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Coisas que nosso corpo faz

É um perigo. Sem que você tenha culpa, o corpo age de modo bizarro. Tipo ter um tremelique, do nada. Ou frio na barriga. O que é o soluço ou o bafo senão o organismo rebelando-se contra você? Não vá chorar. Tudo isso tem porquê.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h37 - Publicado em 27 jan 2013, 22h00

21. Por que não conseguimos fazer cócegas em nós mesmos?

A resposta está na função evolutiva das cócegas – elas eram um alerta de que animais perigosos passeavam por nosso corpo, nos tempos em que dormíamos e caçávamos no meio do mato. O movimento de uma aranha ou um escorpião sobre nossa pele ativa o córtex sensorial primário, que provoca uma reação em cadeia. Sentimos pânico, e ele se expressa na forma de risadas nervosas e incontroláveis. É por isso que muitas pessoas já começam a rir só com a ameaça de cócegas – o Instituto Karolinska, na Suécia, fez o teste com voluntários e descobriu que, nessas situações, eles ativam a mesma região encefálica.

Só que é difícil enganar o cérebro: quando tentamos provocar essa reação em nós mesmos, usando nossas mãos ou outros objetos, ele não interpreta como sinal de perigo. O cerebelo, região responsável por coordenar o movimento dos músculos, não cai na pegadinha e desliga o alarme de pânico. Mesmo as pessoas que sentem mais cócegas (elas são mais sensíveis porque têm mais receptores táteis na pele) não conseguem provocar a reação nelas mesmas. Nem na sola do pé ou nas axilas, lugares que concentram muitos desses receptores.

 

Sensações

22. Por que sentimos frio na barriga na montanha-russa?

Em situações de perigo, o cérebro libera uma descarga de adrenalina que provoca uma contração dos vasos sanguíneos do abdômen – uma região bastante vascularizada. Isso vale para aquele frio na barriga que sentimos na hora de nos apresentar em público, fazer uma prova importante ou pedir a namorada em casamento.

No caso da montanha-russa, ou quando o carro em que estamos desce uma ladeira em velocidade, há um agravante: os órgãos abdominais não são rígidos, nem estão posicionados de forma fixa. Quando descemos de forma abrupta, os ossos vão primeiro, enquanto que as partes mais moles ficam para trás por alguns segundos. Ou seja, é a famosa sensação do “estômago na boca” – sentimos as vísceras subindo, quando elas apenas não desceram na mesma velocidade do resto do corpo. Aí as células nervosas dos órgãos, os mecanorreceptores, detectam essa mudança de posição e mandam o recado para o cérebro, que libera adrenalina. Ou seja: despencar da montanha-russa tende a dar mesmo mais frio na barriga do que fazer prova.

 

23. Por que a perna dorme?

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A perna, o braço, a bunda… quando ficamos muito tempo numa posição que comprime os nervos de uma região, eles deixam de transmitir sinais claros ao cérebro, além de a circulação sanguínea ficar prejudicada. Com a falta de oxigênio trazido pelo sangue, as células dos músculos liberam lactato, a mesma substância que dá câimbras. Isso faz com que percamos o controle sobre aquele membro – a medicina chama isso de neuropatia periférica, mais comum em diabéticos e em gente com a doença de Charcot-Marie-Tooth, genética. No limite, 4 horas dessa situação podem causar gangrena. Mas é raro chegar a isso, porque o lactato provoca dor – um pedido químico de socorro dos músculos. Aí o cérebro reage rápido, mudamos de posição, a circulação volta ao normal e a perna, o braço ou a bunda acordam.

 

24. Por que coisas chatas dão sono?

Quando em monotonia, o cérebro diminui seu ritmo. Com isso, a respiração fica mais lenta e o nível de gás carbônico no sangue aumenta. Os olhos vão fechando, fechando, fechando… Bons sonhos.

25. Por que quando temos medo dá vontade de fazer cocô?

De novo: culpa da descarga de adrenalina liberada pela glândula suprarrenal em situações de tensão. Isso muda as prioridades do corpo. Enquanto os órgãos envolvidos na reação de luta ou fuga funcionam aceleradamente – os batimentos cardíacos e a respiração ficam rápidos para aumentar a troca de gases e a irrigação dos músculos – o controle do esfíncter anal interno, que é involuntário, fica em 2o plano. A pessoa só não perde as estribeiras e faz cocô na calça porque existe o esfíncter anal externo, que controlamos.

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26. Por que às vezes a gente, do nada, tem um tremelique?

Adivinhe? Adrenalina também. O tremelique, ou aquele calafrio que sua tia avó dizia que era um espírito que tinha passado por você, é sempre associado ao frio ou a alguma emoção, por mais que você não consiga identificar a origem desse estímulo. Você pode ter um calafrio desses por uma simples lembrança, por exemplo, triste ou feliz. Ela já basta para disparar uma descarga de adrenalina, responsável pelo siricutico. Dependendo da intensidade, essa descarga pode causar tremores, vasoconstrição e suadeira. Daí a história do espírito que passou: a pessoa pode mesmo ficar com a aparência pálida e a sensação de mal-estar típicas de quem jura que viu alma penada.

27. Por que algumas pessoas fazem xixi quando desmaiam?

Há duas possibilidades – a de o desmaio ter sido, na verdade, uma crise convulsiva, e a de falta do sangue no cérebro ao desmaiar. No caso da crise convulsiva, além da perda de consciência e dos movimentos acelerados de certas partes do corpo e da rigidez muscular, ela também relaxa o esfíncter vesical – a estrutura que contém a urina na bexiga. Aí o xixi é liberado inconscientemente. Se a vítima for encontrada no chão depois de os outros sintomas já terem ocorrido, vai parecer aos outros que ela sofreu apenas um desmaio, e não uma convulsão.

Já num quadro de desmaio, que não tem causas neurológicas, não há relaxamento do esfíncter – nem cansaço extremo e sonolência, também indícios de convulsão. Mas pode acontecer de a falta de circulação de sangue no cérebro provocar uma espécie de pane em alguns órgãos de controle voluntário, como o esfíncter urinário. Ou seja, nem todo xixi na calça significa convulsão. E por que quem desmaia não faz cocô? Porque o desmaio desacelera o movimento peristáltico do intestino. Fica assim difícil o cocô descer sozinho – o que não é um problema para o escorregadio xixi.

FONTES: Lúcio Roberto Requião Moura, diretor da Sociedade Brasileira de Nefrologia; Roberto de Carvalho Filho, gastroenterologista da Unifesp; James Ramalho Marinho, da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Shigueo Yonekura, especialista em sono da FMUSP; Turíbio Leite de Barros Neto, professor de Fisiologia da Unifesp.

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28. O corpo é capaz de produzir substâncias alucinógenas? Sim, mas não dá pra controlar. Existem doenças, como esquizofrenia e epilepsia, que provocam alucinações. Aí, sim, o cérebro produz neurotransmissores, isto é, mensageiros químicos que transmitem as informações de um neurônio a outro. Essas substâncias são responsáveis pela percepção dos estímulos externos. Quando existe um desequilíbrio entre os neurotransmissores, as informações recebidas dos meios externos são embaralhadas e surgem as alucinações.

Agora, o organismo saudável até produz substâncias que dão prazer, tiram a dor e relaxam, ou seja, dão barato. Mas não chega a ser uma alucinação. Já temos, de fábrica, a dopamina, os endocanabinoides e a endorfina, substâncias que interferem na comunição normal entre nossos neurônios e, por isso, nos deixam, digamos, um pouco alterados. O que acontece com as drogas psicotrópicas é que elas usam os mesmos receptores neurais (veja as correspondêcias no quadro) que essas substâncias do nosso corpo – só que causando efeitos bem mais intensos e imprevisíveis. 

Substância produzida pelo corpo

Endocanabinoides
Em 1928, um ácido graxo produzido pelo cérebro foi batizado “ananda”, palavra em sânscrito para “felicidade” – exatamente porque provoca bem-estar e euforia. Depois, descobriu-se que o 2-aracdonil-glicerol também exerce essa função e é mais comum no organismo. Eles são liberados em situações de prazer, em especial relacionados à saciedade depois da comida.

Dopamina
Esse receptor proporciona a sensação de prazer e de motivação ligada a estímulos externos, como o sexo. Os esquizofrênicos a produzem de forma irregular – e, por isso, podem se sentir sob o efeito de LSD sem tomar a droga.

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Endorfina
O nome já diz tudo: significa “analgésico interno”. É produzida pelo organismo que sentiu prazer ao comer ou praticar atividades físicas. Tem um forte efeito de relaxamento e euforia.

 

Droga análoga

Maconha
O tetra-hidrocanabinol (THC) tem uma composição química muito parecida com a dos endocanabinoides e simula estímulos semelhantes aos da substância que já existe. Ele se liga aos receptores CB1 e CB2, os mesmos ativados pelos endocanabinoides.

LSD
O ácido fornece estímulos extras aos receptores de dopamina dos neurônios. Daí que o usuário da droga vê cores mais vivas, ouve sons mais intensos e alucina.

Opioides
Esse grupo de substâncias alucinógenas funciona como uma dose cavalar de endorfina e multiplica os efeitos que ela provoca. Não por acaso, endorfina rima com morfina.

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29. Por que é tão gostoso arrancar a casquinha da ferida?

A culpa é da histamina. Um tempo depois de nos machucarmos, o organismo libera essa substância para aumentar a vasodilatação local e estimular a multiplicação de células da região. Com isso, a cicatrização é acelerada e surgem as casquinhas, crostas de sangue ressecado que cobrem o ferimento. Mas um efeito desagradável da histamina é a coceira. Com um agravante: quando o machucado está quase cicatrizado, a casca que fica por cima repuxa a pele nova, que ainda é muito fina e sensível. Por tudo isso, arrancar a casca é um grande alívio.

30. O que define meu cheiro?

Depende do tipo de cheiro. Os culpados pelos mais desagradáveis são bactérias que vivem em ambientes suados. Como temos suores de diferentes tipos de glândulas e acumulados em diferentes tipos de ambientes, não é de surpreender que o chulé e o cecê tenham pouco em comum. Portanto, quem define seu fedor é o ambiente propício ou não para a proliferação de bactérias. Mas há também o cheiro atraente. As mesmas glândulas que produzem suor nas axilas e no púbis secretam os feromônios, substâncias capazes de engatilhar a atração sexual.

Genética
A área mais densa do genoma dos mamíferos é o complexo principal de histocompatibilidade, ainda pouco conhecido, responsável pela formação dos sistemas reprodutivo e imunológico. É ele que imprime traços individuais ao nosso cheiro e ao sabor de nossa saliva. Quanto maior o grau de parentesco entre pessoas, maior a semelhança de seus sistemas imunológicos, e quanto mais diferentes forem esses sistemas, maior será a atração sexual entre elas.

Glândulas apócrinas
Elas terminam nos folículos pilosos – por isso se encontram mais nas axilas e no púbis. A partir da puberdade, produzem uma secreção com gorduras e proteínas. Essas substâncias são imensamente nutritivas para bactérias, o que causa o famoso cecê e o mau cheiro nas partes baixas. Mas essas glândulas também liberam feromônios, substâncias que, quando percebidas pelo outro, atingem a produção de hormônios no hipotálamo, na hipófise e nas gônadas – o efeito inconsciente disso é a atração sexual.

Glândulas écrinas
Ficam em todo o corpo e produzem um suor basicamente feito de água e sais, para regular a temperatura corporal quando fazemos esforço físico ou passamos calor. Por isso, o suor de quando você corre não tem cheiro – a não ser que fique acumulado em algum lugar quente e fechado, como meias e luvas de box. Aí forma o chulé, causado por bactérias que comem pele descamada.

FONTE: Roberto Lent, pesquisador do Laboratório de Neuroplasticidade da UFRJ.

Dor

31. Por que a pancada dói mais depois da briga?

Há dois motivos. O primeiro é que em situações de estresse agudo seu corpo entra em estado de atenção e rapidamente libera substâncias analgésicas. Depois de uma provocação, como um tapa na cara, há uma grande liberação de adrenalina e cortisol no seu sangue. O coração bate mais rápido e com o aumento da oxigenação nos músculos você fica mais ágil e forte. A produção de endocanabinoides e opioides endógenos (analgésicos naturais) também aumenta, o que faz com que você só perceba a dimensão da surra quando estiver relaxado.

O segundo motivo é que os neurônios receptores especializados em dor, chamados nociceptores, passam a trabalhar mais diante de um trauma – mas esse processo não é imediato. A irritação de um tecido, por porradas e cirurgias, por exemplo, estimula a liberação de substâncias como as prostaglandinas, que superativam os nociceptores. Isso aumenta o envio de sinais para o cérebro – razão por que, passado um tempo, a pele queimada (de sol ou de panela) dói só de encostar.

Córtex cerebral
Identifica onde está a dor, o que ela significa e como agir.

Sistema límbico
Atribui à dor o caráter desagradável e emocional.

Medula espinhal
Dá o reflexo para se esquivar da fonte de dor.

Nervos periféricos
Conectam o cérebro às várias partes do corpo.

O caminho da dor aguda
Como seu corpo reage quando você encosta a mão numa panela quente.

1. Os nociceptores – neurônios receptores da dor presentes pelo corpo – são de tipos diferentes. Eles respondem a estímulos químicos (uma inflamação), elétricos (um choque), térmicos (toque numa superfície quente) e mecânicos (uma alfinetada).

2. Quando os nociceptores são estimulados, emitem impulsos elétricos que seguem pelos nervos periféricos até a medula espinhal.

3. Algumas reações acontecem já na medula, antes de chegar ao cérebro: se tocarmos numa panela quente, afastamos a mão na hora e endireitamos a postura para afastar o corpo do perigo.

4. Os impulsos elétricos chegam ao cérebro e ali são processados de forma paralela por diferentes regiões: 

– No sistema límbico é atribuído à dor o caráter desagradável e emocional de sofrimento. 

– Quando chega ao córtex, essa sensação emocional de dor é interpretada. Ele consegue localizar a dor, classificá-la, dar significado afetivo, pensar em como reagir – por exemplo, chamar a ambulância. 

– Ao mesmo tempo, diferentes partes do cérebro liberam quantidades maiores de substâncias que aliviam a sensação dolorosa: encefalinas (opioides naturais), serotonina e endorfinas.

5. Se o tecido for lesionado, a produção de prostaglandinas será acelerada. Isso deixa a área mais suscetível, inclusive ao toque.

FONTES: Sacred Pain, Ariel Glucklich, Oxford University Press (2001); An fMRI study measuring analgesia enhanced by religion as a belief system, Katja Wiech (2008); Neural correlates of antinociception in borderline personality disorder, Christian Schmahl (2006); Edmund Keogh, professor de psicologia da Universidade de Bath, Reino Unido; Sex differences in opioid analgesia: from mouse to man, Rebeca Craft (2003); Homens e mulheres: manual do usuário, Jerry Borges (2007); Opioides, sexo e gênero, Cláudia Palmeira (2011); Women experience more pain and require more morphine than men to achieve a similar degree of analgesia, Maria Soledad Cepeda e Daniel B. Carr (2003).

 


32. Como faquires e religiosos que se autoflagelam conseguem suportar a dor?

No caso de faquires, eles usam técnicas de ilusionismo. Mas no caso da fé a história é outra. Estudos das Universidades de Cambridge e Oxford mostram que durante um estímulo doloroso fiéis ativam uma parte diferente do cérebro – que ajudaria a provar que cultura e religião são importantes para o modo como o sistema nervoso central se desenvolve.

No experimento, participaram 12 voluntários católicos praticantes e 12 ateus ou agnósticos. Eles foram submetidos a choques elétricos ao mesmo tempo em que viam imagens da Virgem Maria e uma pintura de Leonardo da Vinci. Quando lhes perguntaram o que sentiram, os católicos relataram menos sofrimento ao ver imagem religiosa, enquanto ateus e agnósticos disseram ter sentido a mesma dor ao ver ambas as imagens.

Imagens de ressonância magnética do cérebro dos participantes mostraram que a imagem da Virgem ativava o córtex pré-frontal ventrolateral direito dos católicos – uma das áreas responsáveis pela regulação e julgamento da dor. Isso quer dizer que, durante a experiência religiosa, fiéis seriam realmente capazes de reinterpretar o sofrimento como algo positivo, diminuindo sua associação com uma emoção negativa como a dor.

Eles gostam de sofrer?
Cientistas alemães escanearam o cérebro de indivíduos com histórico de automutilação e descobriram que, ao contrário da maioria das pessoas, a atividade na região relacionada às emoções negativas diminuiu depois que eles foram submetidos à dor – mesmo que durante o estímulo esses indivíduos relatem sensações desagradáveis. Ou seja, eles sentem prazer depois de um estímulo doloroso.

33. Homens e mulheres têm graus diferentes de tolerância à dor?

Sim, apontam os testes realizados pelo psicólogo Ed Keogh, da Universidade de Bath, Reino Unido. Ele chamou um grupo de 50 pessoas, homens e mulheres, para ver o quanto eles toleravam ficar com os braços submersos em um tanque de água gelada. As garotas suportaram a sensação dolorosa por menos tempo. Isso pode ser influenciado por fatores hormonais, neurológicos, sociais e psicológicos. Sabe-se que mulheres também apresentam respostas variáveis à dor conforme o estágio do ciclo menstrual. Grávidas, com altos níveis de progesterona, são mais resistentes. E a testosterona (muito mais abundante no organismo dos homens) também aumenta a resistência à dor: um experimento feito com ratos na Universidade de Washington concluiu que a castração de machos diminuiu o efeito analgésico de opioides, e a injeção de testosterona nas fêmeas produziu o contrário.

Outra constatação: um mesmo estímulo corresponde a um sofrimento maior nas mulheres do que nos homens. Isso acontece porque a região do cérebro responsável pelas emoções (o sistema límbico) é mais ativado nelas do que neles.

34. Se o cérebro não dói, por que sentimos dor de cabeça?

De fato, o cérebro não tem nociceptores – os receptores de dor. Por isso não é capaz de receber esse tipo de estímulo – tanto que, antigamente, se fazia lobotomia com uma simples anestesia local. Mas a dor de cabeça não acontece no cérebro, e, sim, na meninge – a membrana que envolve a massa cinzenta – ou nos músculos da cabeça e do pescoço.

35. O que aconteceria se nós não sentíssemos dor?

Pode parecer tentador, mas é uma grande roubada. Sem dor, você só descobriria que quebrou um osso no futebol quando o tornozelo inchasse, ou que foi picado por um bicho peçonhento quando sintomas estranhos surgissem. A dor tem enorme importância evolutiva. É ela que faz você entender que seu tornozelo torceu violentamente e que você precisa sair de campo e procurar socorro – ou a consequência pode ser bem pior. Há pessoas que não sentem dor alguma – são portadoras da insensibilidade congênita à dor (CIP, da sigla em inglês). Não está muito clara qual é a origem da doença. Alguns dos pacientes têm uma mutação no gene SCN9A, que modifica a função receptora da dor. Isso faz com que uma resposta sensitiva não seja enviada ao corpo, e aumenta tremendamente o risco de lesões graves – principalmente na infância, quando a pessoa com a doença ainda não está treinada para saber quais sensações e situações apresentam riscos ou não.

Aparência

36. Por que dormir mal deixa a gente com olheiras?

Porque falta de sono deixa as pessoas pálidas – é no repouso que o organismo repõe seu equilíbrio hormonal, e, se ele não é completo, a produção de melatonina é prejudicada, o que causa palidez. Como a região debaixo dos olhos tem a pele muito fina e é bastante vascularizada, se você está pálido a circulação de sangue ali fica mais visível. Daí as manchas escuras. Mas olheiras também podem ser sintomas de problemas mais graves: a falta de ferro no sangue, por exemplo, provoca palidez no rosto. Enquanto você disfarça a área escura com maquiagem, pode estar desenvolvendo anemia. Alergias, asmas e problemas no fígado – tudo isso entra para a lista de causas da palidez. Já no caso de quem consome cigarro, bebidas alcoólicas e café, olheiras podem ser um sinal de que a pessoa está abusando.

37. Por que acordamos de cara inchada?

Porque ela fica cheia de líquidos durante a noite. Funciona assim: mais ou menos 70% do nosso corpo é feito de líquidos e quase um terço dele circula fora das nossas células – elas têm paredes porosas, que permitem a entrada e saída de fluidos. Quando nos deitamos para dormir, os líquidos extracelulares se distribuem de forma mais uniforme por todo o corpo, inclusive a cabeça.

Além disso, enquanto dormimos, acumulamos linfa (uma espécie de soro composto de nutrientes) com mais facilidade nas extremidades como mãos, pés, pálpebras e rosto. O acúmulo de linfa depende da posição na cama e do tempo de repouso; quem tira um cochilo dá menos tempo para o corpo redistribuir os líquidos do organismo. Quem costuma dormir de barriga para baixo tem mais chances de acordar com o rosto inchado. Quem dorme de lado acumula um pouco mais na parte do rosto que ficou para baixo. Esse é um fenômeno natural, e passa quando a pessoa acorda e fica na vertical. Depois que nos levantamos, o rosto volta ao normal em cerca de uma hora. Tudo isso também explica por que uma pessoa que passa o dia inteiro em pé fica com as pernas inchadas – é para lá que os líquidos se dirigem.

38. Por que japonês fica vermelho quando bebe?

Porque muitos deles têm dificuldade de metabolizar o álcool. Estima-se que 40% dos habitantes do leste da Ásia (e 22% dos russos e leste-europeus) tenham uma cópia mutante no gene relativo à produção da enzima aldeído-desidrogenase-2 (ALDH2), que atua no metabolismo do álcool. A função dessa enzima é acelerar a quebra do acetaldeído (substância mais tóxica do que o álcool e um dos maiores responsáveis pela ressaca) em ácido acético, uma substância inofensiva. Quando isso não acontece e o sangue fica com acetaldeído, vêm o rosto avermelhado, a dor de cabeça, a taquicardia, a tontura e as náuseas. É um problema muito comum, que atinge 1 bilhão de pessoas no mundo e exige um cuidado extra com a saúde: a falta de ação da ALDH2 aumenta em 100 vezes a chance de quem consome álcool com regularidade de adquirir câncer de esôfago. Também está relacionada a casos de mal de Parkinson e Alzheimer. Em janeiro de 2011, um grupo de pesquisadores americanos anunciou a descoberta da substância Alda-1, capaz de reativar a enzima. Agora, farmacêuticas correm para transformar a Alda-1 num medicamento comercialmente viável (leia mais sobre ressaca na página 39).

FONTES: Departamento de Química da UFSC; Why we hurt? The natural history of pain (2000), Frank T. Vertosick Jr.; Felicia Axelrod, da Escola de Medicina da Universidade de Nova York; Shigueo Yonekura, especialista em sono da FMUSP; Susan Redline, pesquisadora da Escola de Medicina de Harvard.

Movimentos

39. Por que nos espreguiçamos ao acordar, no escritório, na aula?

Para movimentar os músculos e ativar a circulação sanguínea depois de permanecermos muito tempo numa mesma posição – seja dormindo ou sentado no trabalho. Por que fazemos isso tão instintivamente, mesmo quando o chefe ou o professor está por perto? Pelo mesmo motivo por que mudamos de posição quando estamos dormindo sobre o braço e ele começa a ficar amortecido: o cérebro recebe sinais de alerta e determina que é hora de se movimentar. Antes de racionalizar o movimento, você já está se esticando todo.

40. Por que tem gente que sacode tanto a perna quando está sentado?

O hábito aparece quando ficamos muito tempo na mesma posição. A pessoa sente uma sensação estranha, que pode incluir dor e coceira. Para minimizar o incômodo, a pessoa movimenta a perna. É uma forma de tentar ativar a circulação sanguínea – mas não funciona, e por isso não conseguimos parar de nos mexer. A solução, nesses casos, é mudar de posição ou levantar-se de meia em meia hora. Isso é completamente diferente da síndrome das pernas inquietas, um transtorno mais comum à noite em que a pessoa sente comichões e acaba chacoalhando as pernas a cada meia hora.

41. Por que trememos de nervoso?

Quando identifica uma situação de perigo, o hipotálamo ativa a reação de luta ou fuga (veja no quadro abaixo). Isso acelera a respiração e os batimentos cardíacos para que os músculos possam fazer uma força extra. E os músculos, sabendo do que está por vir, ficam tensos. Se a tensão não for transformada em ação efetiva, eles começam a tremer – resultado de um desequilíbrio das pequenas contrações musculares que nos mantêm em pé, ou sentados, sem cair. A tremedeira também acontece com animais: olhe para um cachorro em posição de ataque e você vai perceber que os músculos de suas patas vibram.

LUTAR OU FUGIR

O que o corpo faz diante do perigo.

Quando um estímulo é identificado como risco, é acionado o hipotálamo – parte do cérebro responsável pela reação de luta ou fuga. Duas coisas então acontecem. Ele ativa o sistema nervoso simpático (responsável por atividades autônomas do corpo como pressão arterial e sono), que manda as glândulas suprarrenais liberarem adrenalina e noradrenalina. Ao mesmo tempo, a hipófise, vizinha do hipotálamo, produz o hormônio adrenocorticotrópico, que por sua vez faz as glândulas suprarrenais soltar outros 30 hormônios. E aí acontece o seguinte:

1. A pupila se dilata.
2. Vasos sanguíneos contraem levando o sangue da pele para órgãos internos.
3. Os músculos se tensionam.
4. O suor vem para resfriar o corpo.
5. A respiração se acelera para captar mais oxigênio.
6. O coração bate rápido para aumentar o fluxo de sangue.

FONTES: Mark Buchfuhrer, médico americano especialista em distúrbios do sono; Catriona Morrison, psicóloga cognitiva da Universidade Leeds. foto: Mark Kostich


42. Como curar o soluço?

Todas as avós guardam sua receitinha. E algumas têm até base científica. O soluço comum é um reflexo provocado pela irritação do nervo frênico, que vai do cérebro até o abdômen e dirige o diafragma – músculo responsável pelo controle da respiração. O nervo irritado, por reflexo, “manda” o diafragma contrair. Para acabar com esse espasmo, o que vale é distrair o cérebro (desde que o soluço não seja sintoma de traumas psicológicos, doenças hepáticas, úlceras ou insuficiência renal).Veja no quadro à direita quais das estratégias populares funcionam.

O soluço aparece mais comumente quando…

– Bebemos muito líquido (especialmente com gás) e/ou comemos muito: o estômago incha e o nervo frênico é pressionado. 
– Damos gargalhadas ou choramos compulsivamente: a respiração fica descontrolada.

Hic-hic

O barulhinho do soluço tem motivo. Quando o diafragma contrai, a laringe (na garganta) reage cortando a passagem do ar entre a boca e os pulmões. Isso faz as cordas vocais vibrarem daquele jeito engraçado.

1. Beber água
Por que funciona: Ocupa o nervo frênico com uma nova utilidade.

2. Tomar susto (mesmo)
Por que funciona: A descarga de adrenalina coloca o organismo em estado de atenção e distrai o cérebro do problema do nervo irritado.

3. Receber cócegas
Por que funciona: Parecido ao susto – o alerta disparado pelo cérebro deixa o problema do nervo em segundo plano.

4. Tampar os ouvidos com os dedos
Por que funciona: O nervo frênico tem ramificações que chegam à região do sistema auditivo. Ouvidos tampados fazem com que essa área seja estimulada, e o nervo volta a funcionar bem.

5. Prender a respiração
Por que funciona: Aumenta a quantidade de CO2 no sangue, e esse problema se torna mais urgente a ser resolvido pelo organismo. Dá tão certo quanto respirar dentro de um saco de plástico, pelo mesmo motivo.

FONTE: Boyan Hadjiev, alergologista e membro do American Board of Allergy & Immunology.

43. Por que olhar para o sol faz a gente espirrar?

Não acontece com todo mundo, mas é comum entre pessoas que têm certa condição genética. No momento em que a pessoa olha para o sol e o nervo ótico envia sinal para o cérebro diminuir as pupilas, parte desse sinal é interpretado como se a pessoa estivesse com o nariz irritado.

Esse é o chamado espirro de reflexo fótico. No século 4 a.C., Aristóteles já se debatia com esse problema – acabou concluindo que o calor do sol sobre o nariz provocava espirros. No século 17, o filósofo Francis Bacon ficou ao sol com os olhos fechados e contestou a tese do grego. Mas apresentou uma resposta insatisfatória: mesmo sem abrir os olhos, o sol deixaria os olhos cheios d¿água, que desceria até o nariz. Desde então, tudo o que os pesquisadores conseguiram concluir é que o fenômeno tem origem genética e deixa as pessoas com um pequeno curto- circuito cerebral, curioso, mas inofensivo para a saúde.

44. Por que às vezes tentamos espirrar e não conseguimos?

Porque o espirro é um processo involuntário complexo que não pode ser reproduzido por mera vontade. Sua função é expulsar do sistema respiratório vírus, bactérias, pó etc. É assim: nossos pulmões estão em contato permanente com o ar e temos barreiras no nariz (os pelos) e na boca (seu revestimento viscoso) para protegê-los da entrada oportunista de agentes nocivos. Quando as barreiras falham, espirramos ou tossimos. E às vezes acontece o espirro frustrado: você fica naquele vai-não-vai, o agente irritante é expelido de outro jeito e não se espirra mais. Mas há uma exceção: às vezes, o agente não é expulso, mas alguém fala “saúde” antes do ato. Aí parece que a gente trava. É você enganando seu cérebro – mesmo num processo involuntário, isso é possível. É uma reação condicionada: gente que espirra muito frequentemente, e sempre ouve “saúde” depois, pode ser induzida a não espirrar mais se ouvir o cumprimento antes da hora.

No espirro:
2 litros de ar são inspirados… E depois lançados a 160 km/h junto com pelo menos mais… 3 elementos: saliva, secreção nasal e as partículas intrusas. Quase todos os 43 músculos da face se contraem – por isso é quase impossível espirrar de olhos abertos

 

Fluidos

45. Por que choramos quando estamos tristes ou alegres?

Nós sempre produzimos lágrimas para limpar ou lubrificar os olhos a cada piscada. Mas no caso do choro de emoção, a função delas não é fisiológica e, sim, comunicativa. Segundo o oftalmologista espanhol Juan Murube Del Castillo, da Universidade de Alcalá, o choro surgiu antes de o humano desenvolver a fala, provavelmente porque os movimentos dos músculos da face – como levantar sobrancelha e mover os cantos dos lábios para baixo – não eram por si só suficientes para expressar estados emocionais mais intensos e sentimentos abstratos.

No princípio, era a dor. Depois, já há cerca de 50 mil anos, junto com o surgimento da fala, o choro passou a expressar pedidos de ajuda – e aí não só de dor física, mas também de medo, raiva, tristeza… Mais tarde, vieram o choro de felicidade e aquele de quando nos sentimos tocados com a situação dos outros. Seu objetivo é expressar a empatia – a capacidade de se colocar no lugar do outro. Parece sofrimento à toa, mas é isso que nos move a oferecer ajuda uns aos outros – e assim manter a sobrevivência dentro de um grupo.

E o que acontece em nosso corpo quando choramos de emoção? Diante de uma situação, nosso sistema límbico pode associá-la a alguma experiência passada que traga felicidade ou tristeza. Tal reação desencadeia uma sequência de respostas fisiológicas: as fibras do sistema parassimpático (antagonista do sistema simpático no sistema nervoso central) são estimuladas por todo o corpo e substâncias como noradrenalina e serotonina são liberadas. A glândula lacrimal, sensível ao estímulo parassimpático, responde com uma contração e libera lágrimas em maior quantidade. Com tanto líquido, os drenos do canto da pálpebra, próximos ao nariz, não dão conta. Daí uma parte das lágrimas escorrer para fora do olho.

46. Por que a gente saliva, lacrimeja e sua quando vomita?

A irritação da mucosa do estômago, que causa o vômito, ativa certos receptores sensitivos, que enviam estímulos ao “centro do vômito” do sistema nervoso – uma região do bulbo raquidiano, acima da medula espinhal. É esse centro que comanda as atividades e reações no mecanismo do vômito. O estômago se prepara, fechando sua parte final e abrindo a inicial, que fica próxima ao esôfago. Enquanto isso, músculos de diferentes regiões passam a trabalhar juntos, em uma espécie de esforço coletivo para expelir o conteúdo indesejado: os do abdômen aumentam a pressão na região, os da língua, colocam-na para fora, e os músculos da face se contraem. Isso acaba apertando também as glândulas que produzem saliva, lágrimas e suor. A contração de outros músculos pelo resto do corpo também ajuda na sudorese. E, além dessa produção mecânica, as glândulas também recebem a mensagem enviada pelo sistema nervoso de que há vômito a caminho. Isso gera, de forma reflexa, um aumento na produção de lágrimas, saliva e suor – embora eles não tenham função alguma durante o vômito.

O CÉREBRO EMOCIONAL
A estrutura responsável pelo que sentimos e por coisas que o corpo faz sem nosso controle.

O sistema límbico é uma parte primitiva do nosso cérebro envolvida em atividades autônomas, na produção de hormônios e nas nossas emoções. Conheça suas principais estruturas:

1. Hipotálamo: 
Envolvido na regulagem do sono, da libido, do apetite, do ciclo circadiano e da temperatura corporal. Age com a hipófise, importante glândula do sistema endócrino.

2. Amígdala: 
Avalia a percepção de risco e adiciona significado emocional a estímulos dos sentidos.

3. Hipocampo: 
Armazena memórias recentes e é usado para formar as de longo prazo.

FONTES: Marcela Cypel, oftalmologista da Unifesp; James Ramalho Marinho, da Federação Brasileira de Gastroenterologia.

47. Qual a técnica infalível pra segurar o choro?

Não tem jeito. O choro não é um mecanismo meramente fisiológico; ele é disparado por um gatilho emocional. Uma vez recebido esse estímulo, o cérebro envia a ordem de chorar e o mecanismo é ativado. Só resta então uma saída: pensar em outra coisa totalmente diferente do motivo das lágrimas.

Digestão

48. Por que criança não tem nojo de cocô?

Porque o nojo não é apenas produto da evolução, nem vem pronto de fábrica. Ele é determinado também pelo desenvolvimento fisiológico (ou seja, depende da idade), experiência, criação e cultura.

Funciona assim: o nojo é um sistema adaptativo construído ao longo de milhões de anos de contato dos animais com parasitas e substâncias tóxicas. Esse sistema evoluiu de forma a moldar um padrão de comportamento que protege os organismos de infecções. Seria algo como um sistema imunológico comportamental, sensível a certos cheiros, texturas e sabores que indicam o risco de contato com agentes patogênicos. Por exemplo, desenvolvemos nojo de imagens de objetos longos, finos, lubrificados que se retorcem – possivelmente por causa de vermes que parasitam a carne em decomposição. Isso faz a gente ter nojo até de minhocas inofensivas. O mesmo valeria para o cheiro dos compostos de enxofre presentes nos gases que emanam das fezes e de carniça – ainda que possam vir de um simples mau hálito matinal.

No entanto, essa sensação de nojo é dinâmica, concluiu Valerie Curtis, pesquisadora da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, que desde a década de 1990 estuda o nojo em diferentes culturas. Um dos fatores são os estados fisiológicos. No primeiro ano de vida, a capacidade cognitiva não é a mesma que aos 3 anos – um possível motivo para bebês não se incomodarem com a própria caca. Além disso, o nojo também é aprendido, seja ao associar um estímulo a algo que tenha feito mal à saúde, seja ao ver repetidamente a reprovação dos pais, seja ao aprender regras culturais.

49. Qual é a cor do pum?

Nenhuma. Os gases que o compõem – H2S, N2, O2, H2, CO2, CH4 – são todos incolores, incapazes de deixar um traço visível sequer do traque alheio.

50. Por que alguns puns são silenciosos e quentes e outros, barulhentos e frios?

Todo pum tem a mesma temperatura quando está no intestino – basicamente a temperatura do seu corpo. Mas agora vamos simular um pum com nossa boca. Se você soprar devagarinho sua mão, vai sentir que o ar está meio quente. Mas basta fazer pressão e assoprar bem forte para que ele pareça frio. Esse fenômeno – conhecido como efeito Joule-Thomson – acontece por causa da diferença de pressão ao passar por uma válvula – nesses casos, sua boca e seu esfíncter. Quando um gás se expande, ele perde temperatura, tal como acontece em sprays e compressores de geladeiras. Por isso, o pum fininho sai com a temperatura do corpo, mais alta do que a temperatura ambiente, enquanto o que sai com bastante velocidade é resfriado na perda de pressão.

E o barulho? Como o som é produzido pela vibração do esfíncter, um flato de maior pressão vai também ter mais sonoridade. Ou seja, quanto mais volume, mais pressão e mais barulho. Mas é possível afiná-lo mesmo que seja muito volumoso. Se o esfíncter estiver contraído, o potencial de ruído aumenta; já se estiver relaxado, vai permitir uma saída mais silenciosa. Quer disfarçar? Então relaxa.

Agora, o que não dá para controlar na hora é o cheiro. O que o define não é o barulho nem a sensação térmica do pum, mas sim a dieta. Da composição de qualquer pum, 99% são 5 gases inodoros: nitrogênio, oxigênio, hidrogênio, gás carbônico e metano. O perigo mora no 1% de gases derivados de enxofre, como o sulfeto de hidrogênio e o metanetiol. Esse fedor não depende apenas da dieta. A composição da população bacteriana que mora no intestino grosso também importa.

Os alimentos campeões em produção de pum…

…Em volume
Os que causam mais gases – dióxido de carbono, hidrogênio e metano, todos volumosos mas sem cheiro: 

– Amidos (trigo, milho, batata) 

– Lactose (derivados de leite) 

– Manitol, sorbitol e xilitol (refrigerantes, chicletes e outros produtos dietéticos) 

– Estaquiose e rafinose (leguminosas, como feijão, grão-de-bico, ervilhas, lentilhas, soja)

…Em fedor
Os que causam maior produção de sulfatos, cisteína e metionina – os gases fedorentos do pum: 

– Crucíferas (repolho, couve-flor, nabo, brócolis) 

– Cerveja 

– Proteínas (principalmente de origem animal, como as carnes)

FONTES: Valerie Curtis, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres; Ana Margareth Bassols, professora de Psiquiatria da UFRGS; James Ramalho Marinho, da Federação Brasileira de Gastroenterologia.

51. Porque o mau hálito varia de pessoa para pessoa?

Porque o bafo tem diferentes causas. Somadas, elas formam um buquê específico. De cada 10 casos de mau hálito, 9 são resultado da decomposição do resto da comida ou de células mortas dentro da boca. Mas ele pode vir também da queima de gorduras durante o sono, da prisão de ventre e de uma gengivite ou sinusite.

Boca suja
Cheiro: ovo podre com repolho e gás de cozinha com toques de cadáver

Bactérias fazem a festa com restos de comida que ficam entre os dentes, nos recônditos mais escondidos da cavidade bucal ou na saburra – aquela massa esbranquiçada sobre a língua, feita de bactérias, células epiteliais mortas e restos de alimento. Dessa decomposição de material orgânico são eliminadas algumas substâncias fedidas que compõem a maioria dos bafos. A higiene bucal é importante para evitar o odor, mas não está sozinha. A saliva elimina naturalmente bactérias e substâncias fedorentas que ficam na boca. Por isso, o risco de bafão é maior entre quem saliva pouco – quadro que é agravado por antidepressivos, hipertensão, estresse e pelos sintomas da gripe. Até respirar pela boca pode ser uma armadilha, já que isso evapora a saliva. Para dar uma mão para esse aliado, beber água com frequência é fundamental. Chiclete sem açúcar também pode ajudar, pois a mastigação promove a contração das glândulas que ejetam a saliva.

Doenças da boca

Cheiro: pus e coisa podre
Doenças orais que causam sangramentos e a formação de pus, como a gengivite, podem levar a um mau hálito tremendo. Afinal, o pus nada mais é do que um caldo de glóbulos brancos destruídos na batalha infecciosa, bactérias e outros tecidos mortos, tudo em putrefação.

Doenças da garganta e do nariz

Cheiro: pus e coisa podre
O muco produzido pelos sinos (cavidades nos ossos na face) coleta tudo o que vier de estranho do ar para depois ser drenado e descer até a garganta. Às vezes, seja por alergia, seja por infecção, as paredes dessas cavidades inflamam e as fecham – é a tal da sinusite. Pronto, o ambiente quente, úmido, fechado e rico em matéria orgânica é ótimo para a proliferação de bactérias anaeróbias, que produzem fedor. Amígdalas inflamadas também são fonte de cheiro purulento. Essas estruturas são como um filtro que retém os micro-organismos vindos do ambiente. A batalha imunológica acontece nas “criptas”, pequenas invaginações do tecido epitelial da amígdala que acabam armazenando anticorpos mortos e alimentos – um lar ideal para bactérias. Para coroar o cheirão, de vez em quando as criptas liberam suas crias: bolinhas brancas fedorentas.

Jejum

Cheiro: acetona
Eis que cai um mito. O “hálito de estômago vazio” não vem do estômago, e sim do metabolismo de gordura. Quando a quantidade de açúcar no sangue cai, chega a hora de o corpo começar a queimar lipídios em substituição, um processo chamado cetose. Um dos produtos dessa metabolização são os corpos cetônicos, que se transformam espontaneamente em acetona – uma substância de cheiro bem característico. Parte dela é liberada pela urina, mas, como é muito volátil, sai até pela respiração. Daí o hálito meio azedo liberado na respiração de portadores de diabetes, de pessoas em dieta e de quem acaba de acordar.

Prisão de ventre
Cheiro: fezes

Não, o pum não vai subir – o mau cheiro vai sair do pulmão mesmo. Quanto mais tempo o cocô ficar no intestino, maior a proliferação de bactérias e a absorção de toxinas fedidas – estas ficam no sangue e dali se transferem aos pulmões e ao ar.

 

BAFÃO MATUTINO

Não há amante que se salve. Mesmo que você escove os dentes bem direitinho antes de dormir, é quase certo que vá acordar com bafo de dragão. Esse blend matinal é definido por pelo menos dois fatores. Primeiro, o volume de saliva é reduzido durante o sono, e muitas pessoas respiram de boca aberta nesse momento – boca seca é boca fedida. Depois, o jejum de mais de 8 horas dá aquele hálito cetônico. É tiro e queda. Mas para o bodum passar basta comer alguma coisa.

As substâncias que compõem o mau hálito

Cadaverina H2(CH2)5NH2 e putrescina NH2(CH2)4NH2

Aroma: carniça.
Causa: má higiene bucal (vem da decomposição da carne).

Escatol C9H9N

Aroma: fezes (é o principal responsável pelo cheiro do cocô, mas tem aroma floral em baixas concentrações).
Causa: má higiene bucal (vem da decomposição de matéria orgânica).

Sulfeto de hidrogênio H2S

Aroma: ovo podre, pum e gás de esgoto.
Causa: má higiene bucal (e nem é preciso ter doença periodontal).

Metanotiol CH3SH

Aroma: gás de cozinha (adicionado para dar o cheiro que indica vazamento).
Causa: principalmente doenças periodontais. Pessoas com essas condições têm concentrações 8 vezes maiores do que a população em geral.

Dimetil sulfeto (CH3)2S

Aroma: maresia.
Causa: doenças bucais, respiratórias, metabólicas e sistêmicas e ingestão de certos medicamentos. Quando está presente no sangue, é excretado pelos pulmões e pela pele, o que dá mau hálito e mau cheiro.

Amônia NH3

Aroma: amoníaco.
Causa: excesso de proteína no sangue, que, depois de metabolizada, é liberada pela urina e pelo hálito.

Corpos cetônicos

Aroma: acetona.
Causa: diabetes mellitus, exercício vigoroso, dieta pobre em carboidratos e jejum prolongado.

FONTES: Celso Senna, da Associação Brasileira de Odontologia; Francini Pádua, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial; Breath: Causes, diagnosis and treatment of oral malodor, Sean S. Lee, 2009

 

 

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