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Câncer – A chave da vida e da morte

A doença mais mortal do século nasce dentro de cada um de nós, a partir do mesmo mecanismo que desenvolveu a nossa espécie. Por décadas, a ciência buscou armas para expulsar o tumor. Mas agora estamos virando o jogo - o inimigo é o corpo em desequilíbrio. E a resposta para lidar com o câncer está dentro de você.

Por Carol Castro
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 28 jul 2013, 22h00

No princípio era a sopa primordial. Uma argamassa de dióxido de carbono, amônia e metano boiando no enorme oceano de 3,8 bilhões de anos atrás. Não se sabe bem quando, essa mistura começou a se organizar; formou moléculas complexas e longas correntes de aminoácidos. Algumas dessas criações desenvolveram a habilidade de se copiar e se espalhar pelo ambiente, num “crescei e multiplicai-vos” químico. Em pouco tempo, a água estava tomada. Até aí, nada de muito interessante teria acontecido neste pacato planeta rochoso, se algumas dessas moléculas não começassem a sofrer mudanças na hora de se multiplicar. Uma passou a se reproduzir com mais rapidez, outra viveu mais, e uma terceira ainda descobriu uma forma de se proteger do mundo exterior criando uma cápsula protetora ao seu redor. Essa molécula multiplicadora era o tataravô do nosso DNA – e sua cápsula, a membrana celular das nossas células. Já as pequenas “mudanças na hora de se multiplicar” são as mutações. São elas que no fim das contas desenvolveram a vida na Terra: fizeram com que essas células arcaicas virassem bactérias, fungos, insetos, peixes, dinossauros, aves e, finalmente, nós, macacos pelados de cérebro avantajado. Sem as mutações não estaríamos aqui. São a chave da vida e da morte. São elas também as culpadas pela mais temida das doenças do nosso tempo: o câncer.

O câncer faz parte do processo natural da vida. Na espreita, dentro de nós, os genes que ativam o câncer esperam por mutações que possam acordá-los e desenvolver a doença.

Sim, eu e você temos no nosso DNA alguns genes que podem converter células normais em cancerosas, conhecidos como proto-oncogenes. Já vieram de nascença. Mas, para o nosso alívio, nem todos despertam. Teoricamente, três a cinco mutações em genes específicos já seriam o suficiente para desenvolver um câncer. Mas, em média, um tumor maligno é o resultado de 400 mutações. Ou seja, o resultado de um azar tremendo.

Imagine o corpo como uma grande orquestra, equilibrada e harmônica. O câncer seria o equivalente a um dos instrumentos, digamos o violino principal, estar fora do tom. Devagar, aquele som desafinado começa a contaminar todos os outros, que o seguem. O resultado, você pode imaginar, é uma barulheira descabida – um equivalente sonoro a um tumor. É exatamente assim com o câncer, doença que se espalha sorrateira. Ela começa com uma pequena inflamação, pode ser algum químico do cigarro ou fuligem, por exemplo, que se aloja no pulmão. Para expulsá-lo, nosso sistema imunológico vai até lá lutar contra ele e desencadeia um processo inflamatório. Nessa briga, pode ser que alguma célula do corpo leve a pior: a toxicidade do alcatrão, por exemplo, pode acordar um oncogene e alterar para sempre seu DNA. Mutante, ela começa a se dividir e multiplicar descontroladamente, muito mais do que as companheiras: uma das características principais do câncer. Se novas mutações aparecerem, e uma delas desligar a capacidade natural do organismo de matar as células, por exemplo, ferrou: o câncer surgiu.

CÂNCER
– Mais de 100 tipos.
– 60 órgãos podem desenvolver câncer.
– 10% dos casos são hereditários.
– 90% são associados a fatores ambientais.

Entre quem tem câncer hoje 50% estarão vivas daqui a 5 anos mais de 40% daqui a 10 anos

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5 hábitos de risco originam 30% das mortes
– Obesidade
– Falta de frutas e vegetais
– Falta de atividade física
– Cigarro
– Uso de álcool

Os mais comuns
– 12,7% pulmão
– 10,9% mama
– 9,8% colorretal
– 7,8% estômago
– 7,1% próstata

Os que deixam mais sobreviventes
– Mama
– Próstata
– Colorretal
– Útero

O câncer é a segunda doença que mais mata no mundo (em 2008, quase 14%, ou 7,6 milhões, das mortes foram causadas por ele, segundo a Organização Mundial da Saúde). Mas, se todos nós temos oncogenes, por que só alguns morrem por causa deles? Nos últimos anos, os tratamentos da doença vêm surtindo efeito: nos EUA, de 1950 até 2007, as mortes por câncer diminuíram 8%. Os oncologistas brasileiros garantem a cura de até 70% dos doentes em estágio inicial. Mas os ganhos não foram suficientes para anular as perdas. No Brasil, a parcela de culpa do câncer pelas mortes totais passou de 8% em 1980 para 15% em 2010 (já que os tratamentos das outras doenças avança rapidamente). “Até agora tivemos um progresso, é inegável. Mas, se muita gente segue morrendo, precisamos pensar diferente” diz David Agus, oncologista e autor do livro Uma Vida sem Doenças. “Uma forma é entender o câncer como um verbo. Você não `tem câncer’, você está `cancerando’.” Se é um verbo, fica fácil explicar por que a incidência do câncer cresce junto com a expectativa de vida. As células do seu corpo não param de se reproduzir – e cada divisão pode gerar alguma mutação e despertar um oncogene. Em uma pessoa idosa, o DNA já foi copiado tantas vezes, que o risco de erros é muito maior. Pense num xerox de um xerox – é sempre pior do que a primeira cópia.

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Se a doença convive com a gente, ela também dificilmente será extinta, ao contrário do que a humanidade sonhava. Por muito tempo, os cientistas se preocuparam em buscar armas e munições contra os tumores, como se fossem um inimigo externo que precisa ser expulso a qualquer custo. Não entendiam que ele faz parte de nós. “Se a doença cresce, é porque o corpo todo está doente, não apenas um órgão”, diz Agus. Em outras palavras, o câncer só cresce quando seu organismo falho permite – quando aquele primeiro violino saiu do tom. E é para esse lado que a oncologia começa a olhar: para dentro de você, à procura do reequilíbrio do corpo.

Corta aqui, tira ali
Sentada no sofá da sala em São Paulo, numa tarde de sábado, Carmela Talarico sentiu um caroço na mama esquerda. Descobriu por acaso, enquanto coçava o braço. Aos 56 anos, ela sabia o que aquilo podia ser. Na segunda-feira, correu até o médico e marcou os exames que confirmariam o óbvio: estava com câncer de mama. O tumor não passava de um centímetro, mas ela teria de enfrentar uma operação para retirá-lo. Naquela época, começo dos anos 80, as ideias de William Halsted, cirurgião americano, ainda influenciavam os oncologistas de todo o mundo. Halsted só viveu até o ano de 1922, quando pouco se sabia sobre o câncer, mas defendia que se devia eliminar o maior número possível de tecidos ao redor dos tumores para não deixar nenhum fragmento para trás, o que possibilitaria o surgimento de um novo tumor. Em outras palavras, Halsted mandava caprichar na faca.

Suas cirurgias radicais desfiguravam as pacientes. “Na Europa, um cirurgião tirou três costelas e outras partes da caixa torácica e amputou um ombro e a clavícula de uma mulher com câncer de mama”, conta Siddhartha Mukerjee, oncologista e professor de medicina da Universidade de Colúmbia, no livro O Imperador de Todos os Males.

Foi essa a cirurgia que Carmela encarou. Felizmente, não foi necessário amputar o ombro ou a clavícula, mas Carmela perdeu a mama esquerda inteira, o músculo peitoral e os gânglios debaixo do braço. Com quase 90 anos, ainda no mesmo sofá e apartamento, sem nenhuma prótese, ela conta feliz: “Se tivesse um tumor do outro lado, faria tudo de novo”. Se o câncer tivesse aparecido poucos anos depois, Carmela teria escapado da cirurgia radical. Em 1981, um estudo americano comprovou que a mastectomia radical não apresentava nenhum benefício em relação à cirurgia simples (retirada de só um pedaço da mama) ou cirurgia acompanhada por radioterapia. Anos mais tarde, em 2004, a filha de Carmela, Eliane, também se deparou com caroços – mas só precisou retirar um quarto da mama direita, além de encarar doses de radioterapia e quimioterapia.

Remédios quimioterápicos, aliás, já existiam há alguns anos. O primeiro deles surgiu, por acaso, durante a 1ª Guerra Mundial. Pesquisadores perceberam que pessoas expostas ao gás mostarda apresentavam uma drástica redução de glóbulos brancos, porque ele afeta a medula óssea. Em 1946, cientistas testaram a droga em pacientes com linfomas (câncer das glândulas linfáticas). Funcionou por um tempo. Mas logo apareceram as recaídas. A primeira droga a curar de verdade o câncer apareceria só em 1960, quando dois pesquisadores conseguiram acabar com um câncer raro na placenta de uma paciente.

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Qualquer remédio de quimioterapia atinge células que se dividem rapidamente – sejam elas normais ou cancerosas. É por isso que pessoas em tratamento perdem o cabelo, por exemplo. E é por isso também que essas terapias causam tantos efeitos colaterais. Os primeiros pacientes tratados com cisplatina, nos anos 70, sentiam tanta fraqueza e náusea que vomitavam quase 12 vezes por dia. Chegavam à beira da morte. A indústria farmacêutica já criou remédios capazes de reduzir os efeitos. Por anos, a estratégia dos cientistas foi testar qualquer tipo de substância – plantas, químicos, remédios – para tentar destruir o câncer, como se ele fosse causado por vírus ou bactérias. Demorou para entender que o perigo morava tão perto.

Ambiente externo
Reequilibrar o ambiente doente ao redor de um tumor pode ajudar a combatê-lo

Uma equipe do Berkeley Lab, nos EUA, liderada pela pesquisadora Mina Bissell, investigou as diferenças entre células mamárias normais e tumorosas. E descobriu que o ambiente ao redor das células ajudava a determinar se elas deveriam fazer leite materno (estado normal) ou crescer desenfreadamente.

O que eles perceberam foi uma enorme quantidade de uma proteína chamada TGF-Beta 1 ao redor das células tumorosas. Se pudessem reduzir essas proteínas, será que a célula danificada se transformaria numa normal outra vez?

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Deu certo. Analisar o ambiente em volta da célula tumorosa mostrou qual proteína estimulava o crescimento do câncer. E anulá-la foi suficiente para reverter o processo da doença.

Tiro ao alvo
Só em 1976, os pesquisadores se deram conta de que havia uma ligação entre câncer e os defeitos no DNA. Até então, a maioria deles se dedicava à busca de um possível vírus causador da doença. Peyton Rous, um médico americano, havia descoberto, ainda no início do século, um retrovírus que causava sarcoma em galinhas (um tipo de tumor que se desenvolve em tecidos, como osso ou músculo). Sem encontrar explicação para o câncer, a ideia do vírus atraiu os pesquisadores – tanto que, em 1950, chegou a ser criado, nos EUA, um Programa Especial de Vírus do Câncer. A busca não deu em nada: raros tipos de câncer são causados por micro-organismos. O que descobriram foi que o tal vírus dos sarcomas das galinhas na verdade não causava câncer. O que ele fazia era transportar para dentro dos animais um gene específico – e este, sim, alterava as células e fazia com que elas começassem a se dividir loucamente. Como um software que, uma vez instalado, faz a máquina inteira rodar de uma nova forma.

A descoberta mudou o rumo da história do câncer. Os dois pesquisadores logo perceberam que genes normais podiam, sob influência de fatores externos, se transformar em oncogenes. E, se a culpa era deles, talvez fosse possível desmascará-los e desativá-los. Começou então uma nova maneira de encarar a doença. Um dos caminhos foi olhar para as moléculas produzidas por ordem dos genes: as proteínas. São elas que regem todo o equilíbrio do corpo e podem mandar, por exemplo, uma célula se duplicar rapidamente e virar um tumor. “Mudanças no DNA alteram a estrutura das proteínas. Assim, é possível desenvolver remédios que inibem sua ação e corrigir o defeito”, explica Luiz Fernando Reis, diretor de pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Só que a tarefa não é das mais fáceis: cada câncer envolve dezenas de “agentes” diferentes para se desenvolver – e estima-se que existam mais de cem tipos diferentes de câncer.

Fácil não é, mas a americana Barbara Bradfield teve sorte. Em 1990, ela descobriu um caroço debaixo do braço e nos seios. Tinha câncer de mama – e pior: ele já tinha se espalhado nos nódulos linfáticos. Enfrentou quimioterapia e perdeu parte da mama. Ainda assim, um ano depois, o câncer reapareceu – e se espalhou em metástase. A morte era questão de tempo. Mas não foi o que aconteceu. Dois pesquisadores estavam trabalhando havia cinco anos para tratar especificamente aquele tipo de câncer, que precisa de uma proteína chamada Her-2 para sobreviver. Eles perceberam uma quantidade enorme dessa molécula do lado de fora das células cancerosas e encontraram um remédio que parecia desligar sua produção. Durante nove semanas, Barbara recebeu a droga recém-descoberta. O câncer desapareceu, num caso inédito. Assim como o câncer, a cura também estava dentro dela. Os pesquisadores continuaram com os testes e, em 1998, os EUA autorizaram o uso do medicamento, o Herceptin. Desde então, apareceram mais de 20 remédios que acertam em cheio as células cancerosas, as terapias-alvo – durante muito tempo a grande esperança da luta contra a doença. Ao contrário da quimioterapia, eles poupam as células saudáveis e destroem apenas as malignas.

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Mas 20 ainda é pouco. Uma maneira de aumentar a criação de remédios específicos para cada paciente partiu do próprio David Agus com a ajuda do engenheiro da computação e inventor Daniel Hillis. Eles inventaram um computador capaz de tirar uma sequência de fotos das proteínas do corpo em ação – algo como ouvir, em tempo real, a conversa entre todas as nossas células, a música tocada na nossa orquestra interna. Só que fazer isso não é uma tarefa fácil. A cada minuto, as proteínas do seu corpo mudam. Se você tirar uma amostra de sangue agora e ir ao banheiro e tirar outra depois, as moléculas serão outras. Pode haver modificações até mesmo durante a análise do sangue no laboratório. Parecia impossível chegar a resultados confiáveis.

Depois de seis anos de trabalho, em 2009, a dupla conseguiu. Com conhecimentos sobre robótica, computação paralela e uma técnica capaz de avaliar as características individuais de cada molécula, Hillis conseguiu fazer imagens em alta definição das proteínas humanas. Uma gota de sangue gera um retrato tão complexo que ocupa um espaço de 40 gigabytes. Agora a missão é identificar quem é quem e qual o papel de cada proteína. (Entenda a complexidade abaixo.) Quando isso acontecer, encontrar remédios que atinjam as células malignas de cada tipo de câncer, em cada pessoa diferente, pode ser moleza. A esperança é que possamos desenvolver remédios para 10 mil proteínas diferentes, e não só as 500 que pesquisamos hoje em dia. “A terapia-alvo olha só para a doença, para uma célula individual. A proteômica olha para a doença e para o entorno dela, para seu metabolismo, para todo o conjunto. Então dá para saber qual remédio funciona melhor para você”, explica Agus.

Diga xis
Entenda a análise de todas as proteínas do seu corpo

Com este retrato, é possível saber tudo o que acontece no corpo – ver como seu organismo responde a cada remédio (ou comida, ou substância cancerígena) e se algo vai mal lá dentro. O excesso de uma determinada proteína pode constatar que algo está errado com seu estômago, por exemplo.

1. Uma gota de sangue pode gerar um retrato de todas as proteínas do corpo.

2. Computadores medem a distribuição, o tamanho e a ocorrência de cada uma delas em resposta a um remédio específico.

3. Assim, dá para comparar o retrato proteico de duas pessoas diferentes e traçar o perfil de cada uma.

4. Se duas pessoas tomam um remédio e respondem a ele de forma diferente, já sabemos qual proteína é a responsável.

Comparando os dois exames ao lado, dá para perceber que um mesmo tratamento liberou proteínas diferentes em João e em Maria – ou seja, também será mais eficiente em um do que em outro. Um simples exame de sangue poderá detectar isso. E será possível encontrar um medicamento específico para cada doença, em cada pessoa.

Tudo é um só
A cura definitiva para o câncer ainda não existe. E o mais provável é que ela nunca aconteça, deixando os cientistas do planeta inteiro frustrados (e a SUPER também: há 12 anos, publicamos que o câncer “estava com os dias contados”. Ops). A OMS acredita que o número de mortes por câncer, em 2030, chegará a 17 milhões por ano – pouco mais do que o dobro de casos relatados em 2008. Culpa do envelhecimento da população. O câncer não vai embora, mas tende a virar cada vez mais uma doença crônica, como o diabetes ou a pressão alta. Que o diga David Servan-Schreiber, neurocientista francês, professor de medicina da Universidade de Pittsburgh. Em 1992, ele trabalhava em um laboratório de neuroimagem, quando um dos pacientes agendados do dia não compareceu. Para passar o tempo, ele então decidiu se enfiar na máquina de ressonância magnética e se autoanalisar. Descobriu um tumor maligno no cérebro. Passou por cirurgia e quimioterapia. Oito anos depois, o câncer voltou. Depois de mais cirurgias e sessões de rádio e quimioterapia, David decidiu procurar alternativas – não com o objetivo de abandonar os tratamentos tradicionais, mas para aumentar suas chances de cura. “Fui procurar na literatura científica um jeito de ajudar meu corpo a vencer o câncer. E descobri que o jeito como vivemos e comemos aumenta a incidência do câncer”, disse em um seminário há alguns anos. Ele mudou a dieta e passou a praticar mais exercícios físicos.

Schreiber não estava sozinho. Outros pesquisadores também acreditam que o estilo de vida pode prevenir ou ajudar o organismo a lutar contra o câncer. Uma vida mais saudável e regrada fortalece o corpo – e, assim, o sistema imunológico ganha um empurrãozinho também. “O câncer não é doença de um órgão só, é o sintoma de um desequilíbrio geral do corpo”, diz David Agus. “Você diz que sua casa ‘está com um problema de água’, quando vê uma poça de água na sala? Ou você procura onde está o vazamento? Não basta secar a água, é preciso consertar o encanamento. É o mesmo com o câncer, envolve todo o sistema”, diz Agus.

A ciência não sabe listar com precisão todos os fatores que podem causar câncer. Herança genética tem uma parcela pequena de culpa: de 5 a 10%. Já fumar é quase suicídio: 90% dos casos de câncer no pulmão vêm do cigarro (dos 10% restantes, quase 4% dos pacientes são fumantes passivos). O álcool também aumenta em 5% a incidência de câncer de mama. E outros vários pequenos fatores aumentam os riscos de desenvolver algum tipo de câncer: pesticidas e inseticidas, o contato da pele com o alumínio (atenção com o desodorante), a exposição excessiva ao sol, alguns cosméticos (com parabeno, conservante encontrado em xampus e cremes, ou tolueno, presente em esmaltes, por exemplo), produtos de limpeza, e por aí vai.

Em contrapartida, como você já está cansado de saber, dormir oito horas por dia, praticar atividades físicas, comer mais vegetais e frutas, sempre nos mesmos horários, ajuda a prevenir e enfraquecer o câncer. Sim, definir horário para cada atividade (principalmente na hora de se alimentar) é tão importante quanto o que comer. “Se você come todos os dias às 13 horas e, por acaso, hoje vai comer às 15 horas, seu corpo passou duas horas sob estresse”, diz Agus. “O câncer é uma inflamação. Qualquer tipo de estresse, mesmo emocional, faz você produzir substâncias inflamatórias. Então, a substância vai até um órgão qualquer e diz ‘nflama’. É um gatilho para desenvolver um problema”, completa Daniela Jobst, nutricionista funcional. E é por isso que Agus recomenda todo cuidado para evitar inflamações: desde vacina contra gripe até aspirinas. “O que inflama hoje no seu corpo pode ter um resultado pior daqui a alguns anos”, diz.

Para não dar sorte ao azar
Não há uma fórmula mágica – e, sim, pequenas atitudes que podem ajudar a combater a doença

– Adote um cachorro
Ele vai ajudar a manter uma rotina. Você será obrigado a levá-lo para passear ou a dar comida todos os dias no mesmo horário. Comer, dormir e fazer exercícios físicos sempre no mesmo horário deixa seu corpo menos estressado.

– Não fique muito tempo sentado
É tão prejudicial ao corpo quanto fumar. Passar horas sentado muda todo o metabolismo de um corpo feito para ficar em pé: aumenta as taxas de colesterol no sangue e pressão arterial.

– Tome vacina contra gripe
A gripe espalha pelo corpo diversas inflamações e, para vencê-las, seu sistema precisa de muito esforço. Assim, seu corpo sofre um imenso desgaste, envelhece mais rápido – e abre possibilidade para algo pior depois.

– Use sapatos confortáveis
Esqueça o salto alto e o bico fino. Sapatos confortáveis são a melhor maneira de evitar inflamações nas articulações e coluna lombar.

– Prefira orgânicos e congelados
Orgânicos são sempre melhores. Mas, se você compra verduras no mercado, prefira os congelados. No momento em que saem do solo ou das árvores, os alimentos frescos começam a perder os nutrientes. No caminho até a venda, quase tudo já se foi.

Mesmo com todos os cuidados e as tentativas de reestabelecer o equilíbrio no organismo, David Servan-Schreiber perdeu a luta para o câncer. Em 2010, os tumores reapareceram e, um ano depois, o corpo do cientista não resistiu. David nunca abandonou os tratamentos tradicionais (cirurgia, quimioterapia e radioterapia). Mas ele superou as expectativas. Em geral, após o diagnóstico de tumores malignos no cérebro, apenas 15% das pessoas vivem mais de cinco anos. Menos de 10% vivem dez anos ou mais. O câncer precisou de 20 anos para derrubar David. Não dá para falar em derrota.

A tendência é que isso aconteça para todos os pacientes no futuro: a qualidade de vida durante o tratamento aumente, a reincidência diminua e as chances de cura cresçam. Vamos viver mais e melhor. É isso que prometem os tratamentos personalizados e os que entendem o câncer como um pedaço natural de nós. Pode ser que um copo de vitamina C seja bom para você e péssimo para mim. Vai ser possível também descobrir a presença de tumores por meio de um simples exame de sangue. Aí, sim, manteremos o equilíbrio completo do seu corpo e, se fizermos tudo direitinho, preveniremos a doença – você vai saber exatamente como restaurar as forças que trabalham contra seu corpo. É como a medicina oriental, que há séculos entende e trata o organismo como um todo. Por todo esse tempo, estávamos olhando para o lugar errado. Mas agora estamos acertando a mira.

 
PARA SABER MAIS
O Imperador de Todos os Males
Siddhartha Mukherjee, Companhia das Letras, 2012.

A Vida sem Doenças
David. B. Agus, Intrínseca, 2013.

Anticâncer: Prevenir e Vencer Usando Nossas Defesas Naturais
David Servan-Schreiber, Fontanar, 2011.

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