Taí uma acusação fácil de fazer, mas difícil de provar. Embora existam estudos associando o alto consumo de carne vermelha a alguns tipos de câncer, nenhum deles conseguiu estabelecer uma relação direta de causa-efeito entre a carne e a doença. O alerta soou em 1986, quando o cientista japonês Hiroko Ohgaki descobriu que os compostos amino-heterocíclicos, formados em carnes sob altas temperaturas, podiam provocar tumores em ratos. Os animais alimentados com bife frito e carne processada tiveram maior incidência de câncer de fígado, pulmão e estômago. Detalhe: o mesmo aconteceu com os que comeram peixe grelhado. A conclusão foi que o mais importante era o modo de preparo das carnes. Quanto mais queimadas, maior a formação de substâncias cancerígenas.
Em 2007, as acusações voltaram com força total, graças a um estudo sobre a relação entre o câncer e a carne vermelha publicado na revista PLoS Medicine. A médica Amanda Cross, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), nos EUA, acompanhou 500 mil americanos entre 50 e 71 anos, durante 8 anos. Conclusão: a dieta rica em carne vermelha (62,5 gramas, ou um bife pequeno para cada 1 000 calorias) aumentou em 24% o risco de câncer colorretal. O abuso de carnes processadas, como salsichas, salames e bacon (22,6 gramas, ou uma salsicha para cada 1 000 calorias), elevou o risco em 20%. Mas o estudo encontrou resistência na comunidade científica. “A análise do NIH utilizou um questionário com 124 itens sobre refeições recentes. Portanto, mudanças de hábitos de consumo e exposição a fatores cancerígenos ao longo da vida não puderam ser avaliados”, diz a médica Jeanine Genkinger, da Universidade de Colúmbia, nos EUA.
“Essa interação entre a carne e a doença é controversa, porque os estudos não são conclusivos. Sempre aparecem novos artigos desdizendo os anteriores”, diz a cancerologista Raquel Andrade Ribeiro, de Belo Horizonte. Segundo a especialista, a carne não é um fator de risco independente para o câncer. Alguns estudos indicam que ela pode ter influência sobre tumores de intestino, estômago, mama, próstata e bexiga, mas apenas como uma das variáveis, dependente de outros fatores – entre eles o consumo de gordura e o sedentarismo. Conclusão: os efeitos da carne sobre a saúde só podem ser avaliados dentro de uma conjunção entre a dieta e os hábitos de cada um.
Vale sempre lembrar: qualquer alimento queimado, defumado ou processado contém substâncias que alteram o DNA das nossas células após longo consumo. “É injusto culpar apenas um vilão”, diz a médica. Por isso, não precisa abrir mão do churrasco. Apenas evite a longa exposição ao fogo, retire as partes tostadas e pegue leve com os embutidos.
Nenhum estudo conseguiu estabelecer uma relação direta entre o consumo de carne vermelha e a doença.