições como calçadões, pedágios urbanos e parquímetros.

Paris, por exemplo, tem o maior número de habitantes por m² de qualquer metrópole da União Europeia: 20,9. O oposto disso é uma cidade como Atlanta. São só 1,4 mil moradores por km², distribuídos em subúrbios vastos, planos e residenciais, em que todos os deslocamentos dependem de carros.

Em linhas gerais, os urbanistas recomendam cidades densas. Elas são melhores para o meio ambiente (porque há menos carros gerando poluição), para a saúde pública (porque se deslocar a pé é um exercício), para a economia local (você tende a comprar coisas em lojas de carne e osso) e para a segurança pública (ruas aconchegantes, cheias de estabelecimentos, coíbem a ação de criminosos).

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São Paulo, a cidade brasileira que mais recebe turistas estrangeiros, incorpora o pior desses dois mundos. As construtoras sobem prédios a rodo no centro da cidade, o que poderia ser um sinal positivo: em tese, há cada vez mais imóveis para pessoas da periferia se mudarem para bairros mais centrais, o que desafoga o transporte público sobrecarregado e diminui o tempo de deslocamento.

Na prática, porém, os subúrbios onde a classe média baixa realmente mora continuam térreos, majoritariamente residenciais e distantes – uma versão precária, às vezes favelizada, de Atlanta.

A densidade populacional é de 7,5 mil habitantes por km² no município de São Paulo – nada próximo do padrão parisiense – e de apenas 2,6 mil na Região Metropolitana, que inclui cidades vizinhas emendadas à capital. Só 12,5% da população paulistana vive em apês. A maioria dos trabalhadores habita casas localizadas em lugares distantes, com acesso limitado a parques, equipamentos culturais, estações de trem e metrô e outras benesses.

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Enquanto isso, existem 96,2 mil pessoas morando na rua em São Paulo, e o Censo de 2022 encontrou 590 mil imóveis vazios na cidade – 13,5% do total. Há seis vezes mais espaços vazios do que gente precisando de espaço. A situação é pior no centro histórico degradado, onde um em cada cinco imóveis está vazio, apesar da vasta oferta de transporte e serviços.

A tese de doutorado do urbanista Kazuo Nakano, feita na Unicamp, mostra que, entre 2000 e 2010, o chamado centro expandido de São Paulo – que concentra 70% dos empregos – ganhou aproximadamente um novo prédio por dia. Porém, a população dessa área cresceu apenas algo entre 0,81% e 1,24%, dependendo do bairro. O fenômeno foi batizado de “cidade oca”.

O número médio de pessoas por apê, naturalmente, diminuiu. Isso é conse-quência de diversos fenômenos: mais casais jovens sem filhos, mais gente morando sozinha e mais pessoas endinheiradas comprando apartamentos para investir em vez de morar. Parte desses investimentos, é claro, converge em Airbnbs e afins – especialmente em prédios nas cercanias de lugares-chave para o turismo de negócios e entretenimento.

SRTs não têm efeitos colaterais relevantes em toda cidade que é um polo turístico, e não costumam ser os inimigos n° 1 das políticas públicas de habitação no Brasil e em outros países em desenvolvimento. Mas eles contribuem para a tendência mais ampla de tratar moradia como investimento e ignorar a distribuição ideal de pessoas pelo tecido urbano – o que dificulta a vida de quem passa quatro horas por dia no transporte público. Em qualquer cidade que preza o IDH, essa deveria ser a prioridade.

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